quarta-feira, 10 de abril de 2024

Lu Aiko Otta - O peso do passado na política industrial

Valor Econômico

A recente experiência brasileira envolvendo o uso do poder do Estado para fortalecer a economia recomenda cautela

Como parte da nova política industrial, o governo federal aceitará pagar até 10% mais caro em suas compras de produtos e serviços, se forem nacionais. O adicional poderá chegar a 20% se, além disso, houver desenvolvimento tecnológico local.

Parece bom, se o objetivo é fortalecer empresas nacionais e, melhor ainda, a pesquisa e a inovação. No entanto, a recente experiência brasileira envolvendo o uso do poder do Estado para fortalecer a economia recomenda cautela.

Na administração federal direta (que não envolve estatais), a definição de quais produtos e serviços poderão ser comprados com a margem de preferência de 10% a 20% ficará a cargo de uma comissão interministerial instalada há duas semanas.

“Com a instituição da comissão, busca-se melhorar a governança e dar maior transparência às políticas públicas desenhadas para potencializar o uso do poder de compra do Estado para a promoção do desenvolvimento sustentável”, disse à coluna o presidente do colegiado, Emílio Chernavsky. “Deve-se pontuar que tais políticas têm sido largamente utilizadas ao redor do mundo, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento.”

Os estudos que darão base às decisões da comissão serão tornados públicos. É uma opção mais transparente do que deixar a cargo de cada ministério a aplicação das margens, explicou um técnico.

Nos bastidores, é citada a frase atribuída a Louis Brandeis, que integrou a Suprema Corte dos EUA de 1916 a 1939. Disse ele que a publicidade é o melhor remédio para doenças sociais e industriais, a luz do sol é tida como o melhor dos desinfetantes e a luz elétrica é o melhor dos policiais.

Prevista em leis de 2010 e 2021, a margem de preferência é criticada por especialistas por admitir que o setor público pague mais caro em suas compras.

Os técnicos do governo relativizam essa avaliação. Sustentam que os produtos e serviços nacionais recolhem impostos aqui, o que também tem impacto fiscal.

Além disso, a margem de 10% seria uma forma de dar isonomia competitiva às empresas brasileiras, por juros e tributos mais altos aqui do que os cobrados no exterior.

Um estudo elaborado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda em 2015 comprovou que a aplicação de margens de preferência ajudou a elevar a concorrência nas licitações, o que reduz preços. É algo que se observa em outros países que adotaram a ferramenta, disse um técnico. Outro efeito detectado em estudos é trazer mais micro e pequenas empresas para a disputa.

Uma dificuldade que se viu no passado, conta um integrante do governo, era determinar se o produto era mesmo fabricado no Brasil. A ideia agora é recorrer às bases de dados já existentes no governo para fazer a checagem. Por exemplo: o Credenciamento de Fornecedores Informatizado (CIF), do BNDES, ou cadastros da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Samuel Pessôa, chefe de pesquisa da Julius Baer Brasil e associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), comentou que, se as compras com margem de preferência envolvem um custo adicional, devem trazer retorno para a sociedade. No entanto, observou, o interesse público foi pouco defendido no passado.

As falhas ocorridas aqui são, possivelmente, referências mais relevantes do que o Inflation Reduction Act (IRA) dos Estados Unidos, lembrado pelo governo como uma prova de que não estão sendo criadas novas jabuticabas por aqui.

Mas é preciso ver no que vai dar o IRA, disse Pessôa. É algo novo, que se assemelha à política de formação de grandes empresas, na qual foram injetados 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no BNDES. Aqui, os resultados não foram bons, avaliou.

Um ponto que diferencia atual política industrial de suas antecessoras é seu pequeno impacto fiscal, destacou o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso. Enquanto o IRA despeja US$ 1 trilhão anualmente, aqui os empréstimos com subsídios somam R$ 25 bilhões ao ano.

No global, a atual versão contém outras características que Velloso considera necessárias a uma boa política: mira o topo da tecnologia, privilegia a inovação, foca no bem-estar da sociedade.

“Mas estamos aplainando o terreno, apenas”, comparou. “E a casa vai demorar a ficar pronta.”

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse há duas semanas em entrevista à CNN que o poder público passa por um processo de reeducação.

“Nós perdemos, lá atrás, a mão. Tínhamos uma construção que foi feita a partir do segundo mandato do presidente Fernando Henrique - não do primeiro, mas a partir do segundo mandato - que perdurou até 2013. A partir desse momento, eu acredito que foi-se... testando hipóteses que não promoviam o desenvolvimento e que depois eram difíceis de abandonar.”

Com um pouco de boa vontade, é possível ver sinais de que ajustes estão sendo feitos para não repetir desta vez o desastre econômico que se viu no segundo mandato de Dilma Rousseff. É cedo, porém, para saber se os cuidados serão suficientes.

 

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