Valor Econômico
É difícil acreditar que o Estado não
repassará a conta, de maneira a manter a arrecadação
Estava tudo preparado para que a Câmara dos
Deputados votasse nesta semana, antes da Páscoa, a proposta de emenda
constitucional que amplia a imunidade tributária a igrejas. Semana Santa,
período simbólico. O governo demonstrou disposição de fazer um gesto político à
bancada evangélica, majoritariamente alinhada à oposição. Mas divergências
entre as igrejas provocaram o adiamento da apreciação da PEC em plenário.
Cria-se, com isso, uma oportunidade para o
país discutir melhor o tema e seus possíveis efeitos econômicos.
Atualmente, a Constituição já estabelece que a imunidade tributária para essas instituições vale para o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Mas a proposta do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), ligado à Igreja Universal, tem como objetivo ampliar essa imunidade à aquisição de bens e serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços. Ao expandir o tratamento para tributações indiretas, apontam especialistas, obras ligadas a igrejas teriam, por exemplo, isenção para a compra de material de construção.
Sem uma estratégia clara para se aproximar do
eleitorado evangélico, o governo bateu cabeça. Integrantes da ala política
passaram a defender que a PEC fosse tratada como um “tema de atividade
econômica e tributária”. Na equipe econômica, os movimentos foram para
construir um acordo menos prejudicial às contas públicas. Afinal, por ser uma
proposta de emenda à Constituição, em caso de promulgação a iniciativa do
Congresso não poderia ser vetada depois pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
Tentou-se, dessa forma, despolitizar um tema
que é eminentemente político.
Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, a
reprovação do governo é maior entre os evangélicos. Do ponto de vista
qualitativo, sondagens internas do Planalto apontam uma relação entre a baixa
popularidade de Lula entre jovens evangélicos e o fato de esse público
acreditar que o governo promove ideias com as quais ele não concorda.
No governo, contudo, não existe um consenso
sobre como enfrentar esse desafio. Uma ala, com o próprio presidente à frente,
sustenta que mais entregas e a melhoria do ambiente econômico terão o condão de
reverter essa situação.
Outra ala acredita que seria preciso
intensificar a interlocução e, consequentemente, a construção de pontes com os
evangélicos. E existe ainda quem defenda um caminho do meio. Alguns
interlocutores do presidente que são evangélicos estão neste último grupo.
Uma fonte lembra que essa parcela da
população é composta majoritariamente por pessoas que vivem em periferias e
enfrentam severas dificuldades financeiras. Elas têm expectativa de colocar os
filhos em boas escolas, se for em período integral melhor ainda, e se preocupam
com questões de segurança. Portanto, poderiam reagir positivamente a mais
entregas do governo nessas áreas.
Em outra frente, acrescenta essa fonte, o
presidente deveria trabalhar para ter um melhor diálogo com lideranças
evangélicas que busquem uma reconexão com o legado da reforma protestante e, ao
mesmo tempo, valorizem eventuais conquistas sociais promovidas pelo governo. Em
outras palavras, que se identifiquem com as causas que motivaram Martinho
Lutero a defender cerca de 500 anos atrás a separação entre Estado e Igreja.
“Essa coisa da instrumentalização da fé pela
política e do Estado pela fé é contraditória com a reforma protestante”,
destaca. “De repente, esse legado foi se apartando de parte dos evangélicos,
que acha que vai impor os valores da fé via leis civis. Não pode ser isso. É
contraditório.” E faz um alerta: Lula não deve cair na tentação de fazer
“movimentos estereotipados e extemporâneos”. Sobretudo quando não há unidade na
bancada evangélica.
Em sua edição de terça-feira (26), o jornal
“O Globo” detalhou as divergências. Uma é o imposto sobre o aluguel dos
templos, item que não é visto como fundamental por todas as igrejas.
Há um impasse sobre a criação de uma lei
complementar que estabeleça regras unificadas e nacionais. Alguns parlamentares
argumentam que jogar a regulamentação para a legislação infraconstitucional
fragiliza a imunidade.
Ainda de acordo com a reportagem, um outro
ponto de discordância na PEC é a previsão da criação de uma espécie de
“cashback” dos impostos indiretos. Integrantes da bancada evangélica temem
depender de regulamentação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz)
e, no fim das contas, do juízo de auditores fiscais.
Esse é um lado da questão. Do outro, a
sociedade precisa refletir sobre como seria compensada essa renúncia de
receita. É difícil acreditar que o Estado não repassará a conta, de maneira a
manter a arrecadação.
Deve-se avaliar, também, quais seriam os
mecanismos à disposição do poder público para coibir eventuais irregularidades.
Não será fácil, por exemplo, controlar o uso de todo o material de construção
adquirido com imunidade e sua destinação. Se o Palácio do Planalto pretende
tratar a PEC como um “tema de atividade econômica e tributária”, relativizando
o pano de fundo político, precisa enfrentar de frente os potenciais problemas
que a proposta pode causar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário