Anistia a golpismo e impeachment no STF são absurdos
O Globo
Investigados pelo 8 de Janeiro devem ser
condenados ou inocentados em julgamentos justos
Em manifestação na Avenida
Paulista, em São Paulo, partidários do ex-presidente Jair
Bolsonaro defenderam a anistia aos processados pelo 8 de
Janeiro, ao próprio Bolsonaro na esfera eleitoral e o impeachment do
ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
responsável pelos inquéritos relativos a atos antidemocráticos e à disseminação
de desinformação. Nenhuma das ideias tem o menor cabimento.
Moraes se tornou uma espécie de alvo preferencial dos bolsonaristas por conduzir inquéritos que tramitam em segredo de Justiça e têm resultado em medidas contra parlamentares, aliados e propagandistas de Bolsonaro. Ao colocá-lo a seu lado no palanque do 7 de Setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também ajuda, de modo impróprio, a lhe conferir um protagonismo político incompatível com o papel de um juiz. Mas é preciso ir além das aparências para avaliar os fatos.
É verdade que, em diversas ocasiões, Moraes
extrapolou nas decisões tomadas nesses inquéritos — mais recentemente, nas
punições contra usuários da rede social X e seu dono, o empresário Elon Musk.
Nada disso justifica, porém, que investigações devam ser anuladas ou que deva
haver algum tipo de anistia. Muito menos que estejam dadas as condições para
uma medida excepcionalíssima como o impeachment de um ministro do Supremo.
É preciso ser rigoroso com o golpismo que
tomou conta do país desde a campanha eleitoral de 2022 e culminou no vandalismo
do 8 de Janeiro. Já está provado que, depois da derrota de Bolsonaro, houve
minutas de decretos para mantê-lo no poder, reuniões com a cúpula das Forças
Armadas — parte dela sucumbiu, mas felizmente a maioria
resistiu à insinuação golpista — e uma conspiração que se materializou em
acampamentos diante de quartéis do Exército, em tentativas de atentado num
aeroporto e contra torres de energia, em bloqueios de estradas e no pior ataque
já visto aos símbolos da República. Nada disso pode passar impune.
O próprio Bolsonaro foi corretamente julgado
inelegível em razão de sua pregação fraudulenta contra as urnas eletrônicas
diante de autoridades internacionais. O mais importante agora é que a Polícia
Federal conclua com celeridade as investigações contra as
centenas de envolvidos no 8 de Janeiro e que a Procuradoria-Geral da República,
que tem tomado parte nos inquéritos conduzidos por Moraes, se encarregue de
apresentar denúncia nos casos que julgar adequados, arquivando aqueles em que
as provas forem insuficientes.
Os culpados pelo golpismo devem ser
sentenciados nos termos da lei, com direito a todos os recursos que a
legislação lhes oferece. Quanto aos eventuais erros que Moraes possa ter
cometido na condução dos processos, o próprio Judiciário deve se encarregar de
corrigi-los quando acionado nas devidas instâncias.
Acirrar a polarização por meio de ataques ao
Supremo pode interessar a quem perdeu a eleição e gostaria de retomar o poder.
Mas não interessa ao Brasil. A democracia brasileira depende do repúdio e da
condenação a todos os crimes cometidos contra ela. O país tem de recobrar um
clima de normalidade. E, com tantos problemas mais urgentes para resolver em
segurança, saúde, educação, infraestrutura ou meio ambiente, a última coisa de
que precisa é um processo de impeachment contra um ministro do Supremo
Permanência de Silvio Almeida no governo era
insustentável
O Globo
Alta nos casos de assédio mostra importância
da conscientização e do acesso a canais de denúncia
A demissão de Silvio
Almeida do Ministério dos Direitos Humanos, por acusações de
assédio sexual, foi a decisão correta. Nos termos precisos da nota do Planalto,
era mesmo “insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a
natureza das acusações”. A Polícia
Federal abriu investigação, e a Comissão de Ética Pública da
Presidência também apurará os fatos. Respeitada a presunção de inocência,
Almeida terá agora a chance de se defender, sem usar o poder que o cargo lhe
conferia. O caso também oferece a oportunidade de avaliar os avanços da
sociedade brasileira ao lidar com tema tão sensível — e infelizmente ainda tão
presente.
Durante todo o ano de 2021, houve 178
denúncias de assédio sexual envolvendo servidores públicos federais à
Controladoria-Geral da União (CGU).
Esse número saltou para 531 em 2022, ano em que o então presidente da Caixa
Econômica Federal, Pedro
Guimarães, foi demitido, após ser alvo de denúncias. No ano passado,
chegou a 920. Neste ano, entre janeiro e agosto, foram 557 denúncias, a maior
parte de órgãos vinculados ao Ministério da
Saúde e universidades federais. A alta nos casos não se
restringe ao setor público. Foram registrados 7.188 ocorrências de assédio
sexual no Brasil em 2023, ou 28,5% acima do ano anterior, segundo o último
Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A importunação sexual — situação em
que não existe necessariamente relação hierárquica entre criminoso e vítima —
somou 41.371 casos, crescimento de 48,7%.
Não há razão para supor que os episódios
dessa natureza estejam aumentando tanto. A hipótese mais provável é que antes
havia mais subnotificação. Com mais mulheres conscientes de seus direitos e
maior facilidade de acesso a canais de denúncia, há mais luz sobre o problema.
Há anos era comum fazer vista grossa a casos com indícios semelhantes aos
contra Almeida. Agora ficou mais difícil.
Não é difícil enxergar a diferença entre
flerte e assédio ou importunação. Usar condição hierárquica superior ou
ascendência para constranger e obter favores sexuais é crime. Beijar ou passar
a mão no corpo de alguém sem consentimento também é inaceitável. Não há nada de
flerte quando uma mulher é coagida a aceitar investidas ou é importunada.
A violência é dolorosa para as vítimas. É
comum questionarem, ficarem em dúvida ou com sentimento de culpa. Como na
maioria dos casos não há provas materiais, temem por novo assédio ou se sentem
desmotivadas a acusar os agressores. Felizmente, os serviços oficiais de
denúncia ou de ONGs que garantem o sigilo transformaram essa lógica. Podem não
ser a solução ideal por abrir a possibilidade para eventuais denúncias falsas,
mas sem dúvida são um avanço. É verdade que ninguém deve ser condenado por
antecipação, mas, em situações tão sensíveis, a palavra das vítimas sempre deve
ter peso maior. Os assediadores geralmente mantêm um padrão de comportamento.
Quando desmascarados, são incapazes de calar várias vozes. É preciso expor seus
crimes.
Bolsonarismo dá sinal de descompasso com a
base
Folha de S. Paulo
Movimento reuniu multidão menor no 7 de
Setembro em meio a disputas internas; populismo tende ao desgaste na democracia
O bolsonarismo, ao menos observado a olho nu,
não parece o mesmo movimento que eletrizou parcelas volumosas da sociedade
brasileira nos últimos anos.
O ato do Dia
da Independência na Paulista foi menor e menos impactante que
os dos anos anteriores -embora tenha reunido muito mais gente que o desfile em
Brasília com Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Perdeu largamente da mobilização
de fevereiro, quando investigações sobre conspirações subversivas apertavam o
cerco a Jair Bolsonaro (PL).
Teria sido ainda mais discreto o evento de
sábado (7), pode-se cogitar, sem a proibição do X decretada pelo ministro Alexandre de
Moraes, decisão que deu impulso de última hora ao comparecimento no
ato direitista.
É cedo para diagnosticar uma tendência
minguante na força centrípeta da corrente que, no Brasil, encarna o populismo
conservador em voga nos
países de tradição política ocidental.
Um teste mais objetivo a respeito ocorrerá
nas eleições municipais
de outubro. Bolsonaro tem percorrido o país ungindo candidatos de sua
preferência, e as urnas, demagogicamente atacadas pelo movimento, darão uma
medida da influência do seu líder.
Ao menos no Rio de
Janeiro, o candidato apoiado por Bolsonaro, Alexandre
Ramagem (PL), caminha para levar uma surra do atual
prefeito, Eduardo Paes (PSD), a julgar
pelo Datafolha.
Na disputa pela prefeitura paulistana, o
poder do ex-presidente foi colocado em dúvida no recente entrevero entre o
círculo de Bolsonaro, de um lado, e Pablo Marçal (PRTB),
do outro.
Diante da adesão inicial da base mais radical
e barulhenta da direita ao assim chamado ex-coach, Bolsonaro viu-se obrigado a
recuar na ofensiva que ensaiou contra o outsider da autoajuda.
Até agora o ex-mandatário evita
atirar-se explicitamente no barco do candidato que formalmente apoia —Ricardo Nunes (MDB)— e cujo
vice designou. Sua posição em cima do muro contrasta com a militância ostensiva
do governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos) pela reeleição do prefeito de São Paulo.
O episódio mostra uma base indisposta a
seguir cegamente a orientação do líder e aberta à apresentação de novatos que
não estejam vinculados à tutela bolsonarista, embora adiram ao mesmo torneio de
boçalidades.
Hipótese ainda a confirmar-se, o declínio do
bolsonarismo não seria nenhuma surpresa. O maior desafio dos agrupamentos
populistas em ambientes democráticos é mesmo o de sustentar-se por longos
períodos, em especial quando são chamados a governar e a demonstrar na prática
a inviabilidade das suas bravatas.
O próprio funcionamento do regime dos freios
e contrapesos, da livre competição partidária e da alternância no poder acaba
por minimizar as ameaças às bases da democracia que possam advir desses
movimentos políticos. Eles tendem, inexoravelmente, ao desgaste.
Energia cara é um gargalo da economia
brasileira
Folha de S. Paulo
Estudo revela custo de R$ 100 bi com regras
mal desenhadas; deve-se focar na eficiência do modelo que modernizou o setor
Quando se trata do custo da energia, insumo
essencial para a produção em geral e a competitividade da industria em
particular, o Brasil está longe das melhores práticas globais e erodindo sua
posição como potencial destino de investimentos.
Empresas brasileiras pagam muito mais que
seus concorrentes nas modalidades principais, da energia elétrica ao gás
natural.
As famílias arcam com uma conta de
luz que é uma das maiores do mundo —ainda mais quando se
considera o nível médio de renda da população brasileira.
A causa é o acúmulo de políticas mal
desenhadas e a submissão a interesses particulares que encontram guarida no
governo e no Congresso Nacional.
Pesquisa da Abrace, associação que representa
mais de 40% do consumo industrial de energia do país, mostra que há
cerca de R$ 100 bilhões anuais em ineficiências e subsídios, 20%
acima do que se verificaria na projeção de uma regulação mais eficiente.
Desse total, mais de R$ 30 bilhões decorrem
de ações mal desenhadas, que vão do excesso de subsídios às fontes renováveis
até valores para favorecer fontes poluentes, como o carvão.
Ainda no mandato de Jair
Bolsonaro (PL), incentivos foram
prolongados sem necessidade. Boa parte da geração distribuída ainda não paga
pelo uso da rede de transmissão, conta que é repassada aos consumidores.
Do mesmo modo, a meritória privatização
da Eletrobras não
veio sem encargos, caso da obrigatoriedade de contratação de usinas
termelétricas a gás em locais de viabilidade duvidosa.
No caso do gás, o quase monopólio da Petrobras e
interesses estaduais na distribuição levam os custos a patamares muito
superiores aos de outros países.
Outros R$ 63 bilhões anuais se referem a
custos como a aquisição de energia mais cara contratada no mercado regulado das
distribuidoras e taxas para a iluminação pública, entre outros.
A má gestão estatal também se dá na usina de
Itaipu —que deveria gerar energia barata, já que os investimentos foram
totalmente amortizados. Mas o governo usa a empresa para outras ações, como
aportes em infraestrutura para servir a interesses paroquiais.
A agência regulatória Aneel sofre com
indicações politicas e carência de recursos para que possa cumprir seu papel.
É preciso resgatar a visão que norteou o processo de modernização do setor nos anos 1990. Gestão profissional, foco na eficiência do sistema e barateamento do insumo essencial. O que se vê até agora, porém, é a continuidade de práticas perniciosas.
Está faltando prudência ao Supremo
O Estado de S. Paulo
Nem Lula deveria ter convidado Moraes para
posar a seu lado no 7 de Setembro nem o ministro deveria ter aceitado; de Lula
não se esperava outra coisa, mas ao STF se impunha mais cautela
O Supremo Tribunal Federal (STF) perdeu uma
ótima oportunidade de sinalizar à grande parcela da sociedade que passou a ver
com desconfiança a atuação da Corte que não é, como parece ser, uma espécie de
instância superior de decisões políticas – ou seja, um tribunal parcial. Não é
de hoje que o STF abriu mão da prudência republicana. Mas, como o 7 de Setembro
deixou claro, nada indica, ao contrário, que a Corte esteja genuinamente
interessada em retomar o bom trilho da autocontenção.
Sobrepondo seus interesses políticos à
institucionalidade, o presidente Lula da Silva convidou o ministro do STF
Alexandre de Moraes para figurar na primeira fileira do palanque de autoridades
na celebração oficial da Independência, em Brasília. Tratou-se de um inequívoco
gesto de desagravo a Moraes, que, horas depois, a cerca de mil quilômetros
dali, seria hostilizado por Jair Bolsonaro e seus apoiadores na Avenida
Paulista.
Lula da Silva fez o que dele se esperava. O
petista usou a deferência a Moraes – na prática, tratado como chefe de Poder –
para alimentar a renhida polarização com Bolsonaro, que tanto interessa a
ambos. Mas não é improvável que o próprio ministro do STF também tenha usado o
convite para demonstrar força política, o que, por óbvio, não se coaduna com a
conduta esperada de qualquer magistrado que se pretende sério e justo.
A força de Moraes, ou a de qualquer juiz,
seja qual for seu grau de jurisdição, advém fundamentalmente de sua
imparcialidade e da acuidade jurídica de suas decisões, ainda que delas se
possa discordar. Um juiz não é mais “forte” ou mais “fraco” por sua capacidade
de granjear apoios em torno de sua figura. Evidentemente, recusar o convite do
presidente da República seria uma desfeita inconcebível. Mas Moraes poderia ter
optado por ficar ao lado de seus colegas de STF em fileiras mais afastadas da
principal, reservada tradicionalmente aos chefes dos Três Poderes, ao ministro
da Defesa e aos comandantes das Forças Armadas.
Mas Moraes não apenas se postou ao lado de
Lula da Silva e do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, como ainda
se deixou fotografar com eles, com a evidente intenção de transmitir ao País um
sinal de que suas decisões, por mais controvertidas que sejam, contam com o
respaldo dos chefes dos Poderes Executivo e Judiciário. Deveria ser ocioso
lembrar, mas o amparo pelo qual Moraes deveria ansiar é o da Constituição. E
deste, é forçoso dizer, muitas de suas decisões têm carecido, sobretudo as tomadas
no âmbito dos onipresentes inquéritos das fake news e das milícias digitais.
Como se nada disso bastasse, alguns ministros
do STF ainda participaram de um convescote organizado por Lula da Silva no
Alvorada, após o desfile do 7 de Setembro. Entre uma garfada numa fatia de
costela e outra no feijão tropeiro servidos aos comensais, consta que
magistrados e integrantes do governo fizeram troça da manifestação convocada
por Bolsonaro para fustigar Moraes e, de quebra, pedir anistia política e
criminal para ele e outros golpistas envolvidos no 8 de Janeiro. Mais uma vez,
faltou prudência ao STF. E faltou respeito aos seus críticos, haja vista que
nem todo reparo à Corte tem sido feito por quem quer a sua deslegitimação, mas,
antes, apenas deseja ver o STF circunscrito ao seu papel constitucional.
É curioso imaginar qual seria a reação dos
petistas se acaso Bolsonaro ainda fosse o presidente da República e desse aos
ministros Nunes Marques ou André Mendonça a mesma deferência dada por Lula da
Silva a Alexandre de Moraes – alguém que até outro dia, apenas por ter sido
indicado à Corte pelo “golpista” Michel Temer, era chamado de “fascista” ou
coisa pior pela mesma turma que hoje o saúda como herói nacional.
A política e seus protagonistas passam. O
STF, porém, haverá de permanecer como uma das mais importantes instituições da
República. Portanto, pairar acima das lides políticas, como a última linha de
defesa da Constituição, deveria não só ser entendido pelos ministros da Corte
como sua missão fundamental, mas também servir como norte indesviável de seu
comportamento.
Lula, de estadista a bobo da corte
O Estado de S. Paulo
Lula se julga o líder da esquerda
latino-americana, enquanto o companheiro Maduro o despreza e ameaça a soberania
brasileira sem receber do petista uma resposta à altura
Na sexta-feira, milicianos encapuzados
cercaram a Embaixada da Argentina em Caracas, que está sob custódia do Brasil
desde que o governo chavista expulsou o corpo diplomático argentino. O prédio
abriga seis opositores venezuelanos. No sábado, Nicolás Maduro revogou a
autorização do Brasil para assumir a embaixada. A eletricidade foi cortada e só
foi restabelecida no domingo, quando o cerco foi dispersado. Concomitantemente,
o candidato da oposição, Edmundo González, alvo de uma ordem de prisão exarada
pelos juízes fantoches de Maduro, se juntou a quase 8 milhões de venezuelanos
refugiados e foi recebido como exilado pela Espanha.
Esses incidentes expõem com chocante clareza
três fatos. Primeiro, que classificar o que aconteceu na Venezuela como
“fraude” às eleições já virou um eufemismo. O povo venezuelano, que, segundo
todas as evidências, elegeu González com dois terços dos votos, é literalmente
vítima de um assalto à mão armada. Segundo, que o regime chavista não só
violará regras internacionais, mas acordos com o Brasil e a própria soberania
brasileira sempre que julgar conveniente. Terceiro, a pusilanimidade patológica
de Lula da Silva ante essas e outras tantas agressões aos direitos dos
venezuelanos e do próprio país que governa.
Líderes da oposição, organizações
independentes e chancelarias de governos diversos – como EUA, Argentina,
Paraguai, Uruguai e Costa Rica – emitiram notas duras de repúdio às ameaças de
Maduro ao Brasil e aos refugiados venezuelanos abrigados por ele. Já o
Itamaraty se restringiu a afirmar burocraticamente a inviolabilidade das
instalações argentinas e também que manteria a sua custódia até que Buenos
Aires indique outro Estado para exercer esta função. Nem uma mísera palavra de
indignação. O máximo de emoção que o Itamaraty foi capaz de exprimir foi
“surpresa”. O resto é silêncio.
Na sexta-feira, o disco quebrado de Lula
voltou a rodar em uma entrevista a uma rádio: ele segue se fazendo de
desentendido em relação às atas que o regime já disse que não publicará e que a
oposição já publicou; sua solução continua a ser “novas eleições”; o
comportamento de Maduro “deixa a desejar”; e seu regime não é uma ditadura, “é
mais um rolo”.
Enquanto Nicolás Maduro promete “banhos de
sangue”, rouba as eleições, declara que só entregará o governo a algum preposto
chavista e persegue opositores, a posição de Lula continua a ser – visto que
não houve retificação – a de que não há nada de “anormal ou grave”. Enquanto o
ditador ameaça invadir um país vizinho que faz fronteira com o Brasil,
questiona a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro e ameaça territórios
sob a custódia do Brasil, Lula vê apenas um regime “desagradável”.
O chavismo sempre usou Lula e o PT para se
legitimar e se financiar, mas Lula e o PT são incapazes de manifestar
indignação, se não pelas agressões ao Brasil, ao menos pela ingratidão do
indigitado companheiro. Não é de hoje que o sangue de barata corre nas veias do
lulopetismo. Foi no governo de Lula que o companheiro boliviano Evo Morales
confiscou refinarias da Petrobras. Foram os governos petistas que financiaram a
cleptocracia de Maduro com empréstimos do BNDES. O calote chega a cerca de R$ 7
bilhões, na prática coberto pelo Tesouro brasileiro. Lula voltou ao poder
garantindo que a Venezuela e outras ditaduras quitariam suas dívidas “porque
são todos amigos do Brasil” – leia-se, de Lula. Muy amigos.
A cortesia com o chapéu alheio – no caso, o
do contribuinte brasileiro – deveria ao menos servir para que Lula refreasse a
sede de sangue dos tiranos companheiros. Mas nem isso. Na semana passada, não
foi o demiurgo petista que logrou a libertação de dezenas de presos políticos
pelo déspota nicaraguense Daniel Ortega, mas o diabo em pessoa: o governo
“estadunidense”.
Reza um ditado que numa mesa de pôquer há
sempre um otário, e se você não sabe quem é, provavelmente é você. Lula se
julga um grande estadista, um líder da esquerda global, uma voz influente no
jogo de poder latino-americano. Mas os fatos mostram bem outra coisa.
A mágica do crédito imobiliário
O Estado de S. Paulo
Nenhuma das ideias para o setor inclui rever
a política fiscal para reduzir os juros
Governo e mercado discutem maneiras de
ampliar as fontes de recursos para o crédito imobiliário, segundo reportagem
publicada pelo Estadão. Diante da debandada de investidores que aplicavam
na caderneta de poupança e da ampliação do uso do FGTS para outras finalidades
que não a compra da casa própria, trata-se de agenda necessária para impedir
que os financiamentos fiquem escassos e ainda mais caros.
Mas há formas e formas de solucionar essa
questão. De acordo com a consultoria Oliver Wyman, é possível aperfeiçoar as
opções de mercado já existentes, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs),
Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras Imobiliárias Garantidas
(LIGs) – todos títulos de renda fixa já consolidados no mercado e também já
utilizados como funding pelo setor.
A Associação Brasileira de Entidades de
Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), por exemplo, sugere a reversão de uma
decisão do Conselho Monetário Nacional que ampliou o prazo de vencimento das
LCIs de 3 meses para 12 meses. Segundo a entidade, essa mudança, anunciada no
início do ano, fez com que as captações caíssem pela metade. Recentemente, após
reclamações, o prazo foi reduzido para nove meses.
Já o governo trabalha com alternativas bem
mais heterodoxas, para dizer o mínimo. A vice-presidente de Habitação da Caixa
Econômica Federal, Inês Magalhães, defende a liberação de parte dos depósitos
compulsórios para dar um fôlego ao setor. Hoje, 65% dos recursos da caderneta
vão para os financiamentos, e a ideia é reduzir os compulsórios de 20% para
15%. A proposta, no entanto, não depende da Caixa, mas do Banco Central, que
raramente adota esse tipo de medida em razão de seus riscos inflacionários – a
última vez foi durante a pandemia.
A outra sugestão da Caixa é a criação de
mecanismos que tornem os investimentos habitacionais atrativos aos fundos de
pensão. Segundo ela, o Brasil é um dos poucos países em que os fundos de pensão
não investem em habitação. Como se pode perceber, a executiva é apenas mais uma
a enxergar nos fundos de pensão um agente de fomento público, como se os
recursos não fossem privados e pertencessem a trabalhadores e aposentados.
Mas talvez o ponto alto das propostas
aventadas seja o uso da estatal Empresa Gestora de Ativos (Emgea) para
estimular a formação de um mercado secundário de financiamentos imobiliários no
País. O tema fez parte de uma medida provisória que caducou no fim de agosto,
mas o governo não parece ter desistido da ideia e discute maneiras de livrar
gestores de eventuais punições pela compra de carteiras podres – que, por
óbvio, vão gerar prejuízos à Emgea.
O crédito imobiliário está estagnado em cerca
de 10% do PIB desde 2015, bem menos que o registrado em muitos países
emergentes. Parte desse problema se deve às taxas de juros muito elevadas, cuja
maior responsabilidade recai justamente sobre o governo. Não surpreende,
portanto, que nenhuma das soluções propostas pelo Executivo federal passe por
rever sua política fiscal, a única forma de reduzir os juros de maneira
estrutural.
Risco fiscal piora perfil da dívida
mobiliária federal
Valor Econômico
Revisão abre espaço para que mais da metade
da dívida mobiliária federal seja caracterizada pela volatilidade e pela
imprevisibilidade
O aumento do risco fiscal teve impacto na
administração da dívida mobiliária federal e desembocou no ajuste que o Tesouro
acaba de fazer no Plano Anual de Financiamento (PAF). Contrariando promessas
feitas no início do ano, o Tesouro vai reduzir a oferta de títulos prefixados
(com rendimento definido na compra) e passar a emitir mais papéis atrelados à
Selic (LFT), sob pressão da demanda. A mudança sinaliza uma piora na composição
na dívida mobiliária e seu provável encarecimento.
No início do ano, a direção do Tesouro
comemorou ter atingido quase todas as metas do PAF de 2023, como a melhora na
estrutura de vencimento da dívida. O prazo médio de vencimento voltou aos
quatro anos e apenas 20% do total venciam em 12 meses. Além disso, foram feitas
em 2023 emissões externas que pagaram juros apenas um pouco acima das taxas dos
títulos do Tesouro dos EUA.
Embalado pelos bons resultados, o secretário
do Tesouro, Rogério Ceron, antecipou que seriam emitidas neste ano Letras do
Tesouro Nacional (LTN), títulos prefixados, de 72 meses. Os prefixados são os
papéis preferidos pelo Tesouro porque dão mais previsibilidade aos
compromissos, e o alongamento do prazo seria bastante favorável. Outro objetivo
era reduzir o percentual da dívida com vencimento em 12 meses para menos de 20%
do total, mesmo tendo que apelar para papéis com taxas flutuantes.
Tudo parecia correr bem até que o cenário
externo começou a mudar após o primeiro trimestre. Surpreendentemente o Japão
elevou os juros, inviabilizando operações de “carry trade” (estratégia de
investimento em moedas com base no diferencial de juros entre dois países) com
a moeda japonesa. Depois, a expectativa de corte dos juros americanos foi
colocada em dúvida com o aumento da inflação nos EUA e sinais de que a economia
estava mais aquecida do que se imaginava. No mercado doméstico, em abril, os
prometidos superávits de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026 foram reduzidos
para 0,25% e 0,5%, respectivamente, com o governo contando basicamente com o
aumento das receitas para atingir as metas.
A previsão de que o Federal Reserve (Fed,
banco central americano) demoraria mais do que se esperava para reduzir os
juros e a deterioração da percepção fiscal causaram turbulência no mercado
financeiro. Mesmo agora, depois que novos números abriram espaço para a redução
dos juros americanos, a expectativa é que a Selic pode até subir. No mercado
futuro de juros, os vencimentos mais longos rondam os 12% ao ano. A taxa dos
títulos atrelados à inflação, as NTN-Bs, superaram os 6% ao ano, o maior nível
em um ano, no fim de abril.
Mais recentemente, houve redução na demanda
por NTN-B, que chamou a atenção do Tesouro, com a concorrência cada vez maior
das debêntures incentivadas, títulos privados que são também corrigidas pelo
IPCA, oferecem juros maiores e não pagam Imposto de Renda (IR). Cálculos do
mercado indicam que as emissões de debêntures incentivadas, somadas às dos
Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do
Agronegócio (CRAs) indexados ao IPCA, superaram as de NTN-Bs no primeiro semestre.
A demanda por títulos públicos passou a se
concentrar nas LFTs, que seguem variação da taxa Selic e que ultrapassaram as
metas do PAF já em julho, tornando inevitável o ajuste anunciado agora. Das
emissões de títulos públicos feitas neste ano, 66% são de LFT, 23% de papéis
prefixados e 10% de indexados ao IPCA.
Ao final de julho, a dívida mobiliária
federal estava em R$ 7,14 trilhões, dentro dos limites estabelecidos pelo PAF
deste ano, de R$ 4 trilhões a R$ 7,4 trilhões, dos quais 4,5% externos. O
percentual que vence em 12 meses correspondia a 17,46%, praticamente estável em
relação ao mês anterior. O prazo médio da dívida - o tempo necessário para que
todos os investidores resgatem todos os empréstimos - subiu ligeiramente, de
4,02 anos em junho para 4,03 anos em julho, mantendo-se acima de 4 anos por um
período de tempo que não ocorria desde antes da pandemia. Entre janeiro e
setembro de 2020, o prazo médio da dívida mobiliária caiu de 4,74 anos para
apenas 2,09 anos, recuperando-se gradualmente.
Foram alterados três pontos do PAF. A
participação das LFTs foi ampliada para 43% a 47%, acima da faixa anterior de
40% a 44%. Em julho, já estava em 44,95%. A banda dos papéis prefixados LTNs e
NTN-Fs, geralmente preferidos pelo Tesouro, foi reduzida para 22% a 26%, contra
uma anterior de 24% a 28%. E a dos títulos atrelados a índices de preços
(NTN-Bs) passou a 25% a 29%, também inferior à de 27% a 31%, que vigorava
antes.
A revisão do PAF não é corriqueira. A última
vez que ocorreu foi em junho de 2021. Nos últimos dez anos, o PAF foi alterado
cinco vezes. Mas não deixa de ser uma sinalização negativa para a dívida
pública e pode resultar em encarecimento do custo de financiamento. A revisão
feita agora abre espaço para que mais da metade da dívida mobiliária federal
seja caracterizada pela volatilidade e pela imprevisibilidade, uma vez que 47%
estarão em LFTs e 4%, em dólar. Enquanto o governo não conseguir fazer superávit
primário, terá que se endividar mais para rolar todos os vencimentos.
Além de medalhas, políticas públicas
Correio Braziliense
Os desafios colocados na trajetória dos
atletas paralímpicos não diferem muito dos que são de alto rendimento. Entre
eles, poucas oportunidades, dificuldade de acesso à alta tecnologia do esporte,
visibilidade na mídia e patrocínio
O Brasil festejou, neste fim de semana, mais
uma vitória no mundo dos esportes. Os atletas com deficiência trouxeram
89 medalhas — 25 de ouro, 26 de prata e 38 de bronze — nas Paralimpíadas
de Paris 2024. Um resultado inédito que levou o país ao top-5. Mais uma vez,
uma atleta negra teve um papel importante para tornar real o sonho de todos. A
carioca Tayana Medeiros conquistou o ouro, ao bater o recorde de levantar
156kg, na categoria de até 86 quilos do halterofilismo.
A delegação brasileira contou
com 255 esportistas, formada por representantes de todos os estados
do país. Das 27 unidades da Federação, 19 conquistaram medalhas. Otimista e
entusiasmado, o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Mizael
Conrado, por meio de sua assessoria de comunicação, declarou que "o
Brasil, agora, precisa só olhar para frente, porque o caminho da evolução e do
desenvolvimento está traçado. O futuro é promissor".
Nem tudo depende da CPB. O maior centro de
treinamento (CT) dos atletas com deficiência está em São Paulo. As instalações
são de primeira linha (indoor e outdoor) que permitem treinamentos, competições
e intercâmbios de atletas em 20 modalidades paralímpicas.
Em outros estados, também há centros de
treinamento. Na capital da República, o CT, inaugurado em 2016, é visto como um
dos centros de excelência no Brasil e na América Latina, e um dos melhores do
mundo, com 95 mil metros quadrados de área construída. Em Minas Gerais, o CT
paralímpico de alto rendimento funciona na Universidade Federal (UFMG),
que atua na formação de atletas, de recursos humanos e desenvolvimento de
pesquisa, com financiamento do governo federal.
Na comparação com a repercussão das
Olimpíadas de Paris, as paralímpiadas não têm grande espaço nos veículos de
comunicação. Os atletas não exibiam nas camisetas publicidade de empresas do
setor privado, que seriam suas patrocinadoras. Além disso, os meios eletrônicos
também não exaltam as vitórias conquistadas pelos participantes. De modo geral,
a reclamação de vários atletas por mais apoio das entidades públicas e privadas
faz sentido. Eles entendem que essa ausência de amparo tem a ver com preconceito
social em relação aos deficientes — um comportamento bem próximo ao
capacitismo.
Os desafios colocados na trajetória dos
atletas paralímpicos não diferem muito dos que são de alto rendimento. Entre
eles, poucas oportunidades, dificuldade de acesso à alta tecnologia do esporte,
visibilidade na mídia e patrocínio. As lesões esportivas também preocupam e
muitos antevêem que enfrentarão problemas quando mais velhos e sem
aposentadoria. Como sobreviver?
A indagação precisa de uma resposta do poder público — Executivo e Legislativo — principalmente para os paralímpicos. Eles demandam políticas públicas mais efetivas e amparo do Estado. Não basta trazer medalhas ao país, o reconhecimento não pode se restringir a aplausos, mas em ações que garantam a todos qualidade de vida, quando não mais puderem viver do atletismo.
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