O Estado de S. Paulo
Incluir os oceanos como componente central nas estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas será fundamental para o sucesso das negociações nas COPs
Os oceanos, fundamentais para a manutenção da
vida na Terra, nem sempre estão entre as principais prioridades climáticas
globais. Eles são responsáveis pela maior parte da produção do oxigênio no
planeta, atuam como absorvedores de carbono e reguladores climáticos, possuem
uma rica biodiversidade e sustentam milhões de pessoas em todo o mundo. Apesar
de sua importância, a proteção dos oceanos não tem a visibilidade que têm o
desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa na agricultura e na indústria.
Reconhecendo essa negligência, a ONU criou a Década do Oceano (2021-2030) para destacar a importância dos oceanos na agenda global. Essa iniciativa busca promover a conservação marinha e o uso sustentável dos recursos oceânicos.
Enquanto este esforço de conscientização
avança, a corrida pela exploração do fundo marinho está ganhando destaque. As
discussões sobre os impactos ambientais dessa atividade, contudo, ainda são
insuficientes, criando um desafio adicional para os objetivos da Década do
Oceano. É fundamental que a mineração submarina seja tratada de maneira
sustentável e diversificada, contribuindo para que a extração de recursos como
minerais de terras raras e nódulos de manganês seja feita garantindo a proteção
dos ecossistemas marinhos vulneráveis. O Brasil, que possui licenças para
pesquisas em águas internacionais, pode desempenhar papel importante nessa
discussão, especialmente em relação à preservação da Amazônia Azul.
Recentemente, a brasileira Letícia Carvalho foi eleita secretária-geral da
Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês), que
supervisiona a exploração dos recursos minerais na parte internacional dos
oceanos.
Os oceanos também têm uma contribuição
significativa na transição energética. Energias renováveis marinhas, como a
eólica offshore e a energia das ondas e marés, oferecem um potencial imenso
para a geração de eletricidade limpa. Essas tecnologias podem desempenhar um
papel fundamental na redução das emissões de gases de efeito estufa,
especialmente em países costeiros. Paralelamente, iniciativas voltadas para o
uso de combustíveis sustentáveis no transporte marítimo são essenciais para
mitigar as emissões deste setor. Pesquisas sobre biocombustíveis derivados de
algas marinhas, por exemplo, mostram promessas para uma navegação mais
ecológica.
O Brasil tem um potencial expressivo para
revitalizar 140 milhões de hectares de terras degradadas em biomas como a
Amazônia e o Cerrado utilizando resíduos marinhos, incluindo algas, que podem
auxiliar na recuperação do solo e na fertilização agrícola. Essa abordagem não
apenas ajuda na restauração de ecossistemas terrestres, como também cria uma
conexão direta entre a saúde dos oceanos e a produtividade agrícola
sustentável.
O impacto econômico e ambiental das algas e
de outros recursos marinhos merece ainda mais atenção. As algas são essenciais
para a produção de oxigênio, a captura de carbono e a manutenção da
biodiversidade, além de serem recursos valiosos para várias indústrias, como a
alimentícia, a farmacêutica e a cosmética. Neste contexto, a organização
AgroSea surge como uma iniciativa inovadora, unindo cientistas e investidores
para demonstrar que a utilização de recursos marinhos pode resultar em menor
emissão de gases e na recuperação de ecossistemas degradados.
O avanço do conhecimento científico e da
inovação é essencial para nortear o debate sobre os oceanos. A colaboração
internacional e programas de financiamento, como os do BNDES, são importantes
para fomentar pesquisas que ajudem a entender e proteger os ecossistemas
marinhos.
A participação conjunta da sociedade civil,
do governo e da indústria na discussão sobre a interconexão entre clima e
oceanos tem de crescer. Com o intuito de promover essa reflexão, o Instituto de
Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), em parceria com o
Ministério das Relações Exteriores (MRE) e a Universidade de São Paulo (USP),
está organizando o evento A Trilha Dubai-Baku-Belém: Os Desafios das
Negociações Internacionais sobre Mudança do Clima. O objetivo é analisar temas
fundamentais discutidos nas últimas COPs para embasar a posição do governo
brasileiro. Um dos painéis do encontro, que ocorrerá no Itamaraty, em Brasília,
nos dias 16 e 17 deste mês, abordará a conexão entre clima e oceanos.
Esse evento contribuirá para os preparativos
da COP-30, que será realizada no próximo ano em Belém do Pará, marcando o
início da segunda fase de implementação do Acordo de Paris. O encontro será
importante porque se espera que os países apresentem novas e mais ambiciosas
Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). O êxito da
COP-30 estará ligado aos resultados obtidos nas edições anteriores,
especialmente em Dubai (COP-28) e Baku (COP-29), onde questões-chave sobre
financiamento climático serão definidas, possibilitando o fortalecimento das
NDCs dos países em desenvolvimento. Neste contexto, a inclusão dos oceanos como
um componente central nas estratégias de mitigação e adaptação às mudanças
climáticas será fundamental para o sucesso dessas negociações e para a proteção
efetiva deste recurso vital para o planeta.
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