domingo, 14 de abril de 2024

Vinicius Torres Freire - Brasil, uma situação perigosa

Folha de S. Paulo

País vive rara conjunção de juros altos, dívida cara e pouca poupança para pagar tudo isso

Nesta semana, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva deve dizer que sua meta de poupar dinheiro em 2025 vai ser menor do que previa desde o ano passado. A meta de superávit primário vai ser menor —trata-se da diferença entre o que se arrecada e o que se gasta, afora despesas com juros.

Mesmo menos ambicioso, o objetivo será ainda assim difícil de cumprir, entre outros problemas que vão afetar o novíssimo teto móvel de gastos de Lula-Haddad.

As contas do governo do Brasil estão em situação perigosa, rara desde que se estabeleceu um regime baseado nas ideias de meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário, ideias na prática muita vez furadas, e desde que há estatísticas comparáveis. Desde 2002.

Que perigo é esse? A taxa média de juros que incide sobre a dívida pública é alta. Não se poupa o bastante (ou nada) a fim de que se possa pagar os juros e, assim, evitar que a dívida cresça sem parar. Desde 2002, tal conjunção ruim aconteceu nos anos da Grande Recessão (2014-2016) e na epidemia.

Com o teto de gastos de Michel Temer e a recessão, a taxa de juros começou a cair rapidamente. O teto era ruim e marcado para morrer, mas conteve o aumento explosivo da dívida.

Depois do aumento de gastos da epidemia, houve a contenção de 2021 —precoce, o que causou grande aumento da miséria. Mais importante, houve uma inflação inesperada enquanto as taxas de juros eram muito baixas. Em termos reais, a taxa de juros (implícita) da dívida ficou negativa de março de 2021 a junho de 2022. Foi um motivo importante de a dívida pública cair rapidamente do pico da Covid.

Agora, há perspectiva de juros reais altos por anos (mesmo com queda da Selic). Não há perspectiva de superávit primário relevante antes de 2026. Começa a se difundir no governo a ideia de que o próprio teto móvel de gastos de Lula 3, aprovado no ano passado, tenha de ser relaxado.

O custo médio nominal da dívida, a taxa de juros implícita que incide sobre a dívida pública total, está em 11,2% ao ano (nos últimos 12 meses até fevereiro), uma taxa real de 6,4%. Como resultado, o setor público, o "governo", pagou o equivalente a 6,8% do PIB em juros (R$ 747 bilhões em 12 meses, o equivalente a uns cinco anos de Bolsa Família). Na prática, não pagou: fez mais dívida para rolar essa conta. Também teve de pegar emprestado para pagar as contas corriqueiras, pois tem déficit primário: mais R$ 268 bilhões em um ano. O déficit total (nominal), pois, passa de R$ 1 trilhão (9,24% do PIB, da produção anual da economia).

Desde 2002, houve déficits desse tamanho ou maiores apenas no momento excepcional da epidemia e na Grande Recessão ou por efeito dela, em 2016 ou em 2017.

Nos demais anos, a taxa de juros média da dívida era menor ou não muito maior do que a de agora. Mas havia grandes superávits primários, como sob Lula 1 e Lula 2. Pagava-se parte da conta de juros. A dívida até caiu, dado também o crescimento do PIB.

O teto móvel de gastos de Lula 3 já periclita. O "arcabouço fiscal" de Lula-Haddad permite um certo aumento real de gastos a cada ano. Mas há despesas que crescem ainda mais: Previdência (também por causa do aumento do salário mínimo), saúde e educação. O aumento dessas despesas achatará as demais (como a de investimento em obras). Haverá pressão, pois, para se relaxar o teto.

A não ser em caso de crescimento excepcional do PIB ou de impostos, inviáveis no futuro previsível, a dívida aumentará por muitos anos.

Não há um nível de dívida a partir do qual se desencadeia necessariamente uma crise. Mas a situação é de perigo (em caso de nova rodada de aumento de juros por causa de inflação alta, por exemplo); implica crescimento econômico mais baixo.

Dívidas são contidas com combinações de crescimento econômico rápido, inflação, contenção de despesa e repressão financeira (achatamento de juros, viável apenas em certos países e em certos contextos internacionais).

O que Lula 3 vai fazer?

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu prefiro a expressão ''muitas vezes'' à ''muita vez''.

ADEMAR AMANCIO disse...

As duas estão corretas,diga-se.