quarta-feira, 10 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

STF dá resposta institucional em favor da democracia

O Globo

Unanimidade da Corte ao refutar interpretação exótica sobre papel das Forças Armadas coíbe golpismo

Nada há de ambíguo no artigo 142 da Constituição: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Não é preciso nenhum esforço de interpretação para entender que tal texto subordina explicitamente as Forças Armadas ao poder civil. Ainda assim, na mente criativa de certos exegetas do golpismo, tal artigo abriria brecha para as Forças Armadas moderarem conflitos entre os Poderes.

Essa tese estapafúrdia foi propagada entre 2019 e 2022, com a intenção de conferir uma pátina de legalidade constitucional a tentativas de subverter, com apoio de militares, a vontade popular manifesta nas urnas. A reação veio em 2020: o PDT ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.457) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) delimitasse o alcance das normas jurídicas sobre os militares. Naquele ano, o ministro Luiz Fux declarou, em decisão liminar, que o poder das Forças Armadas é restrito, excluindo “qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões” noutros Poderes. Fux descreveu Exército, Aeronáutica e Marinha como “órgãos de Estado, e não de governo, indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político”. Na decisão, determinou o exame da ADI pelo plenário.

Nesta semana, os 11 ministros do STF confirmaram em decisão unânime o rechaço às interpretações exóticas do artigo 142. Embora redundante, a manifestação serve para enterrar as pretensões dos que continuam a semeá-las. Os ministros do Supremo têm formações acadêmicas distintas, trajetórias próprias e opiniões divergentes em toda sorte de questão, do combate à corrupção aos temas econômicos. Não há, contudo, divergência alguma sobre o pretenso poder moderador atribuído às Forças Armadas: ele inexiste no ordenamento jurídico em vigor.

Os dois ministros indicados por Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, seguiram na íntegra o voto de Fux. O ministro Dias Toffoli apontou um paradoxo inerente à tese golpista: “Convocar essas forças para atuar acima da ordem, sob o argumento de manter a ordem, seria já a suspensão da ordem democrática vigente”. O ministro Flávio Dino lembrou que não existe poder militar na Carta: “O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular”. O ministro Gilmar Mendes disse ver com perplexidade que o assunto tenha chegado ao STF: “Diante de tudo o que temos observado nestes últimos anos, todavia, faz-se necessária a intervenção do STF para reafirmar o que deveria ser óbvio: o silogismo de que a nossa Constituição não admite soluções de força”.

Pouco tempo depois do aniversário de 60 anos do golpe militar de 1964, num momento em que o país assiste às investigações sobre a tentativa de golpe do 8 de Janeiro, a decisão do Supremo é mais uma resposta institucional em defesa da democracia. Sua importância reside menos na constatação do que está explícito na Constituição — os fatos provaram que a tese não prevaleceu nas três Forças — e mais na unanimidade, que transmite recado cristalino às pretensões implícitas de golpistas do presente e do futuro.

Brasil fracassa no desafio de levar médicos às regiões desassistidas

O Globo

Total de profissionais se aproxima do nível dos países ricos, mas persistem carências regionais

Um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) constatou que o Brasil tinha no início deste ano 575.930 médicos, ou 2,8 por mil habitantes — quase 40% acima da proporção de 2016 e mais que o triplo do que havia em 1990. Com isso, o país se aproxima da média de 3,3 verificada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ainda assim, persistem as carências na saúde da população, em razão da alta concentração de profissionais nas regiões mais ricas e nas capitais.

Num extremo está Brasília, com 6,3 médicos por mil habitantes. Noutro, Pará (1,4) e Maranhão (1,3). No Nordeste, que reúne 27% dos brasileiros, estão 19% dos médicos — à razão de 2,2 profissionais por mil habitantes. O Norte, com 9% da população, abriga apenas 5%, ou 1,7 por mil habitantes. O Sudeste exibe a maior concentração: 3,8, acima da média da OCDE. Vivem na região 51% dos médicos do país, para atender 42% da população. No Sul, estão 16% dos médicos e 15% da população (são 3,3 por mil habitantes). No Centro-Oeste, 9% dos médicos para assistir 8% dos habitantes (razão de 3,4). Ambas as regiões também estão acima da média nacional e ostentam indicadores de país de alta renda.

A equação que o Brasil será obrigado a resolver tem duas variáveis-chaves. Uma é a desconcentração regional. Outra, a melhora na qualidade dos profissionais, degradada com a expansão de faculdades privadas nas últimas décadas. A formação em diversas delas é descrita como “uma tragédia” por Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Não pode ser satisfatória uma graduação em medicina sem acesso a ambulatório e a hospital, sem o exercício da prática e sem uma proporção de médicos qualificados no corpo de professores.

O programa Mais Médicos, criado em 2013, no governo Dilma Rousseff, para deslocar médicos ao interior, embora tenha ficado conhecido pela iniciativa malsucedida de importar profissionais cubanos, partia de um princípio correto: levar saúde de qualidade à população desassistida. Só que isso não depende apenas de oferecer salários atraentes onde estão as maiores necessidades.

“Não adianta só mandar médicos para os rincões: é preciso melhorar a qualidade da infraestrutura e do serviço prestado”, diz a infectologista e epidemiologista Luana Araújo. Dalcolmo propõe a formação de médicos nas próprias regiões, com plano de carreira para que permaneçam no local onde se formam. É uma entre tantas outras ideias que precisam ser debatidas. Para levar saúde de qualidade à população carente dela, o país terá de encontrar um novo caminho.

Bondade de Lula com a conta de luz é populista

Folha de S. Paulo

Governo promove redução das tarifas, mas distorções ficam intocadas; conta será paga com tributos de quem se quer beneficiar

Por meio de uma medida provisória assinada nesta terça (9), o governo aplicou não mais que um remendo populista nos portentosos problemas do setor elétrico brasileiro.

De prático, a MP deve permitir em breve uma redução do preço da energia para residências e empresas menores, evitar um grande aumento de tarifa no Amapá e conceder mais três anos de subsídios para produtores de energia com fontes renováveis.

A prorrogação dos subsídios cairá na conta dos consumidores. O texto também não lida com os problemas fundamentais do custo da energia na Amazônia. O sistema continuará a funcionar de modo caótico, ineficiente, opaco e caro.

A medida tem como objetivos principais criar uma boa notícia para um governo preocupado com a popularidade, atender a aliados no Congresso e ao lobby de empresas.

O abatimento das tarifas de energia para consumidores será possível com a antecipação de pagamentos devidos pela Eletrobras ao Tesouro, determinados pela lei da privatização da empresa, em 2021.

O governo venderá no mercado o direito de receber tais recursos. Com o dinheiro, pagará dívidas das distribuidoras, que levantaram empréstimos a fim de cobrir rombos causados pelas crises da pandemia (2020) e da escassez de água (2021). A conta desses empréstimos era paga pelo consumidor final de eletricidade.

A depender das negociações, a tarifa pode ser reduzida em torno de 4%. Na prática, com custo que se promete ser baixo, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antecipa uma contenção de tarifas.

Especialistas já alertam, contudo, que a redução de agora pode resultar em mais pressões sobre as contas de luz no futuro. Tudo voltará ao que era quando acabar o dinheiro para financiar o novo subsídio.

Permanecem intocadas distorções do sistema. Entre elas, subsídios para empresas e consumidores que custaram cerca de R$ 40 bilhões em 2023, segundo a Aneel, com impacto de mais de 13% sobre o valor médio da tarifa residencial.

Alguns deles bancam programas meritórios, como os de eletrificação rural. Mas, na prática, são impostos disfarçados que não constam do Orçamento nem são discutidos de acordo com critérios de eficiência ou de justiça social. O Congresso concede mais e mais favores a empresas, piorando a desordem.

Há outros aspectos problemáticos a debater, como diferenças questionáveis entre os mercados de preços regulados e livres, além de risco de desequilíbrios financeiros.

Entretanto não há sinal de reforma ampla do setor elétrico. O governo Lula optou por um saída voluntarista e de curto prazo.

Dengue mortífera

Folha de S. Paulo

Doença bate recorde no Brasil e na América do Sul; deve-se mitigar próxima crise

Nas 13 primeiras semanas de 2024, o número de mortes por dengue no Brasil quebrou o recorde da série histórica iniciada em 2000. De 1º de janeiro a 8 de abril, a doença ceifou 1.116 vidas, ante 1.094 em todo o ano passado. Os casos prováveis chegaram a 2,96 milhões —1,66 milhão em 2023.

Parte da crise sanitária se deve à inação do governo federal, embora as responsabilidades se estendam aos estados e municípios.

As mudanças climáticas intensificadas pelo fenômeno El Niño contribuíram para a calamidade —como a Organização Mundial da Saúde projetou em dois alertas desde o início do ano passado. Mas o Ministério da Saúde pouco fez para se preparar para o problema.

Poderia ter agilizado a burocracia para distribuição da vacina Qdenga pelo SUS ainda em 2023, já que são necessárias duas doses num intervalo de três meses, assim como criado ampla campanha informativa; deveria ter alocado mais recursos para as redes de saúde.

Também era premente uma atenção especial às populações de Sul e Sudeste que, por historicamente terem tido menos contato com os quatro sorotipos do vírus ao longo dos anos devido ao clima mais temperado, estariam mais vulneráveis.

Entre os 10 estados com maior coeficiente de incidência (casos por 100 mil habitantes), 6 são de Sul e Sudeste, 2 do Centro-Oeste, e os outros 2 de Norte e Nordeste.

O flagelo também atinge nossos vizinhos. A OMS declarou que, neste ano, a epidemia de dengue na América do Sul será a pior da história, e o Brasil puxa as estatísticas.

Até 26 de março, foram registrados 3,5 milhões de casos —1 milhão a mais do que todo o ano 2023.
Com 92% dos casos e 87% das mortes, Brasil, Paraguai e Argentina estão em pior situação. Nesta última, entre dezembro e março, foram 233 mil pessoas contaminadas e 161 óbitos Os números, históricos, são 9 vezes o verificado no mesmo período em 2019 e 2020.

A contaminação tende a arrefecer a partir de maio, mas recomeçará no próximo verão. Considerando que, até lá, o mundo ainda estará sob os efeitos das mudanças climáticas, os três níveis de governo precisam estar preparados.

Não se pode mais culpar a natureza quando a falha é de gestão.

Liberdade intransitiva

O Estado de S. Paulo

O País precisa conter o golpismo e se faz urgente a regulação das redes, mas nenhuma dessas tarefas pode prescindir da maior proteção contra autoritarismos: a liberdade de expressão

Está na Constituição, em seu artigo 5.º, inciso IV, parágrafo IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Quando a Constituição foi promulgada, em 1988, poucas coisas pareceram mais festejadas do que esse artigo – o mesmo segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e com garantia do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Estabeleceu-se ali também o veto a qualquer forma de censura e se definiram limites a esse direito fundamental: em situações de violação da intimidade, da honra, da vida privada e da imagem de outras pessoas. Em casos de calúnia, difamação e injúria, foi assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente do abuso da liberdade de expressão. Ou seja, a Constituição define, sem conjunções adversativas, o que é o pilar da democracia e aponta seus limites com precisão.

É espantoso, no entanto, que a limpidez da lei e de seus princípios fundadores pareça hoje insuficiente no Brasil. Mesmo com tamanha clareza, o debate sobre liberdade de expressão foi levado ao paroxismo pela ausência de regulação das plataformas digitais, pela conjugação entre ativismo e arbitrariedade do Supremo Tribunal Federal (STF) e pela instrumentalização muitas vezes criminosas das redes sociais – uma tríade de tensões agravada com as ameaças à democracia que culminaram no vandalismo golpista de 8 de janeiro de 2023, com o ambiente democrático intoxicado pela polarização e com a junção entre as diatribes de liberticidas extremistas e a tirania de quem se enxerga acima da lei e das instituições, como se viu na recente polêmica envolvendo o empresário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O País precisa fortalecer seus diques de contenção de novas aventuras golpistas, e se faz urgente a regulação das redes sociais – uma regulação que seja capaz de construir um ambiente digital mais seguro e confiável, permitir o avanço na proteção dos direitos e da liberdade e responsabilizar as plataformas digitais pelo conteúdo de terceiros que publicam. Nenhuma dessas tarefas inadiáveis, contudo, pode prescindir daquela que é a maior proteção da sociedade contra autoritarismos: a liberdade de expressão. É o que determina a fronteira entre regimes democráticos e autoritários ou o que define o princípio por meio do qual se pode frear o silenciamento de opiniões contrárias, seja pela censura estatal, seja pela “tirania da maioria”, segundo a clássica definição de um dos pais do liberalismo, o britânico John Stuart Mill. Se há ditaduras que toleram a liberdade econômica e governos autocráticos que mantêm o verniz democrático por meio das eleições, nenhum regime antiliberal tolera a liberdade de expressão.

O paradoxo é ver a mãe de todas as liberdades tisnada pela marotagem ideológica de nosso tempo. De um lado, certos personagens que se aliam em sua defesa e parecem, para muitos, o próprio avesso do princípio – de Elon Musk a Jair Bolsonaro, passando por Donald Trump, não são poucos os extremistas que se aproveitam do mundo aparentemente sem lei das plataformas digitais para irresponsavelmente difundir desinformação, arruinar o debate público e mobilizar exércitos de militantes à custa do medo e da deslegitimação das instituições. De outro lado, sob o pretexto de resguardar a democracia, adotam-se o arbítrio, a invenção de tipos penais e a criminalização do próprio exercício das liberdades individuais. O resultado é o mesmo: o enfraquecimento das liberdades e a desmoralização das instituições.

O Brasil pode inspirar-se em caminhos distintos adotados mundo afora para regular as plataformas digitais – uma legislação mais dura como a da União Europeia ou mais liberal como a norte-americana. Mas em nenhum desses modelos o Estado impõe restrições à liberdade de expressão com base no conteúdo, por mais imoral que seja. Salvo raríssimas exceções, também adotam um limite claro: aquilo que a própria Constituição define como crime no mundo real. A lei ainda é o melhor lenitivo contra a incúria ou a má-fé de agentes do poder público, de políticos extremistas ou de lideranças digitais que usam a própria defesa da democracia e da liberdade para subvertê-las.

Caindo na real

O Estado de S. Paulo

Equipe econômica vai rever metas fiscais de 2025 e 2026, mas não haverá equilíbrio orçamentário enquanto não for atacado o cerne do problema: o alto gasto de dinheiro público

Quando apresentou, no ano passado, o primeiro Projeto de Lei Orçamentária Anual sob a égide do novo arcabouço fiscal, que acabara de ser aprovado pelo Congresso, a equipe econômica anunciou metas ousadas para as contas públicas: empate entre receitas e despesas (déficit zero) em 2024 e superávits consecutivos, de 0,5% e de 1% do PIB, em 2025 e 2026. O equilíbrio fiscal previsto para este ano, que já nasceu desacreditado, permanece assim até hoje, embora continue nas estimativas oficiais. Já os saldos positivos de 2025 e 2026 estão prestes a serem revisados, como informou o próprio ministro Fernando Haddad.

Diante do desempenho fiscal, da forma como vem sendo executado o Orçamento federal e da índole gastadora do governo, surpresa seria se as metas futuras não fossem revistas. Para o resultado deste ano, o grosso das projeções de analistas financeiros aponta também para uma revisão mais à frente. No ano passado, o primeiro da terceira gestão Lula, registrou um rombo de R$ 230,5 bilhões, ou 2,12% do PIB. É difícil apostar em equilíbrio depois de uma amostra como essa. Pior ainda é imaginar superávits de R$ 61 bilhões em 2025 e de R$ 132 bilhões em 2026, levando em conta o valor atual do PIB.

Em programação orçamentária não há mágica: o resultado positivo ocorre quando as receitas superam as despesas. O problema é que todo o esforço para o fechamento das contas públicas tem se concentrado no aumento das receitas, agenda que, como admitiu recentemente a ministra do Planejamento, Simone Tebet, “está se exaurindo”. Propostas para reduzir a vazão das torneiras dos gastos têm esbarrado na resistência ora do Congresso, ora do próprio Executivo, ávido por transferir das pranchetas para os palanques os imponentes projetos do Novo PAC.

Tebet, que junto com Haddad, Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dwek (Orçamento) integra o grupo de ministros da Junta de Execução Orçamentária (JEA), até deu a deixa ao falar sobre a possibilidade de incluir no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) recomendações para redução de despesas. Mas não serão medidas detalhadas, apenas sinais de alerta para tentar colocar o corte de gastos entre as prioridades – obviamente não para este ano eleitoral. A própria calibragem das metas de 2025 e 2026 só está sendo feita agora devido ao fato de que o prazo para a entrega da PLDO ao Congresso termina no próximo dia 15.

O arcabouço fiscal, que substituiu o teto de gastos, teve como um dos objetivos prioritários flexibilizar o aumento de gastos, antes vinculado ao comportamento da inflação. Vitórias animadoras de projetos da equipe econômica no Congresso permitiram um avanço arrecadatório no fim de 2023 e início de 2024, mas que são extras, não uma receita corrente. É o caso, por exemplo, do início da tributação de fundos de investimentos exclusivos, que robusteceu o caixa do Tesouro. Mas o governo ainda está devendo medidas de vulto do lado das despesas.

O presidente Lula já deu sucessivas provas de que fez sua escolha: entre a austeridade, que garantirá equilíbrio às contas públicas e reduzirá o custo dos investimentos, e a gastança, que supostamente lhe trará dividendos políticos e eleitorais ao custo de inflação e juros altos, o petista certamente ficará com esta última. Afinal, como disse a inesquecível Dilma Rousseff, criatura de Lula, “gasto é vida”.

Por isso, é praticamente impossível imaginar que Lula ceda aos apelos de seus assessores técnicos, por mais fundamentados que sejam. Mais difícil ainda, contudo, é acreditar numa boa e independente gestão de gastos por um Executivo comprovadamente refém do Congresso.

Recentemente, o diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, Luiz Schimura, lembrou que, em 2014, 83% dos recursos discricionários distribuídos pela União a Estados, municípios e entidades privadas foram feitos diretamente pelo Executivo e 17% por emendas parlamentares. Em 2023, as emendas representaram 46%, refletindo o poder do Legislativo no Orçamento. Como frisou o economista, a visão geral é de que a multiplicação das emendas pulveriza os recursos em ações paroquiais, em detrimento de uma estratégia nacional de investimento do Estado.

Tudo somado, fica muito difícil acreditar em metas fiscais e compromissos com a gestão responsável do dinheiro público.

Goleada da razão

O Estado de S. Paulo

Por 11 a 0, Supremo Tribunal Federal enterra a falácia golpista de que o Exército é ‘poder moderador

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por 11 votos a 0 que o célebre art. 142 da Constituição não autoriza a interpretação segundo a qual as Forças Armadas seriam uma espécie de “poder moderador” no Brasil. “Superdimensionar o papel das Forças Armadas, permitindo que estas atuem acima dos Poderes, é leitura da Constituição de 1988 que a contradiz e a subverte por inteiro, por atingir seus pilares: o regime democrático e a separação de Poderes”, afirmou o ministro Dias Toffoli no derradeiro voto que, anteontem, firmou o entendimento unânime da Corte.

A votação acachapante selou o fim definitivo de uma “tese”, por assim dizer, absolutamente delinquente. A despeito disso, é forçoso dizer que o STF apenas reconheceu uma obviedade que já era sobejamente conhecida por todos há mais 35 anos.

O art. 142, convém lembrar, diz o seguinte: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Os constituintes originários – em particular seus redatores, os então senadores Fernando Henrique Cardoso e José Richa – jamais conceberam o art. 142 como uma brecha para que os militares pudessem intervir na vida política nacional à guisa de arbitrar eventuais conflitos entre os Poderes da República. Em entrevista concedida a este jornal em julho de 2020, FHC foi enfático ao afirmar que aquele dispositivo constitucional “não tem nada a ver com intervenção militar”. Nunca teve.

Esse entendimento era pacífico até pouquíssimo tempo atrás. Primeiro, pela própria clareza do texto, que não dá margem para interpretações esdrúxulas de cunho golpista. Segundo, porque seria no mínimo ridículo imaginar que a Constituição contivesse entre seus dispositivos uma espécie de mecanismo de autodestruição – pois é disso que se trata quando se defende a possibilidade de uma intervenção militar em questões próprias da vida civil: a morte da Lei Maior e, a reboque, do Estado Democrático de Direito.

Essa exegese maliciosa do art. 142 só ganhou tração a partir do momento em que Jair Bolsonaro e seus apoiadores radicais passaram a disseminá-la a fim de defender a possibilidade de contenção dos “excessos” do STF pela via de uma “intervenção constitucional das Forças Armadas” na Corte – um golpe de Estado, em português franco.

Não se espera que os extremistas reconheçam e aceitem pacificamente a decisão do Supremo, pois extremistas são. Mas a unanimidade dos votos dos ministros – inclusive daqueles indicados por Bolsonaro – precisa servir para que o País, enfim, se desvencilhe de mais essa armadilha montada pelo bolsonarismo. E, principalmente, que os militares recalcitrantes entendam o que a Constituição realmente espera deles e, afinal, se resignem com a democracia.

Desempenho dos emergentes afeta mais a economia global

Valor Econômico

Queda da produtividade dos 10 países do G20, por exemplo, pode ter um impacto hoje três vezes maior na produção dos demais países do que tinha em 2000

Os investidores estão acostumados a avaliar suas apostas em um sentido tradicional, o de que adversidades nos países desenvolvidos podem provocar grandes estragos no resto do mundo, mas raramente em causalidade oposta. Ainda que a roda dos mercados financeiros continue girando do mesmo jeito, o mundo mudou. Com o avanço da China e o crescimento acelerado dos países emergentes, que hoje compõem 30% do PIB mundial, choques de oferta, produção ou produtividade nesses países têm efeitos bastante relevantes nas economias de Estados Unidos, Europa ou Japão, segundo avaliação do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgada ontem. O Fundo analisa o efeito combinado do desempenho das economias de 10 países emergentes que fazem parte do G20.

“O poder de disseminação de choques no crescimento nesses países avançou nas últimas décadas e hoje são eles comparáveis ao dos países desenvolvidos”, escrevem os economistas do Fundo. No estudo, que faz parte da principal publicação que norteia as reuniões semestrais dos países do FMI, o “Perspectivas da Economia Mundial”, estima-se que choques no crescimento dos emergentes do G20 explicam ao menos 10% da variação de outros mercados emergentes após três anos e 5% da dos países avançados. “A profunda integração dos emergentes do G20 significa que eles não mais estão simplesmente na ponta receptora dos choques globais”.

A entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, e o processo de globalização acelerada tiveram como resultado dobrar a fatia do comércio mundial dos emergentes e dos investimentos externos diretos que se destinam a eles. A integração propiciada pelo ingresso dos emergentes nas cadeias globais de produção alterou o balanço econômico da produção e do comércio mundiais. Com isso, a performance das economias de Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul e Turquia, que integram o G20, passou a ter uma influência global no fluxo de mercadorias e capital. Um exemplo: a desaceleração ocorrida nesses países desde a grande crise financeira de 2008 contribuiu com mais da metade da redução de 1,9 ponto percentual do crescimento global de médio prazo. Só a China foi responsável por 40% desse resultado.

Os efeitos do crescimento dos emergentes do G20 se propagam em todas as direções, com um resultado conjunto que hoje pode ser considerado similar ao que têm os países desenvolvidos, conclui o FMI. Obviamente, a China tem o maior poder de influência, e avanços ou retrocessos em seu PIB explicam cerca de 10% da variação dos PIBs de outros países emergentes e parcela expressiva do PIB global.

As consequências dessa integração são múltiplas. Uma queda da produtividade dos 10 países do G20, por exemplo, pode ter um impacto hoje três vezes maior na produção dos demais países do que tinha em 2000. Mais importante, a volatilidade do crescimento dessas economias diminuiu, assim como os efeitos de choques externos sobre elas. Na mão inversa, flutuações em variáveis domésticas dos emergentes, como preços agrícolas, de minerais e commodities, também se tornaram mais relevantes globalmente. O estudo conclui que apenas um desses países, a China, é capaz de influenciar todas as variáveis globais.

Os fluxos financeiros acompanharam esse desenvolvimento. Os investimentos externos diretos para esses emergentes aumentaram de 6% para 10% do total mundial entre 2005 e a pandemia. A partir de 2018, nota o FMI, o fluxo mudou, tornando-se menor para os países avançados e maior para os mercados emergentes, reversão causada em grande parte pela “Nova Rota da Seda”, o maior avanço dos investimentos chineses fora do país desde sempre. Empréstimos do G5 (França, Alemanha, Reino Unido, Japão e Estados Unidos) para os emergentes do G20 quase dobraram desde 2000, chegando ao equivalente a 2,5% do PIB dessas economias, mas declinaram a partir de 2014, com a China puxando o aumento.

Em comparação, apontam os economistas do FMI, o fluxo de mercadorias chegou a 8,1% do PIB do G5 em 2022. Os empréstimos bancários dos emergentes do G20 aos países avançados, compreensivelmente, avançaram com menos intensidade, embora, entre si, tenham subido a 20% do total de suas transações internacionais, pelo maior ativismo dos bancos chineses. A exposição dos bancos emergentes do G20 aos países avançados subiu de 2,9% para 5,1% do total emprestado entre 2001 e 2021, equivalente a 4,6% do PIB do G5 nesse último ano.

O cisma entre Estados Unidos e China pode alterar bastante este cenário. “Uma fragmentação econômica mais profunda, redesenhando comércio e fluxos de investimento, poderá reduzir a diversificação entre países e aumentar a volatilidade macroeconômica”, segundo o FMI. Da mesma forma, a criação de relações de comércio e financeiras mais fortes no interior dos blocos antagônicos pode ampliar o contágio de alguns emergentes do G20, como China e Rússia, aumentando os preços das commodities, por exemplo.

"Fuga de jalecos" e formação no exterior

Correio Braziliense

A maioria dos profissionais é do sexo masculino (51,5%) e com faixa etária predominante entre 35 e 44 anos (40%) e entre 45 e 59 anos (20%) deixam o país; Entre os motivos, estão condições de trabalho e salários mais atraentes

postado em 10/04/2024 06:00Há muito se fala na emigração de médicos e estudantes de medicina brasileiros rumo ao exterior, principalmente para os Estados Unidos, mercado atraente para os profissionais de saúde. Uma pesquisa recente, desenvolvida pela RD Medicine, escola que oferece cursos e mentoria para a internacionalização do médico brasileiro, mostra o perfil desse público.

A maior parte - foram ouvidas 2 mil pessoas - é de médicos formados, representando 80% do total, seguido por 20% de estudantes. A maioria dos profissionais é do sexo masculino (51,5%) e com faixa etária predominante entre 35 e 44 anos (40%) e entre 45 e 59 anos (20%), com destaque para profissionais da Região Sudeste, onde a concentração de médicos é maior do que no restante do país.

Entre as áreas da medicina mais procuradas estão a de família ou medicina generalista (family medicine), no caso de formandos e formados, e a clínica médica (internal medicine), para o restante dos estudantes brasileiros, que têm direito a concorrer a bolsas de estudo para fazer residência médica, com remuneração entre US$ 3,5 mil e US$ 4 mil por mês, além de aumento progressivo anual.

Assim como temos assistido à debandada de pesquisadores e cientistas brasileiros para o exterior, a comunidade médica vai seguindo o caminho. O Brasil tem dificuldades em reter seus talentos, atraídos pela possibilidade de maiores ganhos. Muitos profissionais acreditam que lá fora poderão se dedicar a uma única instituição, diferentemente da realidade, aqui, no país, onde é comum o médico trabalhar em mais de um hospital ou clínica para obter a remuneração que deseja.

Outro fenômeno crescente na medicina refere-se ao perfil comportamental dos especialistas - seja em consultório, seja nas redes sociais. Muitos desses profissionais estão deixando hospitais ou outros prestadores de serviços para tornarem-se donos dos próprios negócios, buscando, assim, uma melhor situação financeira, conhecimentos mais aprofundados de cada área, além de outras experiências e benefícios — como bônus mediante produtividade e férias prêmio. Se antes as pessoas eram pacientes, agora se transformaram em clientes, sob um olhar mais empreendedor, ou seguidores, sob um ângulo tecnológico.

Fatores como a oferta de salários atraentes (em dólar), de vagas em uma enormidade de instituições e jornadas de trabalho infinitamente menores têm contribuído, e muito, para a chamada "fuga dos jalecos". Prova disso é que, de acordo com o Conselho Americano de Imigração, o setor de saúde lidera o ranking de participação de imigrantes na força de trabalho nos Estados Unidos — o correspondente a 15,6% do total, sendo grande parte formada por brasileiros.

Atualmente, o Brasil registra 575.930 médicos ativos. São cerca de 2,81 profissionais por mil habitantes, de acordo com levantamento divulgado na última segunda-feira pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Comparado com o início da década de 1990, quando eram 131.278 médicos em atuação, o número mais que quadruplicou. No mesmo período, a população brasileira passou de 144 milhões para 205 milhões, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população médica teve crescimento médio de 5% ao ano, contra aumento médio de 1% ao ano na população em geral.

 


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