quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Míriam Leitão - Surpresas do PIB e sinais de alerta

O Globo

As notícias positivas previstas por bons economistas no início do ano estão se confirmando: basta ver os dados do PIB e do emprego

A frase mais comum na economia ultimamente é que os dados surpreenderam. O PIB do segundo trimestre foi mais uma surpresa, assim como foram os números do mercado de trabalho. Há um debate global na economia sobre a falta de precisão dos modelos de projeção em alguns indicadores. Mas o mais importante que isso é entender que, até agora, houve uma série de boas notícias. A economia crescerá perto de 3% pelo terceiro ano e o componente do PIB que mais subiu neste segundo trimestre foi o investimento. A atividade econômica está mais disseminada pela indústria e pelos serviços, ao contrário do crescimento impulsionado apenas por um setor, como ocorreu no ano passado com o agro.

Escrevi aqui na coluna que este ano seria de crescimento maior do que o previsto e com uma qualidade maior. Disse isso, por exemplo, no texto publicado em 3 de março, a “Fotografia da economia”. Desde o início do ano, entendi que era preciso preparar-se para as surpresas positivas. Elas estão se confirmando, ainda que haja sombras no horizonte. Um economista que ouvi na ocasião foi Mansueto Almeida, do BTG, e ele previa o que está acontecendo: um crescimento melhor, com recuperação do crédito, dos salários e melhora gradual do investimento.

A indústria e os serviços avançaram no trimestre, e o resultado não pode ser minimizado pelo dado divulgado ontem pelo IBGE que mostrou queda na produção industrial em julho. A construção civil subiu 3,5%, o que explica a forte alta na venda de imóveis. A indústria de transformação avançou 1,8% ante o primeiro trimestre e 3,6% na comparação com mesmo período de 2023. É difícil a indústria crescer mais do que o PIB. Tudo isso não apaga o fato de que esse setor carrega uma perda estrutural e continua abaixo do seu pico histórico.

O investimento foi o componente do PIB que mais cresceu no trimestre. A FBCF, Formação Bruta de Capital Fixo, teve alta de 2,1% e de 5,7% na comparação interanual. Isso dá mais sustentação para o crescimento ao longo do tempo. No entanto, a taxa de investimento ainda em 16,8% é baixa demais para a necessidade da economia de manter seu crescimento sustentado no tempo.

O PIB ter crescido 1,4%, no mesmo trimestre em que a quarta economia brasileira, o Rio Grande do Sul, mergulhou num desastre de proporções históricas, tem um significado. Representa, por óbvio, que o governo federal agiu rápido e bem em socorrer a economia gaúcha, por mais que a briga política e as demandas naturais mantenham os pedidos por ajuda. A tragédia climática que afogou o Sul, e agora seca os rios amazônicos, é um grito da natureza sobre como temos sido displicentes com todo o patrimônio natural e como somos vulneráveis à mudança do clima.

O mercado de trabalho está no seu melhor momento em dez anos, voltando aos níveis de desemprego entre 6% e 7% que havia até 2014, quando começou a escalada da destruição de postos de trabalho provocada pela recessão de 2015/2016. Agora, apareceram sinais de falta de trabalhadores em determinadas áreas. Na coluna do dia 3 de março, o economista José Roberto Mendonça de Barros apostava num crescimento do PIB de 2,5%, quando a maioria das projeções estava em 2% ou abaixo disso. E alertava que já tinha ouvido relatos da construção civil que havia escassez de mão de obra.

Mesmo com um mercado de trabalho com muita oferta de vagas, e no qual tem havido recuperação de salário e renda, a parte difícil é carregada pelos de sempre. Dos quase 1,7 milhão de pessoas que procuram emprego há mais de dois anos, o chamado desemprego de longo prazo, a maioria é de mulheres e de negros, como informou o Valor na terça-feira, em matéria de Lucianne Carneiro. O Brasil é especialista em criar desigualdade.

Comecei esta coluna dizendo que a expressão “os dados surpreenderam” tem sido comum ultimamente. Nos últimos três anos, mesmo sem contar 2024, o mercado subestimou em sete pontos percentuais a alta do PIB. Se havia uma atenuante na época da pandemia, agora o que existe é a necessidade de revisão dos modelos. Bons economistas têm falado disso como Fernando Honorato do Bradesco, numa entrevista que me concedeu na GloboNewsO presidente do BC, Roberto Campos Neto, também me disse isso na recente entrevista ao GLOBO. Até Jerome Powell, do Fed, fez esse alerta em Jackson Hole. Sugeriu humildade aos economistas. É hora de voltar à mesa de trabalho, para não ficar sempre correndo atrás da realidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

A colunista quis dizer: "Macedo e Ming não são bons economistas."

ADEMAR AMANCIO disse...

A colunista escreve sobre economia de forma clara,muito bom seus artigos.