domingo, 14 de abril de 2024

Míriam Leitão – Ajudar a versão do adversário

O Globo

PT ajuda a versão do adversário ao defender que tem a mesma proposta do PC Chinês

A China é uma ditadura. O PT sempre governou o Brasil democraticamente. Tudo o que a extrema direita golpista quer é vincular o PT ao autoritarismo, apesar de ter sido essa mesma direita que tentou golpear as instituições democráticas. Nos últimos dias, na esteira do histrionismo de Elon Musk, parlamentares brasileiros ligados a Jair Bolsonaro têm gritado no exterior a sandice de que o Brasil é uma ditadura. Por que mesmo, num contexto assim, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, vai a Pequim declarar que seu partido e o PC Chinês têm afinidades, e afirmar que foi “inspirador" o encontro dos dois partidos?

Visitar a China, ter bom relacionamento com as autoridades chinesas, ter relações com o partido governante daquela potência, fazer acordos, isso é natural. O que não faz sentido é sugerir que há uma irmandade com um partido que governa a China com mão de ferro há 75 anos, que destrói qualquer oposição que apareça, que controla tudo, a imprensa, as redes sociais, as empresas, as artes. Um governo que, na última vez em que houve uma insurgência popular, em 1989, reagiu com um massacre em praça pública, e reprime ou reverte qualquer tentativa de abertura. Como acontece agora em que Xi JinPing colocou mais um ferrolho na porta em favor da sua permanência no poder.

A deputada Gleisi Hoffmann disse, segundo relato do jornalista Marcelo Ninio: “É o predomínio do capitalismo que gera um cenário internacional de instabilidade, crises, guerras e revoltas. Nossos partidos, o PT e o PC Chinês defendem que o socialismo é essa alternativa. Um de nossos maiores desafios é exatamente de tornar o socialismo mais influente e mais poderoso em nossos países e também em escala mundial”.

A propósito, a China não pode ser classificada como país socialista. A economia é dominada pelo capitalismo de Estado e uma elite cada vez mais bilionária de empresários que aceitam a simbiose de suas empresas com o regime. Visitar os colossos chineses de diversas áreas, como a Huawei, é interessante para qualquer pessoa. Estranho é achar que isso é socialismo.

O comunismo, como se sabe, não existe. Apesar disso, tem sido o espantalho eterno de quem tem intenções ditatoriais no Brasil. Foi essa ameaça que brandiram os golpistas de 1964, e repetem agora Bolsonaro e seus seguidores. O delírio do risco comunista é apresentado por pastores de má-fé nas suas igrejas. Falas como a da presidente do PT serão usadas como prova de que disseram a verdade.

Os Estados Unidos têm um enorme telhado de vidro e criticá-los também é natural. Fazer críticas em tom mais alto do que os chineses é ser mais realista do que o rei. Concluir que os Estados Unidos são o epicentro de todas as crises internacionais é simplificar o complexo. A boa política externa entende as complexidades desse mundo há muito tempo multipolar. A Rússia invadiu a Ucrânia levando uma guerra para dentro da Europa. Isso é conflito gerado pelo fato de os Estados Unidos não aceitarem a própria decadência? O ditador Vladimir Putin é também um resultado da crise do capitalismo? Nenhuma culpa recai sobre o autocrata do Kremlin?

O governo de Joe Biden parabenizou o presidente Lula meia hora depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter declarado a vitória do atual presidente no dia 30 de outubro. Jair Bolsonaro levou 38 dias para reconhecer a vitória de Biden. Bolsonaro conspirou para tentar impedir a posse do eleito, o que culminou na tentativa de golpe de 8 de janeiro. A direita trumpista tinha feito ataque semelhante ao Capitólio, dois anos antes, em 6 de janeiro de 2021, para tentar impedir a posse de Biden. Como tudo isso cabe dentro da visão de mundo de que os Estados Unidos têm o monopólio da geração de crises no planeta?

Há uma doença infantil da qual o Partido dos Trabalhadores nunca se curou. Somando-se os tempos, ele governou o Brasil por quase 15 anos. Já poderia ter desenvolvido um pensamento internacional mais sofisticado, sem alinhamento com uma potência ditatorial, e que evitasse o antiamericanismo estudantil. Aqui no Brasil partido é partido, governo é governo —ao contrário da China, aliás — mas o que a presidente do PT diz será usado pelos que querem rotular o atual governo de ditatorial, ou dizer que o espectro do comunismo ronda o Brasil.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Exatamente,Míriam Leitão tem razão.