terça-feira, 25 de junho de 2024

Eliane Cantanhêde - Veredicto: o sistema não tem culpa

O Estado de S. Paulo

Por que a democracia brasileira sobreviveu? Uma resposta corajosa e racional

Quando Lula e Fernando Henrique se encontram amigável e até carinhosamente, é hora de esquecer as guerras e encrencas de outros tempos e pensar em como pode haver civilidade, parceria e convivência democrática entre adversários políticos, no caso, dois dos grandes líderes contra a ditadura e os maiores presidentes pós-redemocratização. É nesse clima, menos negativo, menos carregado, que escrevo sobre Por que a democracia brasileira não morreu?, dos cientistas políticos e professores Marcus André Melo e Carlos Pereira.

Corajoso, desmistificador e otimista são os três adjetivos que definem o livro, que joga luzes sobre dez anos da política, desde o impeachment de Dilma Rousseff até a derrota de Jair Bolsonaro. Na contramão da onda de desqualificação, irritação, desânimo, desistência, os autores nos fazem refletir sobre esses tempos turbulentos e tirar uma conclusão reconfortante: apesar de todos os pesares, o sistema político brasileiro não é tão imprestável assim.

Diante dos graves erros e da enxurrada de críticas ao Congresso, ao Judiciário e ao presidencialismo jabuticaba, a realidade é que o sistema político, as instituições, seus líderes e agentes demonstraram grande capacidade de resistência e souberam usar os instrumentos constitucionais à mão para reprimir e, ao fim e ao cabo, impedir investidas antidemocráticas.

Sem dar spoiler, a tese dos autores é a de que a combinação de presidencialismo com multipartidarismo é complexa e tensa, mas “gerou ordem e equilíbrio no sistema político”. O chefe do Executivo tem enormes poderes e pode, inclusive, legislar via decretos e medidas provisórias, mas o Congresso tem ferramentas como as emendas parlamentares, que, muito mal compreendidas pela opinião pública, garantem que não seja mero cumpridor de ordens, e o sistema dispõe de uma rede vigorosa de controle “externo”: Judiciário, Ministério Público, tribunais de contas, PF e imprensa, livres, independentes e combativos.

Presidentes, de esquerda ou direita, têm grande dificuldade de montar e manter bases congressuais com forças muito heterogêneas e de distribuir ferramentas de equilíbrio de poder, como ministérios, cargos e emendas que cristalizam os vínculos dos parlamentares com suas próprias bases. Há exageros e desvios absurdos, mas não por culpa do sistema, como se convencionou, mas de quem administra esse sistema – como qualquer sistema. Tão corajoso, desmistificador e otimista, o livro de Marcus André Melo e Carlos Pereira nos brinda com algo essencial e que anda drasticamente em falta: racionalidade. Boa leitura!

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

HC e Lula,''os dois melhores presidentes pós-democratização'',concordo.