Valor Econômico
A questão ambiental não é apenas a questão do
meio ambiente, mas a questão social da relação homem-natureza, a relação
mediadora da necessidade de transformação social
Antes mesmo de se difundir o que vem sendo
chamado de consciência ambiental, começavam a ter visibilidade, entre nós,
manifestações populares espontâneas de outra variante dessa consciência. A que
pode ser definida como consciência prática da relação homem-natureza, a
consciência do vivido.
Migrantes vindos da roça, em recantos de favelas, na beira de riachos, nas sobras de terra urbana, semearam hortas e pomares, na tradição dos tempos coloniais das terras comunitárias. Acompanhei em São Paulo e no subúrbio a proliferação, nessa perspectiva, de versões populares do que Ernst Götsch, na Bahia, em seu notável experimento de regeneração produtiva do solo, chama de agrofloresta.
O antagônico da destruição decorrente da
expansão da economia neoliberal, do capitalismo rentista, lucrativo no curto
prazo e anticapitalista no tempo histórico. A desvalorização de tudo que não é
imediatamente lucrativo, como tradições e pessoas.
Um senso comum de amadores da economia foi
ocupando o lugar do que o pensador italiano Antonio Gramsci definiu como bom
senso. A satanização de Gramsci pelos porta-vozes dessa modalidade de pobreza
mental é bem expressão da visão redutiva de mundo dos patronos do lucro sem
moral. Ou o que Thompson, em estudo célebre, define como economia moral, a que
motivou a derrubada da Bastilha em 1789.
Coisa de gente tosca que se autodefine “de
direita”, não porque saiba o que quer e o que pode, mas justamente porque não o
sabe. Os que definem como de esquerda, supondo estigmatizá-los, quem e o que
lhes revela as irracionalidades e a mentalidade do caos. Gente daquela
melancólica reunião de governo de 22 de abril de 2020, quando o ministro da
área ambiental sugeriu a possibilidade legal de, através de normas infralegais,
contornar e violar as regras ambientais passando por baixo do arame farpado da
lei.
Direita, como a brasileira, que não tem
propriamente medo do comunismo, pois não sabe o que ele é. Tem, sim, medo do
conhecimento cientificamente fundamentado que explica a realidade e suas
tensões inovadoras. Tem medo do humanismo da tradição popular. Afirma-se
conservadora, quando é apenas reacionária. Agarra-se ao presente de
contradições e irracionalidades lucrativas porque tem medo das transformações
sociais que emancipam e libertam as vítimas da injustiça econômica e da
opressão social.
Basicamente, seus agentes sabem que não têm
competência para construir o país do futuro nem para nele viver. Cospem no
amanhã da pátria e no seu futuro histórico. É o escarro da sociedade do
absurdo.
É justamente a concepção popular da questão
ambiental, em países como o nosso, um dos refúgios da tradição conservadora,
como expressão de um modo de vida excluído das relações econômicas dominantes.
Último reduto dos grandes legados da história social e cultural, das pequenas
maravilhas do saber dos simples.
Âmbito em que o ser humano se reconhece como
ser totalizador e de totalidade em movimento. Isto é, como ser conectado com
todos os domínios da vida na relação entre o homem e a natureza, o todo que
propõe desafios e dá sentido à vida. Nessa perspectiva, as lutas sociais são
lutas contra a vida sem sentido. Essa é a visão de mundo de esquerda. O resto é
resto.
Quem é o protagonista desse mundo da
liberdade, da superação, da humanização do homem e da transformação social?
Teve momento em que os pensadores sociais demonstravam que o protagonista era a
classe operária. Mas a sociedade capitalista sujeitou e fragilizou a classe
trabalhadora ao minimizar o trabalho e transformar o próprio desemprego em
fator de lucro e de lucratividade.
O sujeito da nova realidade possível é o
homem simples, sujeito da contradição representada pelas vítimas incapturadas
do desenvolvimento econômico socialmente excludente.
É nessa perspectiva que a questão ambiental
não é apenas a questão do meio ambiente, mas a questão social da relação
homem-natureza, a relação mediadora da necessidade de transformação social. A
que propõe o homem de necessidades como autor das mudanças sociais. O homem não
como produtor de coisas, de porcas e parafusos.
O homem dessa realidade é produtor do seu
destino possível. Seu modo residual de ser, de viver e sobreviver e de pensar é
fundamento da crítica de um modo capitalista de lucrar que já não coincide com
um modo capitalista de participar nem mesmo na produção. Milhões de
desempregados são disso o documento vivo.
No mundo inteiro, são muitíssimas as formas
de insurgência contra a devastação da natureza e o negócio da destruição
ambiental. O que com Lefebvre defino como insurgência da vida residual e
insubmissa de resistência à alucinada economia da destruição lucrativa.
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