Valor Econômico
Decisão demonstra, no limite, um BC que discorda de Lula sobre as perspectivas da inflação
Tratada no PT como uma traição ao presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão unânime pela manutenção da taxa de juro
mantém Gabriel Galípolo na linha sucessória para a presidência do Banco
Central. Se discordasse, poderia perder a credibilidade para assumir o cargo.
Votando a favor, só perderá pontos para ser indicado se Lula quiser dar razão a
quem o acusa de querer interferir no BC.
Tratada no mercado como uma derrota do presidente, que fez duras críticas à política monetária e tem quatro indicados na atual diretoria, a decisão do Copom demonstra, no limite, um BC que discorda de Lula sobre as perspectivas da inflação. A unanimidade, por afastar o risco de interferência, pode acabar, paradoxalmente, afetando positivamente as expectativas se for acompanhada de um pacote exequível de novas receitas e corte de despesas.
Neste sentido, a decisão do Copom joga água
no moinho da mudança em curso no comportamento do presidente. Lula parece, sim,
ter capitulado. Não ante o Copom, mas ao ajuste. O mesmo Lula que acusou
Roberto Campos Neto de trabalhar contra o Brasil disse que “nada” está
descartado na busca pela sustentabilidade das contas públicas.
Este “nada” foi dito por Lula, à CBN, quando
indagado se as alternativas de corte incluíam temas sacrossantos como a mudança
no piso de saúde e educação, desvinculação da Previdência da política de
valorização do salário mínimo e reforma da aposentadoria dos militares. O mesmo
Lula que critica Campos Neto pela política monetária restritiva é aquele que,
ao ceder às evidências de que as contas públicas precisam de um ajuste, acaba
por concordar com uma das principais premissas da atual política de juros.
Mas esta não é apenas mais uma das
contradições pelas quais Lula navega sem ajuda de aparelhos. Ao aceitar um
cardápio de cortes sem vetos antecipados, o presidente age para fortalecer seu
ministro da Fazenda depois do estrago provocado pela devolução da MP do
PIS/Cofins e pela percepção generalizada de que Lula e Fernando Haddad já não
tocavam pelo mesmo diapasão.
Ainda que pareça improvável que Lula tope
embarcar na desvinculação da Previdência, pela margem estreita de aprovação com
a qual governa, a informação que chega da equipe que está enfurnada na Fazenda
em torno do cardápio de cortes é que, de fato, não foram traçadas fronteiras
proibidas sobre as quais não se pudesse avançar.
Se Lula resolveu bancar Haddad é porque o
reconhece como âncora e teme os riscos de sua avaria à nau governista. Foram as
incertezas fiscais do governo que ameaçaram a confiança cultivada por Haddad
junto a empresários, banqueiros e investidores.
A investida pela retomada desta confiança não
é a única conclusão que se tira da mudança de comportamento de Lula. Se o
presidente vai, de fato, bancar este ajuste é porque o pragmatismo lhe fez ver
o prejuízo que as contas públicas em desalinho lhe trariam.
E mais: se o presidente embicou nesta rota é porque está mais próximo do compromisso assumido em campanha, o de que voltaria ao poder para um único mandato. Mais de um interlocutor do presidente compartilha da visão de que Lula só iria para o tudo ou nada, na queda de braço com o mercado, por sua própria reeleição. Se aceitará o ajuste é porque pretende abrir 2026 para Fernando Haddad.
Lula foi cristalino na entrevista. Disse que
sua candidatura não é a primeira hipótese, que seu estado de saúde e
resistência física terão que ser considerados e que só seria candidato para
evitar que o país volte a ser governado por um “fascista”. Como o dono desse
chapéu, o ex-presidente Jair Bolsonaro, é inelegível, estaria afastada, pois, a
única condição para que Lula se recandidate.
Parece mais do mesmo, mas não é. Em maio, em
São Leopoldo (RS), Lula disse que viveria até os 120 anos e ainda disputaria
“dez eleições” nem que o fizesse de bengala. Em julho de 2023, disse que a
candidatura à reeleição do presidente americano, Joe Biden, o estimulava: “Sou
muito mais novo do que ele” (três anos os separam).
Embalado pela perspectiva, o PT chegou a
incluir numa resolução partidária, de agosto do ano passado, a recondução de
Lula. De lá pra cá, cresceu a descrença, no grupo formado pelos ex-presidentes
do partido, com o qual teve, dias atrás, uma breve e remota interação, de que o
presidente esteja disposto a encarar o quarto mandato.
Não pesam contrariamente apenas a idade e os
riscos que um governo de expansão fiscal traria. Quando Lula diz que só
disputaria para derrotar, mais uma vez, Bolsonaro, é também porque o
ex-presidente lhe seria um adversário mais fácil do que um nome mais moderado,
como o governador de São Paulo.
E a razão é simples. Lula correria o risco de
ver o centro, que o colocou de volta ao Planalto, correr para Tarcísio de
Freitas. Uma candidatura Haddad, particularmente depois da trajetória
construída na Fazenda, teria mais chance de evitar a migração deste eleitor
centrista para o bolsonarismo sem Bolsonaro.
A dois anos e meio da sucessão, tudo é conjectura, até mesmo a possibilidade de Freitas contar com o aval do bolsonarismo, sem o qual vira pó. Também se esfacelam as chances de Lula fazer o sucessor se a economia não empinar. Isso passa pela equação fiscal a ser montada pela alternativa à MP do PIS/Cofins e pelo cardápio de cortes. É daí que se montará a plataforma do próximo biênio, quando a sucessão presidencial dará o tom.
2 comentários:
Perfeito !
Disse tudo!
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