quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Joseph Stiglitz - A economia dos EUA se Trump vencer

Valor Econômico

Embora demagogos populistas como Trump não se importem com déficits, investidores nos EUA e no exterior deveriam ficar preocupados

A eleição presidencial dos Estados Unidos em novembro é crucial por muitos motivos. O que está em jogo não é apenas a sobrevivência da democracia americana, mas também a gestão apropriada da economia, com implicações de grande alcance para o resto do mundo.

Os eleitores deparam-se com uma escolha não apenas entre diferentes políticas econômicas, mas entre os diferentes objetivos dessas políticas. Embora a candidata democrata, a vice-presidente Kamala Harris, ainda não tenha detalhado plenamente sua agenda, ela deverá continuar com os pilares básicos do programa de Joe Biden, entre os quais políticas sólidas para manter a concorrência entre empresas, preservar o ambiente, reduzir o custo de vida, sustentar o crescimento, reforçar a soberania e a resiliência econômica nacional e mitigar a desigualdade social.

Em contraste, o ex-presidente Donald Trump não tem interesse em criar uma economia mais justa, sólida e sustentável. O que chapa republicana oferece, em vez disso, é um cheque em branco para as empresas de petróleo e carvão e uma aproximação a bilionários como Elon Musk e Peter Thiel. É uma receita para tornar a economia dos EUA mais fraca, menos competitiva e menos igualitária.

Além disso, embora uma boa gestão econômica exija definir metas e criar políticas para alcançá-las, a capacidade de responder a choques e aproveitar novas oportunidades não é menos importante. Já temos uma noção de como cada candidato se sairia. Trump falhou miseravelmente na resposta à covid-19, o que resultou em mais de 1 milhão de mortes. No momento em que os EUA precisavam desesperadamente de liderança, ele sugeriu que as pessoas injetassem água sanitária.

A resposta a eventos sem precedentes exige tomar decisões difíceis, baseadas no que houver de melhor na ciência. Em Kamala, os EUA têm uma pessoa que seria ponderada e pragmática ao pesar os prós e contras e ao elaborar soluções equilibradas. Em Trump, temos um narcisista impulsivo que prospera no caos e rejeita a experiência científica.

Vejamos a resposta dele ao desafio representado pela China: uma proposta de aplicar tarifas alfandegárias de 60% ou mais. Como qualquer economista sério poderia ter dito a ele, isso elevaria os preços - não apenas dos bens importados diretamente da China, mas também de inúmeros outros bens que contêm insumos chineses. Portanto, os americanos de baixa e média renda arcariam com a maior parte do custo. À medida que a inflação aumentasse e o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) fosse forçado a elevar juros, a economia seria atingida por um golpe triplo, de desaceleração do crescimento, aumento da inflação e maior desemprego.

Para agravar a situação, Trump adotou a posição extrema de ameaçar a independência do Fed (o que não é surpresa, considerando seu empenho em minar a independência do Judiciário e do serviço público). Outro governo Trump, portanto, introduziria uma fonte persistente de incertezas econômicas, o que deprimiria o investimento e o crescimento, e quase certamente elevaria as expectativas inflacionárias.

As propostas de políticas fiscais de Trump são igualmente perigosas. Lembremos do corte de impostos de 2017 para empresas e bilionários, que não serviu para estimular mais investimentos e apenas incentivou a recompra de ações. Embora os republicanos ainda estejam por ver um corte de impostos dos ricos pelo qual não caiam de amores, alguns pelo menos reconheceram que a política aumentaria os déficits orçamentários e, assim, incluíram uma cláusula de vencimento, que começa a entrar em vigor em 2025. No entanto, ignorando as evidências de que aplicar reduções tributárias para os ricos com a ideia de que o efeito positivo se dissemine aos escalões de renda inferiores é algo que não funciona e não se paga, Trump quer renovar e, depois, aprofundar o corte de 2017 de maneiras que adicionariam trilhões de dólares à dívida nacional.

Embora demagogos populistas como Trump não se importem com déficits, investidores nos EUA e no exterior deveriam ficar preocupados. O inchaço de déficits provocado por gastos que não aumentam a produtividade incrementaria ainda mais as expectativas de inflação, prejudicaria o desempenho econômico e exacerbaria a desigualdade.

Trump adotou a posição extrema de ameaçar a independência do Fed, o que introduziria uma fonte persistente de incertezas econômicas, deprimiria o investimento e o crescimento, e quase certamente elevaria as expectativas inflacionárias

Da mesma forma, revogar a Lei de Redução da Inflação do governo Biden não seria apenas ruim para o meio ambiente e a competitividade dos EUA em setores vitais para o futuro do país; também eliminaria disposições que reduziram o preço de produtos farmacêuticos, o que elevaria o custo de vida.

Trump (e os juízes nomeados por ele) também querem reverter as fortes políticas de concorrência do governo Biden-Kamala, o que - também - elevaria a desigualdade e enfraqueceria o desempenho econômico ao consagrar os que detêm poder de mercado e sufocar a inovação. E ele eliminaria iniciativas de créditos universitários com disposições mais bem condicionadas à renda dos estudantes para incrementar o acesso ao ensino superior, o que, em última análise, diminuiria o investimento no setor que os EUA mais precisam para enfrentar os desafios de uma economia do século XXI.

Isso nos leva às características da agenda de Trump, que são muito preocupantes para o sucesso econômico de longo prazo dos EUA. Primeiro, outro governo Trump dizimaria o financiamento à tecnologia e à ciência básica, a fonte da vantagem competitiva e do aumento do padrão de vida dos EUA ao longo dos últimos 200 anos. Não é preciso dizer que a força econômica do país não está em cassinos, campos de golfe ou hotéis extravagantes.

Em seu governo, Trump propôs grandes cortes na ciência e tecnologia em quase todos os anos, mas parlamentares republicanos que não eram extremistas vetaram essas reduções no orçamento. Desta vez, porém, seria diferente, porque o Partido Republicano se tornou um culto pessoal de Trump. Pior, o partido declarou uma jihad contra as universidades, inclusive as instituições de ponta, que expandem os limites do conhecimento, atraem os melhores talentos do mundo e sustentam a vantagem competitiva do país.

Ainda pior, Trump está comprometido a enfraquecer o Estado de Direito, tanto interna quanto externamente. O longo histórico de Trump de se recusar a pagar fornecedores e contratados fala sobre seu caráter: ele é um valentão, que usará qualquer poder que tiver para roubar quem puder. No entanto, o problema se torna ainda maior quando ele apoia insurrecionistas violentos. O Estado de Direito não é apenas algo que devemos valorizar por si só: é crucial para o bom funcionamento da economia e da democracia.

Enquanto rumamos para o quarto trimestre de 2024, é impossível saber quais choques a economia enfrentará nos próximos quatro anos. Uma coisa, entretanto, é clara: a economia de 2028 estará muito mais forte, mais igualitária e mais resiliente se Kamala for eleita. (Tradução de Sabino Ahumada)



2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente! "Trump falhou miseravelmente na resposta à Covid-19, o que resultou em mais de 1 milhão de mortes. No momento em que os EUA precisavam desesperadamente de liderança, ele sugeriu que as pessoas injetassem água sanitária."
No Brasil, também Bolsonaro falhou miseravelmente na resposta à Covid, o que fez com que o Brasil, com 2,7% da população mundial, tivesse 10% dos mortos por Covid no mundo. Quando o Brasil precisava desesperadamente dum líder, o GENOCIDA dizia que a vacina transformava pessoas em jacarés, combatia as recomendações da OMS e oferecia cloroquina pras emas do Palácio, depois de nomear um general ignorante como Ministro da Saúde!
GENOCIDAS canalhas, Trump e Bolsonaro!

Anônimo disse...

Como bem descreve o colunista, Trump é um covardão "que usará qualquer poder que tiver para roubar quem puder."