quarta-feira, 10 de abril de 2024

Zeina Latif - As cidades e a produtividade da economia

O Globo

Em tempos de eleições municipais, vale refletir sobre a importância das cidades e o resultado das intervenções estatais

Ao analisar a baixa produtividade da economia brasileira, o que significa produzir pouco dado o capital instalado e a mão de obra alocada, é necessário compreender que parte do problema decorre de ineficiências causadas pelo mau funcionamento das cidades.

Em tempos de eleições municipais, vale refletir sobre a importância das cidades e o resultado das intervenções estatais.

O erro mais comum em nossa tradição intervencionista, nos três Poderes, é desconsiderar as leis de mercado, ou seja, a resposta dos preços — no caso, da terra e de imóveis — a fatores que afetam a demanda e a oferta. As dinâmicas econômicas (como a saída da indústria e a atração de serviços nas cidades grandes) e choques exógenos (como a pandemia) afetam preços e promovem a reciclagem do uso da terra.

Temos uma tendência de responder às mudanças com mais legislações quando, na verdade, seria necessário maior flexibilidade nas regras do jogo, algo ainda mais improvável em um país que valoriza pouco as evidências empíricas e tem máquina pública muito engessada.

Fechar os olhos a preços, achando que tudo se resolve com leis, acaba gerando mais distorções e ineficiências. Um erro comum é criar legislação muito rígida, complexa e detalhista para o uso e ocupação do solo, o que encarece construções e agrava os problemas urbanos.

O preço da terra direciona as inovações e os investimentos privados nas várias regiões das cidades. Preços elevados em regiões centrais são incentivos naturais para o uso mais eficiente de espaços, como evitar recuos nas construções, verticalizar e permitir habitações ou escritórios com áreas menores. Dessa forma, pode-se viabilizar a moradia de pessoas com renda baixa e negócios menores nessas regiões.

Mesmo bem-intencionadas — visando evitar grandes sombras, congestionamento, destruição do patrimônio histórico e a gentrificação (quando transformações de áreas urbanas provocam sua valorização e o deslocamento de antigos moradores) —, as restrições construtivas em regiões centrais acabam, muitas vezes, causando mais problemas. Ao criarem espaços vazios e subutilizados, encarecem os imóveis e elevam os custos de transporte.

De quebra, as muitas exigências sobre imóveis tombados inviabilizam a preservação de prédios históricos. Pode-se até preservar a moradia de uns poucos, mas ao custo de empurrar outros muitos tantos para bairros distantes, longe dos serviços públicos e das oportunidades de trabalho, especialmente diante das deficiências do transporte público. Enquanto isso, muitas vezes os mais pobres preferem morar precariamente em regiões mais próximas do centro.

O mercado de trabalho é elemento central. Não é o planejamento da cidade que a faz prosperar, mas sim o crescimento do mercado de trabalho, aponta Alain Bertaud no livro “Ordem Sem Design”. O mau uso e ocupação do solo prejudicam o funcionamento do mercado de trabalho. Cidades disfuncionais implicam maiores fricções que dificultam a correspondência (matching) entre oferta e demanda de trabalho, bem como a qualificação de pessoas às demandas do mercado.

A subocupação dos centros urbanos, regiões com maior infraestrutura, é má notícia para o crescimento econômico. A maior concentração e interação de pessoas e negócios é alavanca para disseminação do conhecimento, inovação e empreendedorismo, o que significa maiores ganhos de produtividade.

Além disso, há ganhos decorrentes das maiores escalas de produção, da especialização dos negócios e dos menores custos de transação. É isso que faz as grandes cidades serem mais produtivas do que as cidades menores.

Cidades maiores e menores se complementam. Algumas atividades que requerem grandes plantas e dependem menos de mão de obra mais sofisticada tendem a ser mais rentáveis em cidades menores, encomendando os serviços nas grandes cidades. A internet contribui para as cidades se especializarem em seus talentos.

Precisamos questionar os candidatos às prefeituras sobre as políticas de uso e ocupação do solo e sobre a provisão de infraestrutura para o deslocamento rápido e barato, além de como explorar as potencialidades das cidades, preservando a liberdade para empreender e migrar.

É necessário entender as necessidades locais e a reação dos mercados às intervenções estatais. Economistas urbanos e urbanistas precisam interagir mais.

 

2 comentários:

Daniel disse...

Excelente análise! Parabéns à autora, e ao blog que divulga seu trabalho!

ADEMAR AMANCIO disse...

Verdade,excelente mesmo.