STF dá resposta institucional em favor da democracia
O Globo
Unanimidade da Corte ao refutar interpretação
exótica sobre papel das Forças Armadas coíbe golpismo
Nada há de ambíguo no artigo 142 da
Constituição: “As Forças
Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Não é
preciso nenhum esforço de interpretação para entender que tal texto subordina
explicitamente as Forças Armadas ao poder civil. Ainda assim, na mente criativa
de certos exegetas do golpismo, tal artigo abriria brecha para as Forças
Armadas moderarem conflitos entre os Poderes.
Essa tese estapafúrdia foi propagada entre 2019 e 2022, com a intenção de conferir uma pátina de legalidade constitucional a tentativas de subverter, com apoio de militares, a vontade popular manifesta nas urnas. A reação veio em 2020: o PDT ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.457) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) delimitasse o alcance das normas jurídicas sobre os militares. Naquele ano, o ministro Luiz Fux declarou, em decisão liminar, que o poder das Forças Armadas é restrito, excluindo “qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões” noutros Poderes. Fux descreveu Exército, Aeronáutica e Marinha como “órgãos de Estado, e não de governo, indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político”. Na decisão, determinou o exame da ADI pelo plenário.
Nesta semana,
os 11 ministros do STF confirmaram em decisão unânime o rechaço às
interpretações exóticas do artigo 142. Embora redundante, a
manifestação serve para enterrar as pretensões dos que continuam a semeá-las.
Os ministros do Supremo têm formações acadêmicas distintas, trajetórias
próprias e opiniões divergentes em toda sorte de questão, do combate à
corrupção aos temas econômicos. Não há, contudo, divergência alguma sobre o
pretenso poder moderador atribuído às Forças Armadas: ele inexiste no
ordenamento jurídico em vigor.
Os dois ministros indicados por Bolsonaro,
Nunes Marques e André Mendonça, seguiram na íntegra o voto de Fux. O ministro
Dias Toffoli apontou um paradoxo inerente à tese golpista: “Convocar essas
forças para atuar acima da ordem, sob o argumento de manter a ordem, seria já a
suspensão da ordem democrática vigente”. O ministro Flávio Dino lembrou que não
existe poder militar na Carta: “O poder é apenas civil, constituído por três
ramos ungidos pela soberania popular”. O ministro Gilmar Mendes disse ver com perplexidade
que o assunto tenha chegado ao STF: “Diante de tudo o que temos observado
nestes últimos anos, todavia, faz-se necessária a intervenção do STF para
reafirmar o que deveria ser óbvio: o silogismo de que a nossa Constituição não
admite soluções de força”.
Pouco tempo depois do aniversário de 60 anos
do golpe militar de 1964, num momento em que o país assiste às investigações
sobre a tentativa de golpe do 8 de Janeiro, a decisão do Supremo é mais uma
resposta institucional em defesa da democracia. Sua importância reside menos na
constatação do que está explícito na Constituição — os fatos provaram que a
tese não prevaleceu nas três Forças — e mais na unanimidade, que transmite
recado cristalino às pretensões implícitas de golpistas do presente e do futuro.
Brasil fracassa no desafio de levar médicos
às regiões desassistidas
O Globo
Total de profissionais se aproxima do nível
dos países ricos, mas persistem carências regionais
Um
levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) constatou que o Brasil tinha
no início deste ano 575.930 médicos, ou 2,8 por mil habitantes —
quase 40% acima da proporção de 2016 e mais que o triplo do que havia em 1990.
Com isso, o país se aproxima da média de 3,3 verificada na Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ainda assim, persistem as
carências na saúde da população, em razão da alta concentração de profissionais
nas regiões mais ricas e nas capitais.
Num extremo está Brasília, com 6,3 médicos
por mil habitantes. Noutro, Pará (1,4) e Maranhão (1,3). No Nordeste, que reúne
27% dos brasileiros, estão 19% dos médicos — à razão de 2,2 profissionais por
mil habitantes. O Norte, com 9% da população, abriga apenas 5%, ou 1,7 por mil
habitantes. O Sudeste exibe a maior concentração: 3,8, acima da média da OCDE.
Vivem na região 51% dos médicos do país, para atender 42% da população. No Sul,
estão 16% dos médicos e 15% da população (são 3,3 por mil habitantes). No
Centro-Oeste, 9% dos médicos para assistir 8% dos habitantes (razão de 3,4).
Ambas as regiões também estão acima da média nacional e ostentam indicadores de
país de alta renda.
A equação que o Brasil será obrigado a
resolver tem duas variáveis-chaves. Uma é a desconcentração regional. Outra, a
melhora na qualidade dos profissionais, degradada com a expansão de faculdades
privadas nas últimas décadas. A formação em
diversas delas é descrita como “uma tragédia” por Margareth Dalcolmo,
pesquisadora da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia (SBPT). Não pode ser satisfatória uma graduação em medicina sem
acesso a ambulatório e a hospital, sem o exercício da prática e sem uma
proporção de médicos qualificados no corpo de professores.
O programa Mais Médicos, criado em 2013, no
governo Dilma Rousseff, para deslocar médicos ao interior, embora tenha ficado
conhecido pela iniciativa malsucedida de importar profissionais cubanos, partia
de um princípio correto: levar saúde de qualidade à população desassistida. Só
que isso não depende apenas de oferecer salários atraentes onde estão as
maiores necessidades.
“Não adianta só mandar médicos para os rincões: é preciso melhorar a qualidade da infraestrutura e do serviço prestado”, diz a infectologista e epidemiologista Luana Araújo. Dalcolmo propõe a formação de médicos nas próprias regiões, com plano de carreira para que permaneçam no local onde se formam. É uma entre tantas outras ideias que precisam ser debatidas. Para levar saúde de qualidade à população carente dela, o país terá de encontrar um novo caminho.
Bondade de Lula com a conta de luz é
populista
Folha de S. Paulo
Governo promove redução das tarifas, mas
distorções ficam intocadas; conta será paga com tributos de quem se quer
beneficiar
Por meio de uma medida provisória assinada
nesta terça (9), o governo aplicou não mais que um remendo populista nos
portentosos problemas do setor elétrico brasileiro.
De prático, a MP deve
permitir em breve uma redução do preço da energia para
residências e empresas menores, evitar um grande aumento de tarifa no Amapá e
conceder mais três anos de subsídios para produtores de energia com fontes
renováveis.
A prorrogação dos subsídios cairá na conta
dos consumidores. O texto também não lida com os problemas fundamentais do
custo da energia na Amazônia.
O sistema continuará a funcionar de modo caótico, ineficiente, opaco e caro.
A medida tem como objetivos principais criar
uma boa notícia para um governo preocupado com a popularidade, atender a
aliados no Congresso e ao lobby de empresas.
O abatimento das tarifas de energia para
consumidores será possível com a antecipação de pagamentos devidos pela Eletrobras ao
Tesouro, determinados pela lei da privatização da empresa, em 2021.
O governo venderá no mercado o direito de
receber tais recursos. Com o dinheiro, pagará dívidas das distribuidoras, que
levantaram empréstimos a fim de cobrir rombos causados pelas crises da pandemia
(2020) e da escassez de água (2021). A conta desses empréstimos era paga pelo
consumidor final de eletricidade.
A depender das negociações, a tarifa pode ser
reduzida em torno de 4%. Na prática, com custo que se promete ser baixo, o
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) antecipa uma contenção de tarifas.
Especialistas já alertam, contudo, que a
redução de agora pode resultar em
mais pressões sobre as contas de luz no futuro. Tudo voltará ao que
era quando acabar o dinheiro para financiar o novo subsídio.
Permanecem intocadas distorções do sistema.
Entre elas, subsídios para empresas e consumidores que custaram cerca de R$ 40
bilhões em 2023, segundo a Aneel, com impacto de mais de 13% sobre o valor
médio da tarifa residencial.
Alguns deles bancam programas meritórios,
como os de eletrificação rural. Mas, na prática, são impostos disfarçados que
não constam do Orçamento nem são discutidos de acordo com critérios de
eficiência ou de justiça social. O Congresso concede mais e mais favores a
empresas, piorando a desordem.
Há outros aspectos problemáticos a debater,
como diferenças questionáveis entre os mercados de preços regulados e livres,
além de risco de desequilíbrios financeiros.
Entretanto não há sinal de reforma ampla do
setor elétrico. O governo Lula optou por um saída voluntarista e de curto
prazo.
Dengue mortífera
Folha de S. Paulo
Doença bate recorde no Brasil e na América do
Sul; deve-se mitigar próxima crise
Nas 13 primeiras semanas de 2024, o número de
mortes por dengue no
Brasil quebrou o recorde da série histórica iniciada em 2000. De 1º de
janeiro a 8 de abril, a doença ceifou 1.116 vidas, ante 1.094 em
todo o ano passado. Os casos prováveis chegaram a 2,96 milhões —1,66 milhão em
2023.
Parte da crise sanitária se deve à inação do
governo federal, embora as responsabilidades se estendam aos estados e
municípios.
As mudanças climáticas intensificadas pelo
fenômeno El Niño contribuíram para a calamidade —como a Organização Mundial
da Saúde projetou
em dois alertas desde o início do ano passado. Mas o Ministério da
Saúde pouco fez para se preparar para o problema.
Poderia ter agilizado a burocracia para
distribuição da vacina Qdenga pelo SUS ainda
em 2023, já que são necessárias duas doses num intervalo de três meses, assim
como criado ampla campanha informativa; deveria ter alocado mais recursos para
as redes de saúde.
Também era premente uma atenção especial às
populações de Sul e Sudeste que, por historicamente terem tido menos contato
com os quatro sorotipos do vírus ao longo dos anos devido ao clima mais
temperado, estariam mais vulneráveis.
Entre os 10 estados com maior coeficiente de
incidência (casos por 100 mil habitantes), 6 são de Sul e Sudeste, 2 do
Centro-Oeste, e os outros 2 de Norte e Nordeste.
O flagelo também atinge nossos vizinhos.
A OMS declarou
que, neste ano, a epidemia de dengue na América do
Sul será a pior da história, e o Brasil puxa as estatísticas.
Até 26 de
março, foram registrados 3,5 milhões de casos —1 milhão a mais
do que todo o ano 2023.
Com 92% dos casos e 87% das mortes, Brasil, Paraguai e Argentina estão
em pior situação. Nesta última, entre dezembro e março, foram 233 mil pessoas
contaminadas e 161 óbitos Os números, históricos, são 9 vezes o
verificado no mesmo período em 2019 e 2020.
A contaminação tende a arrefecer a partir de
maio, mas recomeçará no próximo verão. Considerando que, até lá, o mundo ainda
estará sob os efeitos das mudanças climáticas, os três níveis de governo
precisam estar preparados.
Não se pode mais culpar a natureza quando a
falha é de gestão.
Liberdade intransitiva
O Estado de S. Paulo
O País precisa conter o golpismo e se faz
urgente a regulação das redes, mas nenhuma dessas tarefas pode prescindir da
maior proteção contra autoritarismos: a liberdade de expressão
Está na Constituição, em seu artigo 5.º,
inciso IV, parágrafo IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato”. Quando a Constituição foi promulgada, em 1988, poucas coisas
pareceram mais festejadas do que esse artigo – o mesmo segundo o qual todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e com garantia do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Estabeleceu-se ali também o veto a qualquer forma de censura e se definiram
limites a esse direito fundamental: em situações de violação da intimidade, da
honra, da vida privada e da imagem de outras pessoas. Em casos de calúnia,
difamação e injúria, foi assegurado o direito à indenização pelo dano material
ou moral decorrente do abuso da liberdade de expressão. Ou seja, a Constituição
define, sem conjunções adversativas, o que é o pilar da democracia e aponta
seus limites com precisão.
É espantoso, no entanto, que a limpidez da
lei e de seus princípios fundadores pareça hoje insuficiente no Brasil. Mesmo
com tamanha clareza, o debate sobre liberdade de expressão foi levado ao
paroxismo pela ausência de regulação das plataformas digitais, pela conjugação
entre ativismo e arbitrariedade do Supremo Tribunal Federal (STF) e pela
instrumentalização muitas vezes criminosas das redes sociais – uma tríade de
tensões agravada com as ameaças à democracia que culminaram no vandalismo
golpista de 8 de janeiro de 2023, com o ambiente democrático intoxicado pela
polarização e com a junção entre as diatribes de liberticidas extremistas e a
tirania de quem se enxerga acima da lei e das instituições, como se viu na
recente polêmica envolvendo o empresário Elon Musk e o ministro Alexandre de
Moraes, do STF.
O País precisa fortalecer seus diques de
contenção de novas aventuras golpistas, e se faz urgente a regulação das redes
sociais – uma regulação que seja capaz de construir um ambiente digital mais
seguro e confiável, permitir o avanço na proteção dos direitos e da liberdade e
responsabilizar as plataformas digitais pelo conteúdo de terceiros que
publicam. Nenhuma dessas tarefas inadiáveis, contudo, pode prescindir daquela
que é a maior proteção da sociedade contra autoritarismos: a liberdade de
expressão. É o que determina a fronteira entre regimes democráticos e
autoritários ou o que define o princípio por meio do qual se pode frear o
silenciamento de opiniões contrárias, seja pela censura estatal, seja pela
“tirania da maioria”, segundo a clássica definição de um dos pais do
liberalismo, o britânico John Stuart Mill. Se há ditaduras que toleram a
liberdade econômica e governos autocráticos que mantêm o verniz democrático por
meio das eleições, nenhum regime antiliberal tolera a liberdade de expressão.
O paradoxo é ver a mãe de todas as liberdades
tisnada pela marotagem ideológica de nosso tempo. De um lado, certos
personagens que se aliam em sua defesa e parecem, para muitos, o próprio avesso
do princípio – de Elon Musk a Jair Bolsonaro, passando por Donald Trump, não
são poucos os extremistas que se aproveitam do mundo aparentemente sem lei das
plataformas digitais para irresponsavelmente difundir desinformação, arruinar o
debate público e mobilizar exércitos de militantes à custa do medo e da deslegitimação
das instituições. De outro lado, sob o pretexto de resguardar a democracia,
adotam-se o arbítrio, a invenção de tipos penais e a criminalização do próprio
exercício das liberdades individuais. O resultado é o mesmo: o enfraquecimento
das liberdades e a desmoralização das instituições.
O Brasil pode inspirar-se em caminhos
distintos adotados mundo afora para regular as plataformas digitais – uma
legislação mais dura como a da União Europeia ou mais liberal como a
norte-americana. Mas em nenhum desses modelos o Estado impõe restrições à
liberdade de expressão com base no conteúdo, por mais imoral que seja. Salvo
raríssimas exceções, também adotam um limite claro: aquilo que a própria
Constituição define como crime no mundo real. A lei ainda é o melhor lenitivo
contra a incúria ou a má-fé de agentes do poder público, de políticos
extremistas ou de lideranças digitais que usam a própria defesa da democracia e
da liberdade para subvertê-las.
Caindo na real
O Estado de S. Paulo
Equipe econômica vai rever metas fiscais de
2025 e 2026, mas não haverá equilíbrio orçamentário enquanto não for atacado o
cerne do problema: o alto gasto de dinheiro público
Quando apresentou, no ano passado, o primeiro
Projeto de Lei Orçamentária Anual sob a égide do novo arcabouço fiscal, que
acabara de ser aprovado pelo Congresso, a equipe econômica anunciou metas
ousadas para as contas públicas: empate entre receitas e despesas (déficit
zero) em 2024 e superávits consecutivos, de 0,5% e de 1% do PIB, em 2025 e
2026. O equilíbrio fiscal previsto para este ano, que já nasceu desacreditado,
permanece assim até hoje, embora continue nas estimativas oficiais. Já os
saldos positivos de 2025 e 2026 estão prestes a serem revisados, como informou
o próprio ministro Fernando Haddad.
Diante do desempenho fiscal, da forma como
vem sendo executado o Orçamento federal e da índole gastadora do governo,
surpresa seria se as metas futuras não fossem revistas. Para o resultado deste
ano, o grosso das projeções de analistas financeiros aponta também para uma
revisão mais à frente. No ano passado, o primeiro da terceira gestão Lula,
registrou um rombo de R$ 230,5 bilhões, ou 2,12% do PIB. É difícil apostar em
equilíbrio depois de uma amostra como essa. Pior ainda é imaginar superávits de
R$ 61 bilhões em 2025 e de R$ 132 bilhões em 2026, levando em conta o valor
atual do PIB.
Em programação orçamentária não há mágica: o
resultado positivo ocorre quando as receitas superam as despesas. O problema é
que todo o esforço para o fechamento das contas públicas tem se concentrado no
aumento das receitas, agenda que, como admitiu recentemente a ministra do
Planejamento, Simone Tebet, “está se exaurindo”. Propostas para reduzir a vazão
das torneiras dos gastos têm esbarrado na resistência ora do Congresso, ora do
próprio Executivo, ávido por transferir das pranchetas para os palanques os imponentes
projetos do Novo PAC.
Tebet, que junto com Haddad, Rui Costa (Casa
Civil) e Esther Dwek (Orçamento) integra o grupo de ministros da Junta de
Execução Orçamentária (JEA), até deu a deixa ao falar sobre a possibilidade de
incluir no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) recomendações para
redução de despesas. Mas não serão medidas detalhadas, apenas sinais de alerta
para tentar colocar o corte de gastos entre as prioridades – obviamente não
para este ano eleitoral. A própria calibragem das metas de 2025 e 2026 só está sendo
feita agora devido ao fato de que o prazo para a entrega da PLDO ao Congresso
termina no próximo dia 15.
O arcabouço fiscal, que substituiu o teto de
gastos, teve como um dos objetivos prioritários flexibilizar o aumento de
gastos, antes vinculado ao comportamento da inflação. Vitórias animadoras de
projetos da equipe econômica no Congresso permitiram um avanço arrecadatório no
fim de 2023 e início de 2024, mas que são extras, não uma receita corrente. É o
caso, por exemplo, do início da tributação de fundos de investimentos
exclusivos, que robusteceu o caixa do Tesouro. Mas o governo ainda está devendo
medidas de vulto do lado das despesas.
O presidente Lula já deu sucessivas provas de
que fez sua escolha: entre a austeridade, que garantirá equilíbrio às contas
públicas e reduzirá o custo dos investimentos, e a gastança, que supostamente
lhe trará dividendos políticos e eleitorais ao custo de inflação e juros altos,
o petista certamente ficará com esta última. Afinal, como disse a inesquecível
Dilma Rousseff, criatura de Lula, “gasto é vida”.
Por isso, é praticamente impossível imaginar
que Lula ceda aos apelos de seus assessores técnicos, por mais fundamentados
que sejam. Mais difícil ainda, contudo, é acreditar numa boa e independente
gestão de gastos por um Executivo comprovadamente refém do Congresso.
Recentemente, o diretor do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, Luiz Schimura, lembrou que,
em 2014, 83% dos recursos discricionários distribuídos pela União a Estados,
municípios e entidades privadas foram feitos diretamente pelo Executivo e 17%
por emendas parlamentares. Em 2023, as emendas representaram 46%, refletindo o
poder do Legislativo no Orçamento. Como frisou o economista, a visão geral é de
que a multiplicação das emendas pulveriza os recursos em ações paroquiais, em detrimento
de uma estratégia nacional de investimento do Estado.
Tudo somado, fica muito difícil acreditar em
metas fiscais e compromissos com a gestão responsável do dinheiro público.
Goleada da razão
O Estado de S. Paulo
Por 11 a 0, Supremo Tribunal Federal enterra
a falácia golpista de que o Exército é ‘poder moderador’
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por
11 votos a 0 que o célebre art. 142 da Constituição não autoriza a
interpretação segundo a qual as Forças Armadas seriam uma espécie de “poder
moderador” no Brasil. “Superdimensionar o papel das Forças Armadas, permitindo
que estas atuem acima dos Poderes, é leitura da Constituição de 1988 que a
contradiz e a subverte por inteiro, por atingir seus pilares: o regime
democrático e a separação de Poderes”, afirmou o ministro Dias Toffoli no
derradeiro voto que, anteontem, firmou o entendimento unânime da Corte.
A votação acachapante selou o fim definitivo
de uma “tese”, por assim dizer, absolutamente delinquente. A despeito disso, é
forçoso dizer que o STF apenas reconheceu uma obviedade que já era sobejamente
conhecida por todos há mais 35 anos.
O art. 142, convém lembrar, diz o seguinte:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Os constituintes originários – em particular
seus redatores, os então senadores Fernando Henrique Cardoso e José Richa –
jamais conceberam o art. 142 como uma brecha para que os militares pudessem
intervir na vida política nacional à guisa de arbitrar eventuais conflitos
entre os Poderes da República. Em entrevista concedida a este jornal em julho
de 2020, FHC foi enfático ao afirmar que aquele dispositivo constitucional “não
tem nada a ver com intervenção militar”. Nunca teve.
Esse entendimento era pacífico até
pouquíssimo tempo atrás. Primeiro, pela própria clareza do texto, que não dá
margem para interpretações esdrúxulas de cunho golpista. Segundo, porque seria
no mínimo ridículo imaginar que a Constituição contivesse entre seus
dispositivos uma espécie de mecanismo de autodestruição – pois é disso que se
trata quando se defende a possibilidade de uma intervenção militar em questões
próprias da vida civil: a morte da Lei Maior e, a reboque, do Estado
Democrático de Direito.
Essa exegese maliciosa do art. 142 só ganhou
tração a partir do momento em que Jair Bolsonaro e seus apoiadores radicais
passaram a disseminá-la a fim de defender a possibilidade de contenção dos
“excessos” do STF pela via de uma “intervenção constitucional das Forças
Armadas” na Corte – um golpe de Estado, em português franco.
Não se espera que os extremistas reconheçam e aceitem pacificamente a decisão do Supremo, pois extremistas são. Mas a unanimidade dos votos dos ministros – inclusive daqueles indicados por Bolsonaro – precisa servir para que o País, enfim, se desvencilhe de mais essa armadilha montada pelo bolsonarismo. E, principalmente, que os militares recalcitrantes entendam o que a Constituição realmente espera deles e, afinal, se resignem com a democracia.
Desempenho dos emergentes afeta mais a
economia global
Valor Econômico
Queda da produtividade dos 10 países do G20,
por exemplo, pode ter um impacto hoje três vezes maior na produção dos demais
países do que tinha em 2000
Os investidores estão acostumados a avaliar
suas apostas em um sentido tradicional, o de que adversidades nos países
desenvolvidos podem provocar grandes estragos no resto do mundo, mas raramente
em causalidade oposta. Ainda que a roda dos mercados financeiros continue
girando do mesmo jeito, o mundo mudou. Com o avanço da China e o crescimento
acelerado dos países emergentes, que hoje compõem 30% do PIB mundial, choques
de oferta, produção ou produtividade nesses países têm efeitos bastante
relevantes nas economias de Estados Unidos, Europa ou Japão, segundo avaliação
do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgada ontem. O Fundo analisa o
efeito combinado do desempenho das economias de 10 países emergentes que fazem
parte do G20.
“O poder de disseminação de choques no crescimento nesses países avançou nas últimas décadas e hoje são eles comparáveis ao dos países desenvolvidos”, escrevem os economistas do Fundo. No estudo, que faz parte da principal publicação que norteia as reuniões semestrais dos países do FMI, o “Perspectivas da Economia Mundial”, estima-se que choques no crescimento dos emergentes do G20 explicam ao menos 10% da variação de outros mercados emergentes após três anos e 5% da dos países avançados. “A profunda integração dos emergentes do G20 significa que eles não mais estão simplesmente na ponta receptora dos choques globais”.
A entrada da China na Organização Mundial do
Comércio (OMC), em 2001, e o processo de globalização acelerada tiveram como
resultado dobrar a fatia do comércio mundial dos emergentes e dos investimentos
externos diretos que se destinam a eles. A integração propiciada pelo ingresso
dos emergentes nas cadeias globais de produção alterou o balanço econômico da
produção e do comércio mundiais. Com isso, a performance das economias de
Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Rússia, Arábia Saudita, África
do Sul e Turquia, que integram o G20, passou a ter uma influência global no
fluxo de mercadorias e capital. Um exemplo: a desaceleração ocorrida nesses
países desde a grande crise financeira de 2008 contribuiu com mais da metade da
redução de 1,9 ponto percentual do crescimento global de médio prazo. Só a
China foi responsável por 40% desse resultado.
Os efeitos do crescimento dos emergentes do
G20 se propagam em todas as direções, com um resultado conjunto que hoje pode
ser considerado similar ao que têm os países desenvolvidos, conclui o FMI.
Obviamente, a China tem o maior poder de influência, e avanços ou retrocessos
em seu PIB explicam cerca de 10% da variação dos PIBs de outros países
emergentes e parcela expressiva do PIB global.
As consequências dessa integração são
múltiplas. Uma queda da produtividade dos 10 países do G20, por exemplo, pode
ter um impacto hoje três vezes maior na produção dos demais países do que tinha
em 2000. Mais importante, a volatilidade do crescimento dessas economias
diminuiu, assim como os efeitos de choques externos sobre elas. Na mão inversa,
flutuações em variáveis domésticas dos emergentes, como preços agrícolas, de
minerais e commodities, também se tornaram mais relevantes globalmente. O
estudo conclui que apenas um desses países, a China, é capaz de influenciar
todas as variáveis globais.
Os fluxos financeiros acompanharam esse
desenvolvimento. Os investimentos externos diretos para esses emergentes
aumentaram de 6% para 10% do total mundial entre 2005 e a pandemia. A partir de
2018, nota o FMI, o fluxo mudou, tornando-se menor para os países avançados e
maior para os mercados emergentes, reversão causada em grande parte pela “Nova
Rota da Seda”, o maior avanço dos investimentos chineses fora do país desde
sempre. Empréstimos do G5 (França, Alemanha, Reino Unido, Japão e Estados
Unidos) para os emergentes do G20 quase dobraram desde 2000, chegando ao
equivalente a 2,5% do PIB dessas economias, mas declinaram a partir de 2014,
com a China puxando o aumento.
Em comparação, apontam os economistas do FMI,
o fluxo de mercadorias chegou a 8,1% do PIB do G5 em 2022. Os empréstimos
bancários dos emergentes do G20 aos países avançados, compreensivelmente,
avançaram com menos intensidade, embora, entre si, tenham subido a 20% do total
de suas transações internacionais, pelo maior ativismo dos bancos chineses. A
exposição dos bancos emergentes do G20 aos países avançados subiu de 2,9% para
5,1% do total emprestado entre 2001 e 2021, equivalente a 4,6% do PIB do G5 nesse
último ano.
O cisma entre Estados Unidos e China pode alterar bastante este cenário. “Uma fragmentação econômica mais profunda, redesenhando comércio e fluxos de investimento, poderá reduzir a diversificação entre países e aumentar a volatilidade macroeconômica”, segundo o FMI. Da mesma forma, a criação de relações de comércio e financeiras mais fortes no interior dos blocos antagônicos pode ampliar o contágio de alguns emergentes do G20, como China e Rússia, aumentando os preços das commodities, por exemplo.
"Fuga de jalecos" e formação no
exterior
Correio Braziliense
A maioria dos profissionais é do sexo
masculino (51,5%) e com faixa etária predominante entre 35 e 44 anos (40%) e
entre 45 e 59 anos (20%) deixam o país; Entre os motivos, estão condições de
trabalho e salários mais atraentes
postado em 10/04/2024 06:00Há muito se fala
na emigração de médicos e estudantes de medicina brasileiros rumo ao exterior,
principalmente para os Estados Unidos, mercado atraente para os profissionais
de saúde. Uma pesquisa recente, desenvolvida pela RD Medicine, escola que
oferece cursos e mentoria para a internacionalização do médico brasileiro,
mostra o perfil desse público.
A maior parte - foram ouvidas 2 mil pessoas -
é de médicos formados, representando 80% do total, seguido por 20% de
estudantes. A maioria dos profissionais é do sexo masculino (51,5%) e com faixa
etária predominante entre 35 e 44 anos (40%) e entre 45 e 59 anos (20%), com
destaque para profissionais da Região Sudeste, onde a concentração de médicos é
maior do que no restante do país.
Entre as áreas da medicina mais procuradas
estão a de família ou medicina generalista (family medicine), no caso de
formandos e formados, e a clínica médica (internal medicine), para o restante
dos estudantes brasileiros, que têm direito a concorrer a bolsas de estudo para
fazer residência médica, com remuneração entre US$ 3,5 mil e US$ 4 mil por mês,
além de aumento progressivo anual.
Assim como temos assistido à debandada de
pesquisadores e cientistas brasileiros para o exterior, a comunidade médica vai
seguindo o caminho. O Brasil tem dificuldades em reter seus talentos, atraídos
pela possibilidade de maiores ganhos. Muitos profissionais acreditam que lá
fora poderão se dedicar a uma única instituição, diferentemente da realidade,
aqui, no país, onde é comum o médico trabalhar em mais de um hospital ou
clínica para obter a remuneração que deseja.
Outro fenômeno crescente na medicina
refere-se ao perfil comportamental dos especialistas - seja em consultório,
seja nas redes sociais. Muitos desses profissionais estão deixando hospitais ou
outros prestadores de serviços para tornarem-se donos dos próprios negócios,
buscando, assim, uma melhor situação financeira, conhecimentos mais
aprofundados de cada área, além de outras experiências e benefícios — como
bônus mediante produtividade e férias prêmio. Se antes as pessoas eram
pacientes, agora se transformaram em clientes, sob um olhar mais empreendedor,
ou seguidores, sob um ângulo tecnológico.
Fatores como a oferta de salários atraentes
(em dólar), de vagas em uma enormidade de instituições e jornadas de trabalho
infinitamente menores têm contribuído, e muito, para a chamada "fuga dos
jalecos". Prova disso é que, de acordo com o Conselho Americano de
Imigração, o setor de saúde lidera o ranking de participação de imigrantes na
força de trabalho nos Estados Unidos — o correspondente a 15,6% do total, sendo
grande parte formada por brasileiros.
Atualmente, o Brasil registra 575.930 médicos
ativos. São cerca de 2,81 profissionais por mil habitantes, de acordo com
levantamento divulgado na última segunda-feira pelo Conselho Federal de
Medicina (CFM). Comparado com o início da década de 1990, quando eram 131.278
médicos em atuação, o número mais que quadruplicou. No mesmo período, a
população brasileira passou de 144 milhões para 205 milhões, conforme dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população médica teve
crescimento médio de 5% ao ano, contra aumento médio de 1% ao ano na população
em geral.
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