Queda no IDH reflete o descaso da classe política
O Globo
Congresso tem sido incapaz de adotar programa
consistente nas áreas críticas para o desenvolvimento humano
Inspirado nas ideias do Prêmio Nobel de
Economia Amartya Sen, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado para
ampliar o entendimento sobre bem-estar. Em vez de atrelar a avaliação de um
país apenas à dimensão econômica, com ênfase no PIB per capita, o conceito
incorpora estatísticas sobre educação e
saúde. O objetivo é ambicioso: medir as condições de os cidadãos conquistarem a
capacidade e a oportunidade para ser o que quiserem ser. Os dados sobre o IDH,
divulgados anualmente pelas Nações Unidas, fornecem uma oportunidade para
políticos no Executivo e no Legislativo refletirem sobre o passado e as
prioridades para o futuro.
Os resultados de 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro, deveriam motivar um pacto para elevar de forma significativa o desenvolvimento humano no Brasil. A meta deveria ser, no mínimo, atingir o patamar de desenvolvimento classificado como “muito alto”, já alcançado por países como Argentina, Chile e Uruguai. O Brasil, 89º colocado no ranking do IDH, está 20 posições abaixo do necessário para integrar esse grupo. Na América do Sul, ainda continua atrás de Equador e Peru e, pior, perdeu duas posições em relação ao ano anterior.
Não dá para dizer que nada tenha melhorado
nas últimas três décadas. Entre 1990 e 2022, a expectativa de vida do
brasileiro aumentou 7,4 anos, a expectativa de escolaridade subiu 2,7 anos, e o
PIB per capita saltou 44,3%. Mas a média mundial tem subido em ritmo
comparável. Portanto o Brasil precisa acelerar e, para isso, estabelecer
objetivos claros e ter senso de urgência.
A atitude exigida é a oposta da encontrada no
Congresso. Tome-se a educação, fator responsável pela perda de posições do
Brasil no IDH. Enquanto os parlamentares demoram a fazer os ajustes necessários
para implementar a reforma do ensino médio, aprovada em 2017, elegem para
presidir a Comissão de Educação da Câmara um deputado novato que, embora tenha
recebido mais de 1 milhão de votos, já deu repetidas provas de que só está
interessado em temas capazes de despertar engajamento nas redes sociais e em alimentar
a polarização ideológica. Obviamente não está à altura de cargo tão importante
para elevar o desenvolvimento humano brasileiro.
O relatório com os resultados do IDH
divulgado nesta semana aponta a polarização política como barreira para avanços
nos campos doméstico e internacional. Visões de grupos específicos com
potencial de causar danos ou ondas de repúdio na sociedade diminuem a chance de
sucesso dos objetivos compartilhados pela maioria. O movimento contra o uso de
máscaras e das vacinas durante a pandemia são exemplos nítidos do que não
deveria acontecer.
Políticas nas áreas de educação e saúde
costumam levar décadas para surtir efeitos duradouros. Por isso os dados do IDH
devem ser analisados em prazos mais longos. Em 2022, o Brasil interrompeu uma
sequência de dois anos de queda do IDH, mas o indicador ainda está abaixo do
que era antes da pandemia. Recuperar a trajetória ascendente exige da classe
política um pacto para mudar o Brasil de patamar. Os brasileiros merecem ter a
capacidade e a oportunidade para ser o que quiserem.
Educação profissional é caminho para reverter
abandono do ensino médio
O Globo
Principal razão para evasão escolar é
dificuldade de conciliar estudo e trabalho, diz pesquisa
Quase 10 milhões de jovens entre 15 e 29 anos
(20% da população nessa faixa etária) não estudavam nem haviam concluído
a educação básica
em 2022, segundo o IBGE. A explicação mais dada para o abandono é a dificuldade
de conciliar estudo e trabalho. Ela foi citada por 41% — ou 48% daqueles entre
15 e 19 anos — dos entrevistados na pesquisa Juventudes Fora da Escola,
realizada pelo Datafolha para a Fundação Roberto Marinho e o Itaú Educação e
Trabalho. Outro motivo correlato — a necessidade de receber auxílio financeiro
mensal — foi mencionado por 35%.
Ao delinear os problemas que levam à evasão
escolar, a pesquisa aponta para as principais questões que devem ser tratadas
por políticas públicas. A maioria dos jovens entrevistados (69%) trabalha no
mercado informal e vive com renda familiar per capita de até um salário mínimo
(78%). Cedo ou tarde, o estudante que abandona a escola para trabalhar percebe
que a falta de instrução o coloca nas faixas inferiores da pirâmide
salarial. Por isso 73%
afirmam ter intenção de concluir a educação básica. Para 37%, o
objetivo é “encontrar emprego ou ter um emprego melhor”. Para 28%, cursar a
faculdade. E 56% dizem que se matriculariam num curso técnico ou
profissionalizante. O ensino noturno é a opção preferida por 62%, deixando
implícito o desejo de conciliar trabalho e escola. “A gente vem de uma tradição
que dissocia o trabalho do estudo, o que é um erro”, afirma Rosalina Soares,
assessora de Pesquisa e Avaliação da Fundação Roberto Marinho.
A reforma do ensino médio que está parada no
Congresso procura, acertadamente, dar ênfase à formação profissional. Aprová-la
deveria ser a prioridade de qualquer governo realmente preocupado com o
desenvolvimento do Brasil. Em vez de acelerá-la, o governo
federal decidiu lançar o programa Pé-de-Meia, uma espécie de bolsa para o
ensino médio. Na matrícula, o aluno recebe R$ 200. A depender
de frequência e rendimento escolar, os benefícios anuais podem chegar a R$ 3
mil (ou R$ 9.200 ao final do ensino médio). É uma medida correta, mas
insuficiente para trazer de volta o jovem há muito tempo fora da escola. Para
Rosalina, o valor pago deveria ser maior.
Outra dificuldade que leva alunas a largar os
estudos é a falta de creche onde deixar os filhos, razão mencionada por 32% dos
entrevistados. A construção de creches costuma fazer parte das plataformas de
governo de prefeitos e governadores, mas a carência persiste. Investir nas
creches, abrir cursos noturnos e apostar na vertente profissionalizante da
reforma do ensino médio são as medidas mais eficazes para resgatar o jovem que
abandonou os estudos.
Abertura do país à competição externa já
Folha de S. Paulo
Protecionismo defendido pelo PT impõe
produtos defasados e caros ao consumidor; exemplo a seguir é o do agronegócio
Enquanto a Comissão Europeia discute tarifas
adicionais sobre a importação de carros elétricos chineses, soa corajosa a
manifestação do principal executivo da montadora alemã Mercedes Benz.
Ola Källenius disse ao jornal britânico
Financial Times que o caminho deveria ser o inverso. "Não elevem as
tarifas, reduzam-nas", pois a melhor forma de lidar com a competição
asiática é confrontá-la com "produtos melhores, tecnologia melhor, maior
agilidade. Deixar a competição acontecer".
O debate europeu, sobre majorar um imposto de
importação hoje fixado em 10%, parece uma amostra irrisória de protecionismo se
comparado à situação brasileira.
Tão logo assumiu, o governo Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) não só deu cabo da isenção tarifária para a importação de carros
elétricos como estipulou uma
cavalgada aduaneira que elevará essa barreira, escalonadamente, para
35% —o gravame típico para importar veículos no Brasil— em julho de 2026.
Bloqueia-se o acesso do consumidor brasileiro
à via mais rápida e menos onerosa de modernização e descarbonização da frota.
Pior, elimina-se a competição externa e
reforça-se o estímulo à baixa produtividade e à produção de bens de qualidade
inferior à do mercado internacional.
Essa é, na essência, a proposta do
programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que vigora como medida
provisória desde dezembro do ano passado. A iniciativa promete presentear as
montadoras com R$ 19 bilhões em abatimentos tributários até 2028.
Trata-se de um rótulo novo para um remédio
antigo e comprovadamente ineficaz. A mentalidade da clausura, da
"autonomia" industrial, permeia a política econômica brasileira há
muitas décadas e tem no PT um intérprete obsequioso.
Submete-se o consumidor a produtos
tecnologicamente defasados e caros em troca de lorotas a respeito de um
desenvolvimento local que nunca acontece, como o provam reiteradas reedições
dos programas protecionistas.
As tarifas brasileiras para importar máquinas
são quatro vezes a média mundial. As para trazer manufaturas de fora, duas
vezes. O Brasil é dos mais longevos campeões do protecionismo global, mas sua
produtividade está estagnada há mais de quatro décadas.
O exemplo a seguir deveria ser o do
agronegócio e da aviação: investir em capacitação humana e técnica e na
adaptação às cadeias globais de produção. Abrir a economia ao choque
competitivo externo.
É o melhor incentivo à produtividade. Foi a
abertura dos mercados que levou China e outros asiáticos ao aumento da renda
que tirou milhões de pessoas da pobreza.
Chega de locupletar meia dúzia de lobbies com
dinheiro do contribuinte a pretexto de substituir importações. Chega de privar
a sociedade de beneficiar-se da revolução tecnológica em curso no mundo.
É preciso abrir a economia brasileira, não fechá-la ainda mais como deseja o
pensamento petista.
Brasil condenado
Folha de S. Paulo
Punição internacional da PM paulista
evidencia letalidade policial inaceitável
A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou
o Brasil pela ação da polícia militar paulista, em março de 2002,
que disparou mais de 700 tiros contra um ônibus e matou 12 pessoas —os 53
policiais envolvidos foram absolvidos pela Justiça do estado.
Mesmo que a medida do tribunal não puna os
agentes, mas o país, é uma clara mensagem contra abusos inaceitáveis cometidos
pelas forças de segurança brasileiras.
Ademais, as ordens da corte que constam da
decisão são vinculantes e, portanto, a União e o estado de São Paulo devem
cumpri-las.
Além de medidas para os 43 familiares das
vítimas, determina-se a instituição de regras para afastamento temporário de
policiais do trabalho ostensivo durante investigações sobre violações de
direitos humanos.
Devem-se adotar, ainda, gravação de câmeras
policiais e registro da movimentação de veículos da força de segurança
paulista.
A decisão chega em momento oportuno, já que
São Paulo vive uma escalada de violência policial: as duas últimas operações da
PM na Baixada Santista, a Escudo e a Verão, são as mais letais desde o massacre
do Carandiru, em 1992.
A Ouvidoria da Polícia já coletou 27 denúncias
de possíveis abusos na região entre janeiro e março.
Na sexta (8), duas ONGs apresentaram queixa
ao Conselho de Direitos Humanos da ONU contra a letalidade policial nessas
operações.
Ao ser confrontado com a informação, o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que excessos
serão investigados, mas que "o
pessoal pode ir na ONU, que eu não estou nem aí".
Em vez de proferir tal bravata vexatória, que despreza o papel de órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos, Tarcísio deveria incentivar uma apuração rigorosa e transparente sobre os atos de sua polícia. Trata-se tão somente da postura civilizatória indicada para um chefe de governo.
Golpista até o fim
O Estado de S. Paulo
Depoimentos dos ex-chefes do Exército e da
Aeronáutica à PF não dão margem a dúvidas: Brasil esteve à beira da ruptura nas
mãos de um liberticida incorrigível. Que isso não saia barato
O Brasil esteve à beira de um golpe de Estado
nos estertores do governo de Jair Bolsonaro. Já não se trata mais de uma
conjectura ou de um mero exagero retórico. Um golpe para impedir a posse de
Lula da Silva como presidente da República legitimamente eleito foi uma
possibilidade real, como ficou claro a partir dos depoimentos dos
ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da
Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, prestados à Polícia
Federal (PF) no início de março.
A julgar pelo que disseram os ex-comandantes,
a ruptura do regime democrático foi tramada por Bolsonaro sem recurso a meias
palavras. De forma direta, o ex-presidente considerou empregar meios violentos
para fazer letra morta da Constituição e se aferrar ao poder. É assim, como uma
trama concreta, que a tentativa de golpe deve ser tratada pelas autoridades
incumbidas de investigar, processar e julgar Bolsonaro e todos os sediciosos
que a ele se associaram – até as últimas consequências.
São estarrecedoras as revelações dos militares, trazidas a público agora que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decidiu retirar o sigilo das investigações. Aos policiais, Freire Gomes afirmou que Bolsonaro convocou reuniões no Palácio da Alvorada com a cúpula das Forças Armadas após a derrota no segundo turno para apresentar aos comandantes “hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e estados de defesa e sítio em relação ao processo eleitoral”.
Baptista Júnior, por sua vez, relatou à PF
que, diante da insistência de Bolsonaro em encontrar meios para subverter a
ordem democrática, por pura irresignação com o resultado da eleição, o então
comandante do Exército chegou a ameaçá-lo de prisão. “O general Freire Gomes
afirmou que, caso
(Bolsonaro) tentasse tal ato, teria de
prender o presidente da República”, disse o brigadeiro, que, assim como Freire
Gomes, foi ouvido pela PF na condição de testemunha.
Para além do fato de terem chegado ao topo da
carreira em suas respectivas Forças, Freire Gomes e Baptista Júnior estiveram
no centro nevrálgico da conspiração bolsonarista. Dessa posição de destaque, o
general e o brigadeiro foram determinantes para o fracasso do golpe,
independentemente das razões que os tenham motivado a agir como agiram. Agora,
como testemunhas, têm servido ao País para elucidar a anatomia do golpe urdido.
Por isso o peso de suas palavras.
Que Bolsonaro é um ressentido com a
democracia e um golpista de marca maior, já era fato público e notório desde
muito antes de ele cogitar concorrer à Presidência da República. Seus quatro
anos de mandato como chefe de Estado e de governo só deixaram claro para um
público mais amplo a sua índole liberticida. A natureza golpista de Bolsonaro,
no entanto, não diminui a importância das revelações feitas por seus
ex-comandantes militares – ao contrário.
Também em depoimento à PF, o presidente do
PL, o notório Valdemar Costa Neto, revelou as pressões que teria sofrido de
Bolsonaro para que o partido bancasse com dinheiro público um relatório fajuto
lançando suspeitas contra o sistema eleitoral. Fica claro, assim, que Bolsonaro
procurou se cercar de meios políticos e militares para levar a cabo a
intentona.
Inconformado com a derrota eleitoral,
Bolsonaro se moveu para pôr tropas armadas nas ruas a fim de sustenta-lo no
cargo, sob a falsa justificativa de que a eleição não teria sido limpa. Tramou
prender autoridades políticas e judiciárias. Por óbvio, teria lançado suas
garras também sobre a imprensa profissional e independente. No limite,
Bolsonaro assumiu o risco de derramar o sangue de concidadãos em nome de um
projeto pessoal de poder. Um doidivanas, assim como os fardados que anuíram com
essa loucura.
Eis a dimensão da sordidez. Ao tempo que
fazia chegar ao País a informação de que estaria “deprimido” por não ter sido
reeleito, Bolsonaro, na verdade, estava maquinando o fim da democracia, cuja
reconquista tanto custou aos brasileiros. Que isso não saia barato.
A acomodação de Lula com os militares
O Estado de S. Paulo
O presidente acerta ao
tentar evitar que o aniversário do golpe de 1964 se converta em ato de governo.
A conciliação é exigência da governabilidade após o difícil período de
desconfiança
O presidente Lula da Silva determinou a seus
ministros e a todo o governo que, neste mês de março, não realizem atos,
solenidades e discursos nem produzam material em memória dos 60 anos do golpe
militar. Apesar das críticas que vem recebendo de organizações de direitos
humanos e familiares de vítimas da ditadura, Lula age corretamente ao escapar
da tentação de transformar a data em ato de governo. As circunstâncias lhe
exigem prudência, conciliação e apaziguamento – atributos que, ressalte-se,
deveriam se verificar em outros temas que chegam à agenda presidencial.
Felizmente, certos delírios lulopetistas
foram substituídos, neste caso, pela maturidade. Governos não são eleitos para
instigar desavenças. Chefes de Estado não devem espalhar brasas onde já existe
fogo e tensão. Num país cindido pela polarização, a preservação do equilíbrio
entre grupos e instituições é fundamental para a democracia. É o que está em
jogo. Isso é ainda mais verdadeiro diante da frágil estabilidade entre o
governo lulopetista e os militares, aguçada pelo 8 de Janeiro e a investigação
sobre o possível envolvimento de integrantes das Forças Armadas na aventura
golpista que cogitou impedir a posse de Lula e estender o mandato de Jair
Bolsonaro.
Lula e o ministro da Defesa, José Múcio
Monteiro, vêm acertadamente buscando promover uma acomodação, depois de um
período de desconfiança total. A decisão sobre a data de aniversário do golpe e
a recente declaração do presidente de que não vai “remoer o passado” e tentará
“tocar este país para frente” são dois sinais de uma mesma estratégia. É um
imperativo da governabilidade num contexto de feridas à espera de cicatrização,
e também uma forma de prestigiar o atual comando militar, também artífice da pacificação.
Trata-se de uma via de mão dupla: tudo indica que, diferentemente de anos
anteriores, militares não celebrarão o “movimento de 1964” com a chamada “ordem
do dia” lembrando o 31 de março. Os tempos são outros. Há momentos em que é
preciso afirmar que o passado passou.
A estratégia será bem-sucedida se também for
capaz de evitar que militares voltem a interferir na política doméstica. Não
lhes cabe enxergar-se como um poder moderador da República, como chegaram a
defender alguns setores da extrema direita, numa singular interpretação do
artigo 142 da Constituição Federal. Como já sublinhamos neste espaço, o texto
da Constituição não autoriza essa leitura, ficando as Forças Armadas submetidas
ao poder civil, e não o contrário.
Houve, porém, quem definisse o gesto do
governo como uma evidência de que a democracia e a Constituição estão se
curvando às Armas. São duas agendas distintas: de um lado, um princípio
elementar de sustentação do equilíbrio democrático; de outro, a necessidade de
reconhecimento das violações aos direitos humanos e da memória das vítimas da
ditadura. Conciliação não é esquecimento, assim como memória, verdade e justiça
não significam revanchismo. Essa dupla premissa, basilar num país que enfrentou
uma ditadura, justifica, por exemplo, a necessidade de reabertura da Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
Extinta no final do governo de Jair
Bolsonaro, notório admirador de alguns dos mais cruéis agentes da ditadura, a
CEMDP está prevista na Constituição e foi criada logo no primeiro ano de
governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O objetivo era dar
reconhecimento oficial a pessoas que morreram ou desapareceram pela sua atuação
política durante a ditadura militar, incluindo a emissão de atestados de óbito
para parentes das vítimas, a localização de corpos e a possibilidade de
reparação por meio de indenizações. A reabertura da comissão é um dever do
presidente Lula, na prerrogativa do governo de abrir caminho para a
responsabilização do Estado pela contumaz violação de direitos humanos cometida
por seus agentes durante o regime militar.
Apesar de as circunstâncias não serem simples
para a reabertura da comissão, convém não esquecê-la. São duas agendas
distintas, mas conciliáveis – um compromisso mútuo de transigência em favor da
democracia.
Xeque-mate no TikTok
O Estado de S. Paulo
Se em geral a geopolítica é pretexto ao
protecionismo, no caso da mídia chinesa os riscos são reais
Um consenso entre republicanos e democratas é
coisa rara hoje em dia. Mas, após anos de advertências, os deputados americanos
aprovaram por uma ultramaioria bipartidária de 352 votos a 65 um projeto de lei
que permite barrar a distribuição de “aplicativos controlados por governos
adversários”. Se aprovado pelo Senado, o efeito imediato será um ultimato à
rede social TikTok: ou romper os laços com Pequim ou com os consumidores
americanos.
A princípio, pareceria só o mais recente
capítulo da guerra comercial entre EUA e China. Pequim recriminou a hipocrisia
dos EUA, fazendo apologias incomuns do livre mercado. O Ministério das Relações
Exteriores acusou Washington de “recorrer a movimentos hegemônicos quando não
pode ter sucesso em uma competição justa”.
Mídias americanas podem de fato ser
favorecidas. Seis dos dez aplicativos mais baixados do mundo são da americana
Meta, dona do Facebook. Mas, por certos critérios, o TikTok é o mais baixado.
Nos EUA, é utilizado por 170 milhões de pessoas e é a principal fonte de
notícias entre os jovens.
Se a proteção comercial fosse a única
motivação, o TikTok e os americanos insatisfeitos teriam boas chances de
reverter a lei no Judiciário. Mas a justificativa de ameaça à segurança
nacional é pertinente. Pelas leis chinesas, a ByteDance, proprietária do
TikTok, tem de obedecer às exigências de vigilância de Pequim. Por se recusar a
obedecê-las, mídias americanas foram banidas da China. Um ex-engenheiro da
empresa disse que o Partido Comunista “tem um escritório ou unidade” nela (o
“Comitê”). “Tudo é visto na China”, disse um executivo em documentos vazados.
Há dois riscos: o de espionagem e violação da
privacidade e o de propaganda e manipulação da opinião pública. O primeiro é
mais grave, mas menos iminente. Não há muitas evidências de que o TikTok se
aproprie de mais dados dos celulares do que alega. Mas inúmeros levantamentos
demonstraram que postagens sobre os campos de concentração dos uigures, o
massacre da Praça da Paz Celestial, os protestos de Hong Kong, o Tibete e
outros conteúdos sensíveis ao Politburo chinês foram suprimidos, enquanto
conteúdos antiamericanos, como vídeos pró-Hamas ou a Carta à
América de Osama Bin Laden, foram
amplificados. O banimento seria uma medida extrema. Com a vigência da lei, a
ByteDance terá três opções: desacoplar as operações do TikTok nos EUA da China;
mover sua sede para algum país não “adversário”; ou vender o TikTok para uma
empresa de um desses países. Contrariando suas alegações de que obedece às
regras dos EUA, a empresa diz que a primeira opção seria tecnicamente inviável.
As últimas enfrentarão resistência de Pequim.
Para os consumidores, o ideal seria uma solução de compromisso: o TikTok é uma fonte de diversão, inovação e, o mais importante para o interesse público, de competição. Mas, se no mais das vezes a geopolítica é só um pretexto para o protecionismo comercial, há momentos em que mesmo uma plataforma criada para disseminar baboseiras pode efetivamente ser um risco à segurança das democracias liberais.
Apoio à produção de alimentos é vital
Correio Braziliense
O governo está preparando medidas para
aumentar o plantio e a colheita de arroz, feijão, milho, trigo e mandioca,
itens que impactam diretamente a mesa dos consumidores
O governo está preparando uma série de
medidas para incentivar a produção de alimentos no país. A meta, sobretudo, é
aumentar o plantio e a colheita de arroz, feijão, milho, trigo e mandioca,
itens que impactam diretamente a mesa dos consumidores. Os preços desses
produtos têm subido mais do que a média da inflação, afetando, sobretudo, as
famílias de menor renda, que gastam mais da metade do orçamento na compra de
comida.
É legítimo que o governo se movimente nesse
sentido, pois é inconcebível a possibilidade de qualquer pessoa passar fome.
Foi o controle da inflação no último ano, justamente por causa da queda dos
preços dos alimentos, que permitiu que 13 milhões de brasileiros saíssem da
condição de insegurança alimentar. O quadro, porém, ainda continua dramático.
Há 45 milhões de cidadãos com dificuldades para fazer três refeições diárias e
20 milhões de pessoas sem condições de se alimentar com o mínimo de decência.
Mas há um sinal de alerta importantíssimo por
trás do recente encarecimento dos alimentos: o impacto das mudanças climáticas.
Eventos extremos, principalmente no Sul do país, derrubaram a produção de arroz
e atingiram outras culturas nas demais regiões. Portanto, de nada vai adiantar
o governo dar incentivos ao plantio e à colheita agrícola, se não houver uma
conscientização por parte dos produtores de que é preciso tomar todas as
medidas para conter o aquecimento global. Sem um clima favorável, não há safras
adequadas.
Essa ressalva vale, inclusive, para o
governo, que, ao que se sabe até agora, está mais preocupado em recuperar a
popularidade perdida nos últimos meses. As ações a serem adotadas devem ser
estruturais e com reflexos a médio e longo prazos, sempre casadas com as
questões ambientais. Não há outro caminho para se evitar surpresas
desagradáveis no meio do caminho. O Brasil não precisa desmatar mais nenhuma
outra área para garantir mais comida na mesa dos brasileiros, já que há milhões
de hectares degradados e que podem ser facilmente recuperados, desde que haja
vontade política.
A promessa do Palácio do Planalto é de que,
já na edição do Plano Safra 2024/2025, seja anunciado o aumento na oferta de
crédito. O plantio agrícola é uma atividade de alto risco, e, por conta da seca
extrema em parte do país e das chuvas torrenciais em outras localidades, muitos
produtores perderam as safras e estão endividados, a ponto de pedirem
recuperação judicial. Esses agricultores não podem ficar desamparados, pois, ao
longo de tempo, foram fundamentais para que o Brasil batesse consecutivos recordes
de produção. Sozinho, o campo garantiu quase a metade do crescimento de 2,9% do
Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, desempenho que não se repetirá em
2024.
A produção agrícola também permitiu ao Banco
Central reduzir a taxa básica de juros (Selic), já que a queda dos preços dos
alimentos ajudou a empurrar a inflação para mais perto das metas, e ampliar as
reservas internacionais do país, que vinham em baixa. A venda de grãos ao
exterior resultou em super avit comercial próximo de US$ 100 bilhões, o maior
da história, e o ingresso de parcela desses recursos foi parar nos cofres do
BC, além de manter a cotação do dólar abaixo de R$ 5, outro ponto fundamental
para o controle do custo de vida.
Sendo assim, os agricultores devem figurar sempre como prioridade nas políticas de governo, inclusive por meio de programa de preço mínimo, com a compra de safras quando os preços estiverem em baixa. Essa estratégia garante a renda de quem se arriscou a produzir comida e, ao mesmo tempo, reforça os estoques reguladores do setor público, para serem usados quando as cotações das mercadorias subirem demais. No governo passado, essa política foi totalmente desmontada, mas, segundo o Ministério da Agricultura, voltará a ser praticada. A trajetória a seguir é conhecida, basta torná-la possível de ser executada.
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