sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É vital aumentar a vacinação com o avanço de casos de coqueluche

O Globo

Registros da doença deram um salto no primeiro semestre, e cobertura vacinal segue abaixo da meta

A morte de um bebê de 6 meses por coqueluche em Londrina (PR) acendeu um alerta nas autoridades de saúde em todo o Brasil. O estado não registrava óbito pela doença havia cinco anos. No país, o último ocorreu há pelo menos três anos. O fato aconteceu no fim de junho. Segundo a Secretaria de Saúde de Londrina, a vítima era uma criança prematura que estava com as vacinas em atraso. Um segundo caso está sob investigação.

A morte acontece num momento de avanço da doença no Brasil, acompanhando tendência mundial. Dados do Ministério da Saúde mostram que, de janeiro a julho, já foram registrados 339 casos, o maior número desde 2020, o que representa um aumento de 56% em relação a todo o ano passado.

O aumento é mais preocupante em alguns estados, especialmente no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Entre 2023 e 2024, o número de casos em Santa Catarina disparou, saltando de um para 14; em São Paulo, mais que triplicou no mesmo período, subindo de 54 para 194; no Paraná, onde foi registrado o óbito, mais que dobrou (de 17 para 36); em Minas Gerais, cresceu de 14 para 35; no Rio de Janeiro, de oito para 13; e no Distrito Federal, de cinco para nove.

Causada pela bactéria Bordetella pertussis, a coqueluche pode ser transmitida por meio de gotículas da tosse, espirro ou até mesmo pela fala de alguém infectado. Os sintomas são semelhantes aos de um resfriado, com tosse seca e febre. Quando não vacinada, a criança pode desenvolver um quadro grave, correndo risco de morte.

A proteção é dada pela vacina pentavalente infantil (DTP, HB, Hib), contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e infecções pela bactéria H. influenzae tipo B. O imunizante faz parte do calendário infantil e está disponível no SUS. As crianças devem tomar três doses (aos 2, 4 e 6 meses), além de dois reforços com a tríplice bacteriana infantil (DTP), aos 15 meses e aos 4 anos.

É verdade que, apesar das dificuldades para elevar as taxas de vacinação depois de forte queda nos últimos anos, há progressos importantes. No mês passado, ONU e Unicef anunciaram que o Brasil conseguiu deixar a lista nefasta dos 20 países com maior número de crianças não vacinadas no mundo. Isso foi possível porque o número daquelas que não receberam nenhuma dose da DTP (usada como termômetro da cobertura vacinal) caiu de 418 mil em 2022 para 103 mil em 2023.

Embora o avanço seja louvável (a cobertura da DTP passou de 67,4% em 2022 para 76,8% em 2023), o índice ainda está abaixo da meta de 95% preconizada pelo Ministério da Saúde. Por isso governo federal, estados e municípios precisam facilitar o acesso às doses e fazer campanhas para conscientizar os pais a levar seus filhos aos postos de saúde dentro dos prazos estabelecidos. Não é aceitável que crianças morram de coqueluche —ou de qualquer outra doença prevenível.

Fogo no Pantanal expõe necessidade de mais prevenção

O Globo

Conexão entre tragédias climáticas exige atenção do governo para minimizar efeitos de eventos extremos

O governo federal liberou créditos extraordinários da ordem de R$ 137 milhões para o combate ao fogo no Pantanal, triplicou o contingente de pessoal e, nos próximos dias, é provável que anuncie novas medidas. Entre janeiro e julho, o número de focos de incêndio chegou a 4.696, 11% a mais que o recorde anterior, registrado em 2020. Embora distantes no espaço e no tempo, as queimadas em Mato Grosso do Sul, a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, a seca causticante na Amazônia e os furacões devastadores no Hemisfério Norte estão relacionados. Em comum, todos exigem revisões de planos, principalmente com a aprovação de orçamentos maiores para esforços de prevenção. Como os focos no Pantanal acontecem em áreas isoladas e de difícil acesso, uma vez iniciados, os incêndios são difíceis de combater.

Entre os diversos fatores que se conjugam para desencadear esses eventos climáticos extremos estão o aquecimento das águas do Oceano Atlântico e o resfriamento do Oceano Pacífico, causado pelo fenômeno La Niña. O ano de 2024 tem demonstrado como a natureza reage de modo violento em tempos de mudanças climáticas. A temperatura do Atlântico está acima da média desde 2020. No momento, a anomalia — termo técnico que descreve a diferença entre uma medição e a média — está entre 2 °C e 3 °C, marca prevista apenas para setembro. Foi o suficiente para colocar fogo no Pantanal. E para transformar a temporada de furacões deste ano no Hemisfério Norte numa das mais perigosas dos últimos tempos.

O Furacão Beryl, formado no final de junho na altura de Porto Rico, contrariou as expectativas. Com ventos acima de 240 quilômetros por hora, foi classificado na categoria 5, que reúne as supertempestades com maior poder de destruição. Foi o mais precoce dessa categoria a atingir o Caribe (a temporada se estende de junho a novembro). Meteorologistas já estudam ampliar a escala até a categoria 7, para abranger furacões de 320 quilômetros por hora.

O Beryl sugere uma mudança de padrão, por ser o primeiro furacão de grandes dimensões a se formar mais ao sul da Bacia do Atlântico Norte. Como essas supertempestades bloqueiam a umidade que deveria chegar à Amazônia, contribuem para agravar a estação seca e influenciam as condições meteorológicas do Brasil.

A ação do La Niña no Pacífico a partir de setembro deverá aumentar a probabilidade de furacões mais violentos no Atlântico. “É a receita do diabo para o desenvolvimento de furacões de categoria máxima”, diz a oceanógrafa Regina Rodrigues, da Universidade de Santa Catarina, coordenadora do grupo da Organização Meteorológica Mundial que estuda ondas de calor no Atlântico.

Além da necessária atenção às consequências dos eventos climáticos extremos no Brasil, o poder público precisa estar atento ao que acontece no resto do mundo. As tragédias climáticas estão interligadas. Nesse quadro, a prioridade é planejar e executar ações capazes de minimizar os efeitos de tempestades avassaladoras e incêndios em série. As mudanças no clima apenas começaram.

STF abre caminho para acabar de vez com ‘orçamento secreto’

Valor Econômico

É primordial que a transparência impere e que critérios técnicos -não políticos - sejam seguidos por deputados e senadores na hora de propor emendas parlamentares

O “orçamento secreto” ganhou novas formas no Congresso e continua em pleno vigor, apesar de ter sido proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022. Diante da falta de “comprovação cabal” de que a decisão da corte estava sendo cumprida, o ministro Flávio Dino realizou ontem uma audiência de conciliação sobre o assunto, abrindo caminho para enterrar de vez a prática e exigir total transparência sobre as emendas parlamentares.

A reunião ocorreu em meio ao debate sobre a necessidade de ajuste nas contas públicas e ao crescente volume de recursos destinados às emendas parlamentares, parte do movimento de seu avanço sobre o Orçamento iniciado sob a gestão de Jair Bolsonaro e que continua no governo Lula. Na Lei Orçamentária Anual (LOA), elas somam cerca de R$ 52 bilhões, mais de oito vezes os R$ 6,4 bilhões empenhados em 2014.

Desde que o STF decidiu tornar inconstitucional o uso das emendas de relator (RP9) para a destinação de recursos sem a devida identificação, entidades que fiscalizam os gastos públicos denunciaram que os parlamentares passaram a recorrer a outros mecanismos para manter a prática e nublar a origem das verbas. O desrespeito à determinação contraria os princípios da boa administração pública e ocorre em total descoordenação com projetos prioritários para o país, já que grande parte do dinheiro acaba sendo investida em ações paroquiais nas bases eleitorais de deputados e senadores, com potencial impacto nas eleições de outubro.

Entre as novas roupagens que foram usadas para contornar a proibição do STF está o aumento das “emendas Pix”, modalidade que permite transferências diretas às prefeituras, com desembolso mais rápido, já que não há necessidade de firmar convênio técnico com o governo federal. Em recente nota técnica, a Transparência Brasil destacou que apenas 1% das 941 emendas incorporadas à LOA de 2024 informa o destino e como os recursos serão gastos. O volume de recursos destinado pelo mecanismo também chama a atenção, passando de R$ 3 bilhões em 2022 para R$ 7 bilhões no ano passado. Para este ano, a previsão é de outros R$ 8 bilhões.

Um segundo caminho alternativo que ganhou força com o cerco às RP9 foram as emendas de comissão (RP8), em que os próprios colegiados aparecem como autores dos repasses, ocultando os reais responsáveis pela indicação. Segundo dados apresentados ao STF, o valor autorizado para essa modalidade passou de R$ 329,4 milhões, em 2022, para R$ 15,2 bilhões neste ano. Chamam a atenção a cobiça dos deputados por emendas encaminhadas pela Comissão de Saúde da Câmara e a distribuição desigual desses recursos, privilegiando com mais verbas Estados como Alagoas, base eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em detrimento de outros mais populosos, como Minas Gerais e São Paulo.

Há ainda o caso do uso dos “restos a pagar” de emendas de relator que já haviam sido reservados pelo Executivo antes da decisão do STF que proibiu a prática. De janeiro a julho, o governo Lula desembolsou R$ 1,1 bilhão pelo mecanismo, segundo a Transparência Brasil.

Ao abrir a audiência de conciliação, que trata de um processo apresentado pelo Psol sobre as emendas de relator, Dino afirmou não ser possível que a prática tornada inconstitucional persista com outros nomes e leis. O encontro ocorreu após o ministro ter enviado pedido de esclarecimentos ao governo e ao Congresso sobre o cumprimento da decisão. Um sinal claro de que a prática continua foi a resposta do Ministério do Planejamento, que afirmou que parte das emendas parlamentares ainda não atende às exigências de indicação de beneficiário nem de ordem de prioridade por seus autores (Valor, 24/7).

Outra frente de questionamento à falta de transparência foi aberta pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que entrou com uma ação no STF contra trechos da Emenda 105/2019 que instituíram as “emendas Pix”. Em liminar concedida ontem, Dino atendeu parte da reivindicação da entidade e decidiu que a liberação dos recursos só pode ocorrer se os requisitos constitucionais de transparência e rastreabilidade forem atendidos. O ministro também determinou que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (TCU) fiscalizem a modalidade. A CGU também deverá auditar as emendas em execução no prazo de 90 dias.

O STF já havia acertado ao proibir o “orçamento secreto” em 2022 e deve garantir que a determinação não vire letra morta. É primordial que a transparência impere e que critérios técnicos -não políticos - sejam seguidos por deputados e senadores na hora de propor emendas parlamentares. O uso paroquial dos recursos, com privilégio a regiões controladas por apadrinhados de membros influentes do Congresso, se configura como um descalabro em um país com tantas carências em diferentes setores. O país também deve rever, no futuro, o montante para emendas que dependem apenas do desejo dos parlamentares no orçamento público, algo sem paralelo no restante do mundo.

Aumentam os riscos no Oriente Médio

Folha de S. Paulo

Assassinatos de líderes terroristas por Israel são aposta perigosa, que dificulta cessar-fogo e pode expandir conflito

Desde que o Hamas atacou Israel em outubro do ano passado, o maior temor era de que o grupo terrorista palestino lograsse o objetivo de incendiar o Oriente Médio.

Isso se daria com a inevitável resposta militar que Tel Aviv daria à chacina, seguida pelo socorro do maior apoiador de seus rivais, o Irã —ainda que por meio de prepostos regionais da teocracia de Teerã, como o Hezbollah libanês.

O plano logo fracassou. Ainda que mantivessem a retórica afiada e, no caso do Hezbollah, uma frente de atrito diário com Israel, ninguém escalou a crise.

A novidade no cenário geopolítico foram os rebeldes houthis financiados pelo Irã no Iêmen, com ataques a navios mercantes no mar Vermelho e grandes danos causados ao comércio mundial.

O problema é que a guerra de Israel em Gaza, justa que fosse em seu começo, tornou-se um pesadelo humanitário indefensável e sem saída militar visível. Com quase 39,5 mil mortos e a obliteração de boa parte do território, a operação tem como fim manter Binyamin Netanyahu no poder.

Assim, até os mais aguerridos apoiadores de Israel, os Estados Unidos, passaram a pressionar o premiê a aceitar um cessar-fogo. Ele não só não veio como Netanyahu voltou de uma viagem a Washington com surpresas.

Entre terça-feira (30) e quarta, Israel matou dois de seus principais inimigos regionais: Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, que estava em Teerã como convidado de honra na posse do novo presidente do país, e Fuad Shukr, chefe operacional do Hezbollah, em Beirute.

Ademais, na quinta (1º) foi confirmada a morte, há 20 dias, do chefe militar do Hamas em Gaza.
Israel faz com isso uma aposta. Se Netanyahu sabe que os ataques não passarão impunes, parece acreditar que haverá limite na retaliação devido ao temor do impacto de uma guerra ampla —a começar pelo regime iraniano, que vive dias de contestação popular e dificuldades econômicas.

O premiê ampara-se na eficácia da defesa de Israel, com ajuda dos EUA e de outros aliados, contra o único ataque direto do Irã ao seu país na história, em abril. Talvez dê certo, e ainda se crie oportunidade de tréplica para conter as suspeitas instalações nucleares no Irã.

Mas também é possível que se abra uma caixa de Pandora com ataques multidirecionais, engolindo consigo os EUA em meio a uma campanha eleitoral e atores como RússiaTurquia e Arábia Saudita, num temerário e imprevisível jogo.

Paliativo orçamentário

Folha de S. Paulo

Contenção extra de gastos indica cuidado com contas públicas, mas é insuficiente

Sem alarde, a área econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) introduziu um novo —e ainda nebuloso— mecanismo de contenção de gastos orçamentários.

No decreto presidencial que promoveu o já esperado congelamento de R$ 15 bilhões em despesas programadas para este ano, acrescentou-se que outros R$ 31,6 bilhões não poderão ser liberados pelos ministérios antes de outubro. É o que está sendo chamado de "faseamento" pela área técnica.

Ao que tudo indica, trata-se de um reconhecimento dissimulado do que já estava claro para os analistas independentes —vale dizer, que o valor anunciado de início é insuficiente para dar um mínimo de segurança quanto ao cumprimento da meta de aproximar de zero o déficit orçamentário neste ano.

Assim, a medida é bem-vinda, embora não passe, na melhor das hipóteses, de um paliativo.

Rememorando: o governo se comprometeu a eliminar em 2024 o desequilíbrio entre receitas e despesas federais, sem incluir nas contas os encargos da dívida pública. Tal objetivo tem sido encarado com descrédito geral.

As regras em vigor permitem uma generosa margem de tolerância para essa tarefa, correspondente a 0,25% do Produto Interno Bruto. Dito de outra maneira, se o Tesouro Nacional terminar o ano com déficit de R$ 28,8 bilhões (já descontados os desembolsos extraordinários com a tragédia gaúcha), a meta estará cumprida.

A contenção de R$ 15 bilhões já mira esse objetivo menos ambicioso, o que constitui uma temeridade —ainda mais porque as projeções oficiais de receitas e despesas soam muito otimistas.

Daí se compreende a contenção extra de gastos até outubro, que parece ter sido adotada de modo a evitar protestos de natureza política. Afinal, o presidente da República e seu partido se mostram avessos ao controle de despesas públicas em bases mais duradouras.

É incerto o que será feito do montante congelado, dado que os compromissos de Lula com a responsabilidade variam conforme as pressões de ocasião. Fato é que medidas no varejo podem mitigar resultados piores no curto prazo, mas estão longe de bastar para um ajuste mais sólido das finanças públicas.

A contenção da escalada da dívida só será obtida com uma revisão ampla das regras que impõem alta contínua de despesas obrigatórias.

 Banco Central em compasso de espera

O Estado de S. Paulo

Com expectativas de inflação acima da meta e câmbio depreciado, BC dá um voto de confiança ao governo e conta com melhora no ambiente externo para decidir o que fazer com a taxa de juros

A manutenção da taxa básica de juros em 10,5% ao ano não surpreendeu o mercado financeiro. Pesquisa realizada pelo Projeções Broadcast dias antes da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) revelou uma rara unanimidade entre os investidores, com nada menos que 65 casas apostando na estabilidade da Selic na reunião desta semana.

Houve, no entanto, certa divergência sobre a mensagem que o Copom tentava repassar após divulgar a decisão. O comunicado enumerou vários indicadores que, em outros tempos, seriam motivo para elevar a taxa básica de juros de imediato, e evidenciou que o BC prefere esperar um pouco mais até sinalizar quais serão seus próximos passos.

O BC reconheceu que a desaceleração da inflação tem arrefecido, enquanto os núcleos continuam acima da meta. Desde a última reunião, as expectativas dos agentes colhidas no Boletim Focus para o IPCA deste ano e de 2025 subiram de 4% e 3,8%, respectivamente, para 4,1% e 4%, ambas acima do centro da meta de 3%.

Incluída no comunicado pela primeira vez, as projeções do BC para a inflação do primeiro trimestre de 2026 estão em 3,4%, no cenário de referência, e em 3,2%, no cenário alternativo. As projeções do BC para 2024 e 2025 também subiram, respectivamente, para 4,2% e 3,6%, no cenário de referência, e para 4,2% e 3,4%, no cenário alternativo.

Em outras palavras, mesmo que a taxa de juros seja mantida em 10,5% até o fim de 2025, a inflação vai superar o centro da meta neste ano, no próximo e no seguinte. E entre os fatores que podem pressionar os preços para cima, além da desancoragem das expectativas por período mais prolongado e da resiliência da inflação de serviços, o BC mencionou, pela primeira vez, “uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada”.

O Copom, que até então trabalhava com um dólar a R$ 5,30, alterou sua projeção para R$ 5,55, uma correção relevante, mas ainda inferior ao que tem sido praticado no mercado. Na quinta-feira, por exemplo, o dólar superou a marca de R$ 5,70, o que não ocorria desde 2 de julho.

O Banco Central também foi mais enfático ao falar sobre a política fiscal. Além de citar que acompanha os impactos da política fiscal do governo nos juros e nos ativos financeiros, como já alerta há alguns meses, o Copom mencionou que a desconfiança dos agentes econômicos sobre o tema tem causado impactos nos preços dos ativos e nas expectativas.

Em contrapartida, o ambiente externo parece bem mais favorável do que nos últimos meses, o que ajuda a explicar a cautela do BC brasileiro neste momento. O Federal Reserve (Fed) manteve os juros no patamar entre 5,25% e 5,50%, mas considerou a possibilidade de que as taxas caiam já na próxima reunião, em setembro. Por lá, a inflação anual caiu a 2,5% em julho, cada vez mais próxima da meta de 2%. “Está chegando a hora, pois outros bancos centrais estão enfrentando a mesma questão”, disse o presidente do Fed, Jerome Powell.

Ainda que dividido, o Banco da Inglaterra (BoE) decidiu reduzir os juros em 0,25 ponto porcentual, para 5% ao ano. Na Europa, analistas da Oxford Economics avaliam que o recuo nas expectativas de inflação abriu espaço para o Banco Central Europeu cortar os juros nas reuniões de setembro e dezembro.

A se confirmar um quadro mais benigno no exterior, a pressão sobre o câmbio deve arrefecer nos próximos meses e facilitar, em parte, o trabalho do Banco Central brasileiro. Restarão os riscos associados a uma política fiscal expansionista, mas, aparentemente, o BC optou por dar um voto de confiança ao governo e deixar os próximos passos em aberto.

A próxima reunião do Copom está marcada para os dias 17 e 18 de setembro. Até lá, o governo já terá enviado a proposta de Orçamento de 2025 ao Congresso. A expectativa é que o Executivo cumpra a promessa de cortar gastos para provar que o compromisso fiscal do governo é crível. Do contrário, as expectativas para a inflação podem se afastar ainda mais da meta. Neste caso, para preservar sua credibilidade, só restará ao BC ser ainda mais duro na condução da política monetária e subir os juros.

Isso sim é diplomacia

O Estado de S. Paulo

Brasil assume a Embaixada da Argentina em Caracas e o cuidado dos opositores de Maduro ali refugiados, mostrando o valor da diplomacia em meio ao caos produzido pela ditadura

O Estado brasileiro assumiu a custódia da Embaixada da Argentina na Venezuela após o ditador Nicolás Maduro, movido exclusivamente por vingança, expulsar de seu país todo o corpo diplomático argentino. A Casa Rosada, como se sabe, não endossou a farsa eleitoral do caudilho, expressando de forma inequívoca, em conjunto com outros seis países da região, suas fundadas dúvidas em relação à “vitória” de Maduro ao final de um processo eleitoral que foi fraudado por ele do início ao fim.

O resultado material desse diálogo de alto nível entre Brasil e Argentina, não apenas entre dois indivíduos – os presidentes Lula da Silva e Javier Milei –, produziu uma cena a um só tempo inusitada e pungente: o hasteamento da bandeira brasileira em plena sede da representação diplomática argentina em Caracas. Na prática, isso significa que ora cabe ao Brasil muito mais que o cuidado físico com o imóvel. O País passou a ser responsável pelo resguardo dos interesses da República Argentina na Venezuela e os dos cidadãos argentinos que estão no país, residentes ou temporários.

Ademais, em digno gesto humanitário, o governo Lula da Silva concordou em abrigar opositores do regime chavista que acorreram à Embaixada da Argentina em busca de proteção contra a brutal repressão ordenada por Maduro. As Forças Armadas da Venezuela, as polícias e as milícias que o ditador controla já deixaram um saldo de dezenas de mortos e desaparecidos, além de centenas de feridos e presos arbitrariamente. O “banho de sangue” prometido por Maduro em caso de derrota, como está claro, materializou-se, como sói acontecer em qualquer ditadura: uma política contra dissidências a um governo ilegítimo.

Por tudo isso, Milei, que já ofendeu Lula diversas vezes, veio a público “agradecer enormemente” a disposição do Brasil de vir em socorro da Argentina e de seus cidadãos nessa hora grave. O presidente argentino ainda enfatizou que “os laços de amizade que unem Brasil e Argentina são muito fortes e históricos”.

O simbolismo dessa concertação entre Brasil e Argentina em um momento de gravíssima crise política e social na Venezuela não pode ser subdimensionado. O gesto é bastante revelador do empenho diplomático que tem sido realizado, em particular pelo Itamaraty, para construir uma solução negociada para a intrincada crise venezuelana. Esses louváveis esforços da diplomacia brasileira não raro são feitos fora dos holofotes, longe dos ruídos desnecessários e irresponsáveis causados pelo voluntarismo lulopetista.

Decerto conscientes de que, a esta altura, o ditador Nicolás Maduro jamais reconhecerá que perdeu a eleição de domingo passado, as diplomacias de países como Brasil, Colômbia e México parecem trabalhar para ao menos arrefecer os ânimos e elaborar alguma forma de diálogo que poupe vidas e dê alguma perspectiva tanto para a oposição quanto para os milhões de venezuelanos que fugiram do caos de seu país.

Não será fácil, mas será ainda mais difícil se irresponsáveis como o presidente Lula da Silva continuarem a prejudicar esses esforços com bravatas e cinismo. O Brasil deve ser prudente ao lidar com a Venezuela, um país com o qual compartilha uma fronteira de 2,2 mil km, além de outros interesses de Estado em comum. Nesse caso, contudo, aceitar pragmaticamente que Maduro continuará no poder porque se trata de um fato consumado não é o mesmo que considerar como “normal” a situação na Venezuela, como disse Lula, insultando a inteligência do mundo civilizado.

É preciso deixar claro que o Brasil preza a democracia, aqui e em toda parte, e que considera inaceitável qualquer ruptura, seja em países governados pelos desafetos de Lula, seja naqueles oprimidos pelos companheiros do demiurgo. Mas, como mostra a bandeira brasileira hasteada na Embaixada da Argentina, também é preciso deixar claro que, em diplomacia, é necessário sempre deixar uma porta aberta.

Apagão yanomami

O Estado de S. Paulo

Colecionando fracassos na questão indígena, governo agora sonega dados sobre mortes

O governo Lula da Silva esconde deliberadamente, há pelo menos cinco meses, informações sobre a realidade do povo yanomami. O apagão de dados impede a sociedade brasileira de acompanhar as condições de vida dos indígenas que ganharam o noticiário em razão de reiteradas violações em seu território no Norte do País.

Em fevereiro deste ano, último dado disponível, o Ministério da Saúde informou que 363 indígenas morreram ao longo de todo o ano passado por doenças e desnutrição na Terra Indígena Yanomami, localizada em Roraima e no Amazonas, mais que os 343 óbitos de 2022, quando o País era presidido por Jair Bolsonaro.

Os números mostraram que, apesar do discurso em defesa dos povos indígenas como contraste com a administração Bolsonaro, o governo petista foi incapaz de mudar a situação devastadora imposta aos yanomamis, a despeito da organização de uma força-tarefa que prometia pôr fim às agruras desse povo.

Incomodado, Lula chegou a fazer uma ligação exaltada à ministra Nísia Trindade para cobrar explicações. Ao que parece, para ele, o problema não era o número de mortes – incompatível com sua promessa de levar assistência à região –, mas a forma supostamente descontextualizada com que a verdade veio a público após reportagens com base em dados fornecidos pela própria pasta por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Os yanomamis, há anos, têm sido vítimas de uma mistura explosiva da negligência do poder público – que, como se vê, se perpetua – com o garimpo ilegal, que polui rios e afugenta a caça. Sem os meios de sobrevivência dessa população, tem-se um ciclo de malária, desnutrição, conflitos e mortes.

Não há solução fácil, rápida ou barata para o problema, e o governo Lula da Silva, aparentemente, optou simplesmente por não falar mais do assunto. Até agora, nenhum dado referente a 2024 foi divulgado – o que, sem dúvida, levanta suspeitas de que a situação, no mínimo, não melhorou, se é que não está ainda pior.

Como sintoma dessa espécie de “operação abafa”, pedidos de dados feitos por meio da LAI passaram a ser reiteradamente negados. Ao Estadão, o Ministério da Saúde afirmou que “divulgará em breve um balanço com dados atualizados” e precisos.

A transparência em um governo democrático não é uma escolha da administração pública, mas um direito do cidadão. O governo Lula tem a obrigação de mostrar – com dados sólidos, e o quanto antes – se suas ações melhoraram de fato a vida dos yanomamis e de todos os povos indígenas. A comoção causada por imagens de crianças esquálidas que rodaram o Brasil e o mundo não pode ser esquecida.

No pronunciamento em cadeia de rádio e TV que fez no domingo passado, Lula disse que seu governo resgatou “políticas de proteção dos direitos das mulheres, do povo negro, dos indígenas, das pessoas com deficiência e LGBTQIA+”. Na falta dos números, porém, não há como saber se Lula está dizendo a verdade, pelo menos no que diz respeito aos yanomamis. A palavra do presidente da República tem grande valor, mas numa democracia essa palavra não basta.

Os obstáculos ao aleitamento materno

Correio Braziliense

Como parte dos objetivos da Agenda 2030 da ONU, a expectativa é alcançar uma taxa de 70% de amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida. Nas Américas, esse índice não chega a 38%

Agosto chegou e, com ele, a campanha conhecida como Agosto Dourado, uma forma de conscientizar as pessoas sobre a importância do aleitamento materno. A data completa 34 anos e foi um esforço da Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância  (Unicef), para ser implementada. O dourado é justamente para simbolizar o padrão ouro da alimentação infantil — no caso, o leite materno.

Dessa parceria, foi gerado o relatório Declaração de Innocenti, com o objetivo de estimular os países a articularem a promoção da amamentação, além de ter sido fundada a Aliança Mundial de Ação Pró-Amamentação. No Brasil, a Lei n.º 13.435, de 2017, reforça as ações em prol da saúde e do bem-estar do bebê. Segundo o Ministério da Saúde, o leite materno reduz em 13% o risco de morte nos primeiros anos de vida. No caso da mãe, a amamentação ajuda na recuperação pós-parto e reduz o risco de certas doenças como câncer de mama e ovário.

Ainda assim, falar em leite materno no Brasil e no mundo está muito distante do que preconiza a OMS. Dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) mostram que, em todo o planeta, apenas 44% das crianças são amamentadas de forma exclusiva nos primeiros seis meses de vida. Nas Américas, esse índice não chega a 38%, e somente 32% das crianças continuam sendo amamentadas até os 2 anos. No que diz respeito aos países da América Latina e do Caribe, na primeira hora de vida dos bebês — primordial para a sua sobrevivência —, menos da metade deles, 48%, é alimentada.

Como parte dos objetivos da Agenda 2030 das Nações Unidas, a expectativa é alcançar uma taxa de 70% de amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida ou, a curto prazo, 50% até 2025. Portanto, aumentar os índices de aleitamento materno no Brasil é mais que urgente.

Aos desafios numéricos, somam-se questões que afetam a sociedade brasileira como um todo. Embora a amamentação seja um gesto valoroso e extremamente benéfico para mãe e filho, as mulheres ainda enfrentam dificuldades que passam pelo próprio ato de amamentar. Dores e lesões por conta da sucção muitas vezes requerem cuidados médicos, que nem sempre são acessíveis. Algumas mães também sofrem com o formato dos mamilos e possíveis infecções.

Também é fato que as mulheres ainda estão sujeitas a pressão social e tabus ligados ao aleitamento materno. Muitas se sentem obrigadas a amamentar seus bebês mesmo com dores severas e nem sempre estando aptas por outras questões de saúde. Assim como são comuns os relatos de constrangimento e até ataques quando se decide amamentar uma criança em público. 

A boa notícia é que o Brasil é reconhecido mundialmente por seu programa de doação de leite humano, investindo, mais especificamente, em bebês prematuros ou de baixo peso (menos de 2,5kg). A cada ano, 330 mil crianças brasileiras nascem prematuras e dependem dos bancos de doação de leite para receber os principais nutrientes. Esses bebês representam aproximadamente 11% do total dos nascimentos no Brasil, que chegam a 3 milhões por ano. 

Há no país um movimento de aumento das doações — de 8% de 2022 para 2023 —, e a meta do governo é elevar em mais 5% de 2023 para 2024. Porém, mesmo com os avanços, os problemas persistem, sinalizando que o poder público não é o único ator capaz de adotar medidas que, de fato, protejam mãe e filhos desde as primeiras horas após o parto.  

 

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