O Estado de S. Paulo
Com recursos, disposição, organização e seriedade, é possível melhorar a vida das pessoas e abrir horizontes para jovens e crianças em condição de vulnerabilidade
Ainda neste ano as 220 mil pessoas que vivem em Heliópolis, a grande comunidade instalada nos limites da Capital com a cidade de São Caetano Sul, ganharão uma sala de concerto para 533 espectadores e com palco para orquestra de cem músicos. O responsável pela obra é o Instituto Baccarelli, organização sem fins lucrativos que há mais de 27 anos se instalou em Heliópolis e realiza um trabalho social com crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Trata-se de um projeto idealizado em 2005, para abrigar a Orquestra Sinfônica Heliópolis.
O teatro não será do instituto, mas das
pessoas que moram em Heliópolis, disse ao jornal Valor Econômico o diretor
executivo do Instituto Baccarelli, Edilson Venturelli. Em recente conversa com
pessoas às quais apresentava as obras do Teatro Baccarelli (este será o nome),
Venturelli observou que o projeto não previu estacionamento de veículos. E,
apontando para o pequeno estacionamento do outro lado da Estrada das Lágrimas,
disse que é o suficiente. “Queremos que nosso público seja a comunidade local,
que não precisa de carro para chegar aqui”, explicou. “Pessoas de outras
regiões serão sempre bem-vindas, mas nosso público está aqui.”
O plano é fazer coincidir a inauguração do
Teatro Baccarelli com o mês do 90.º aniversário de Isaac Karabtchevsky, regente
titular da Sinfônica Heliópolis. Será, em todo o mundo, a primeira grande sala
de concertos instalada em uma favela para abrigar a primeira orquestra
sinfônica formada por moradores de favela.
Integração, pertencimento, convivência,
interação com a comunidade são parte do ideário do Instituto Baccarelli, desde
que o maestro Silvio Baccarelli (1931-2019) decidiu dedicar-se a atender aos
moradores de Heliópolis, após um incêndio que destruiu parte da favela em 1996.
Com o apoio de um grupo de filantropos, como o empresário Antônio Ermírio de
Moraes (do Grupo Votorantim, 1928-2014) e seu amigo pessoal José Pastore
(sociólogo, professor e colunista do Estadão), Baccarelli organizou a Orquestra
Sinfônica Heliópolis, que tem como patrono o maestro indiano Zubin Mehta.
O instituto atende a 1.420 crianças em
situação de vulnerabilidade, às quais oferece formação musical e cerca de 10
mil refeições por mês. O cardápio diário é o mesmo para as crianças,
dirigentes, orientadores, professores, monitores e assistentes.
Por que música? Atuando no Instituto
Baccarelli desde sua criação, seu diretor executivo entendeu que um dos graves
problemas de uma favela “é a perda da capacidade de sonhar das crianças”. E a
música tem uma característica particularmente marcante. “A gente sobe ao palco
e as pessoas aplaudem”, diz Edilson Venturelli, ele mesmo músico, vindo de
família humilde, e regente adjunto da Sinfônica Heliópolis. “Tem muita gente
que trabalha a semana inteira sem ganhar um bom dia. Quando a gente sobe no
palco, as pessoas batem palma. As crianças percebem que são ricas em dom e
talento, que podem, sim, ser aquilo que elas quiserem ser na vida.”
Empenho de pessoas como Baccarelli,
Venturelli, Antônio Ermírio, José Pastore e muitas outras foi e tem sido vital
para a manutenção e expansão das atividades do instituto. É um exemplo de que,
com recursos, disposição, organização e seriedade, é possível melhorar a vida
das pessoas e abrir horizontes para crianças e jovens em condição de
vulnerabilidade.
É sólida nos Estados Unidos a cultura de
doação. O sistema tributário norte-americano estimula o setor filantrópico. No
Brasil, a despeito de casos como o do Instituto Baccarelli, são bem menos
evidentes os exemplos de ações de forte impacto social patrocinadas por
doações.
O Orçamento da União tem reservado parte de
suas verbas para instituições privadas sem fins lucrativos. A maior parcela
dessas verbas é destinada aos partidos políticos. Em seguida vêm os setores de
desenvolvimento energético, infraestrutura de pesquisa, saúde indígena, rede de
hospitais e esporte amador, entre outros.
O mais recente censo do Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas (Gife), criado há mais de 30 anos para fortalecer a
filantropia e o investimento social privado, ouviu 137 organizações e constatou
que, em 2022, as aplicações em ações de filantropia somaram R$ 4,2 bilhões. Os
recursos estão distribuídos por setores como educação, cultura, saúde, inclusão
produtiva, defesa de direitos, combate à pobreza e sustentabilidade ambiental.
Se a solidariedade não for suficiente para
estimular ações filantrópicas, há números que podem convencer mais pessoas a
apoiarem financeiramente ações, projetos, programas e instituições como o
Instituto Baccarelli. O Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
(Idis) criou um método de aferição da eficiência dos recursos aplicados em
filantropia e concluiu que, no caso do Baccarelli, cada R$ 1 aplicado gerou R$
3,49 na forma de benefícios sociais para a comunidade.
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