O Estado de S. Paulo
Cabe ao ministro Moraes decidir onde o ex-presidente vai comemorar a data que se aproxima
O general Antonio Carlos de Andrada Serpa produziu em 1996 uma carta aos colegas militares que hoje está esquecida em Brasília. Jair Bolsonaro, que não é homem de letras, deveria ao menos ler o documento do general. Assim como o ex-presidente, Serpa era oficial da Arma de Artilharia. Mas, diferentemente do ex-mandatário, ele esteve na guerra – comandou uma companhia de obuses de 105 mm, na campanha da Itália, participando da campanha vitoriosa, conforme contava seu amigo, o general Ruy Leal Campello.
Na carta, Serpa reclamava que a versão dos
“vencidos em 1964” se estabelecera como verdade; ninguém dava ouvido aos
vencedores. Mas, ao mesmo tempo, defendia a pacificação e a concórdia nacional.
E concluía seu documento lembrando o exemplo de Caxias.
“Quando solicitado a comemorar a vitória
sobre os farrapos, em 1845, (Caxias) respondeu: ‘Não, antes rezemos um Te Deum
pelas almas dos imperiais e farroupilhas, pois eram brasileiros’.” Para Serpa,
reconhecer “o idealismo equivocado dos terroristas e os excessos da repressão
será um convite à verdadeira Anistia e Justiça”. O general dizia que, para
“seus colegas de hoje, é o espírito de Caxias que deve prevalecer, pois essa é
a tradição do Exército”. Foi para essa tradição que Bolsonaro virou as costas
ao determinar que o Ministério da Defesa, em 2019, voltasse a comemorar o 31 de
março, data que marca uma “vitória de seu Exército” contra nacionais, contra
brasileiros.
Não se comemora uma vitória contra
brasileiros. Serpa apoiara a abertura de Ernesto Geisel, inclusive a decisão de
afastar do comando do 2.º Exército, em 1976, o general Ednardo D’Ávila Mello,
após as mortes de um militar, um jornalista e um operário nas dependências do
DOI-Codi. Todos investigados por ligações com o PCB.
Serpa dizia que Geisel puniu os abusos ao
demitir o comandante – segundo ele, “traído por maus auxiliares” – em razão do
“princípio militar de que o chefe é responsável por tudo o que fizer ou deixar
de fazer (C 101-5, Estado-Maior e Ordens)”. O mesmo vale para Bolsonaro.
Não adianta culpar Mauro Cid pelas
falsificações de cartões de vacinação ou pela venda de joias. Não adianta dizer
que assessores lhe propuseram um golpe, travestido da falsa legalidade de um
estado de sítio ou de defesa. Um chefe militar jamais delega sua missão. Nem se
isenta de suas responsabilidades.
É por se furtar a elas que Geisel concluiu
sobre Bolsonaro: “É um mau militar”. Quem procura à sorrelfa a Embaixada da
Hungria parece saber que tem contas a acertar com a Justiça. Cabe agora ao
ministro Alexandre de Moraes decidir onde e como Bolsonaro vai comemorar o
próximo 31 de março.
Um comentário:
Pois é.
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