Não falta apenas dinheiro para melhorar educação
O Globo
Gasto por aluno no Brasil está abaixo do
ideal. Mas reduzir desigualdade já permitiria usá-lo com mais eficiência
A despesa anual média por aluno no ensino
fundamental brasileiro (US$ 3.668) é um terço do gasto nos países avançados
(US$ 11.914), como demonstrou o último relatório Visão Geral da Educação,
divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De acordo com o relatório, há relação entre gastos na educação entre 6 e 15
anos e o desempenho nos testes de avaliação internacional — mas apenas até
certo limite.
É verdade que, em condições ideais, a despesa brasileira por aluno deveria ser maior, mas seria um erro considerar que o avanço lento da qualidade do ensino por aqui resulta apenas da falta de dinheiro. O governo brasileiro gasta em educação uma parcela do PIB (4,42%) superior à de Estados Unidos, Holanda, Coreia do Sul, Canadá, Alemanha, Austrália, Japão e à média da OCDE. Países ricos hoje com gasto per capita superior ao brasileiro não chegaram à situação atual destinando fatias muito maiores. Com o orçamento atual, o Brasil ainda tem muito a avançar.
Um dos maiores desafios é a desigualdade,
como revela o estudo Financiamento da Educação, do Instituto Unibanco. Em
países como França ou Inglaterra,
as regiões com maior vulnerabilidade social recebem um investimento maior por
aluno. Nas escolas francesas classificadas como prioritárias, há menos alunos
por professor, e os educadores recebem bônus. Por aqui, o governo federal
deveria combater as desigualdades regionais. O novo Fundeb, fundo responsável
pelo custeio da educação básica, até avançou ao premiar as redes que aumentem o
desempenho escolar com equidade, mas há problemas na implementação dessa regra
e, mais grave, em seu alcance.
Muitas redes de ensino não dispõem de
informações adequadas para avaliar a condição social dos alunos. Sem isso, o
foco nos mais vulneráveis é ficção. Mas não é só isso. O olhar precisa ser
individualizado. Na mesma cidade há escolas em situações diferentes, tanto do
ponto de vista de infraestrutura como de capacidade do corpo docente. Não dá
para definir prioridades sem saber com precisão se os destinatários são os mais
necessitados. Há também migração de professores e diretores, prejudicando a
continuidade de projetos pedagógicos e o sucesso dos alunos. É necessário
adotar políticas que desincentivem a migração de profissionais da periferia
para escolas centrais. O movimento deveria ser o contrário. Os melhores
professores e diretores deveriam estar onde fazem mais diferença.
Os últimos dados do Ideb, que avalia ensino
fundamental e médio, mostram que os estados com mais recursos e maior população
educada não necessariamente apresentam maior avanço. No indicador de
aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental, São Paulo aparece entre
os três estados que mais retrocederam na comparação de 2023 com 2019. Os três
com maiores saltos foram Alagoas, Maranhão e Ceará. No ensino médio,
Rio e Distrito Federal estão entre os destaques negativos. No grupo com
desempenho positivo estão Pará, Amapá, Amazonas e Piauí.
Países que hoje aparecem nos primeiros lugares nas provas internacionais
investiram em educação, durante anos, aproximadamente o que o Brasil investe.
Continuidade é essencial. É indispensável também o foco nos mais pobres e a
disseminação pelo país das práticas que deram certo nos estados que têm
melhorado. Elas não faltam — e isso não custa caro.
Diplomacia precisa prevalecer nas relações
entre Brasil e Argentina
O Globo
Afagos de Milei a Musk não podem obscurecer
agenda comum na defesa de democracia e integração regional
As relações entre Brasil e Argentina passam
por um momento delicado por causa do estilo abrasivo do presidente Javier Milei.
Em atitude incomum para uma terceira parte sem envolvimento no caso, Milei
tomou as dores do empresário Elon Musk nos
ataques ao ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Chegou a trocar mensagens amistosas com Musk depois da suspensão da rede social
X no Brasil. Em postagem no próprio X, a chanceler argentina, Diana Mondino,
expressou preocupação com o fato de “cada vez mais países restringirem a livre
expressão em redes”. Milei retuitou o comentário e, embora o Brasil tenha
acertado ao não reagir, ele provocou um incômodo justificado no Itamaraty.
A provocação de Milei e Mondino ocorreu
poucos dias depois de o Brasil ter aceitado sem hesitação o pedido para assumir
a custódia da embaixada argentina em Caracas,
de onde o corpo diplomático argentino foi expulso como reação ao questionamento
de Buenos Aires ao
resultado das eleições venezuelanas, fraudadas para garantir a permanência no
poder do ditador Nicolás Maduro. Na embaixada, permanecem asilados
oposicionistas, sob a ameaça de invasão das tropas de Maduro. Por enquanto, a
diplomacia brasileira tem evitado o pior.
Brasil e Argentina devem ser firmes na defesa
da democracia no continente. Embora sejam naturais divergências pontuais entre
governos de inclinações ideológicas distintas, por vezes antagônicas, muito
maior é a integração entre as duas maiores economias do Cone Sul. A Argentina é
o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas de China e Estados
Unidos. O Mercosul não
teria surgido não fosse o entendimento entre governantes de Brasil e Argentina
quebrando o gelo que afastava os dois países.
O novo ciclo do mundo, em busca de sistemas
produtivos com menor pegada de carbono, abre possibilidades ao Brasil, e será
preciso que todo o Mercosul avance na mesma direção. A integração entre Brasil
e Argentina também é fator de estabilidade na América do Sul e precisa
continuar a ser estimulada. A importância dessa agenda supera qualquer ruído
que possa ser gerado por gestos não diplomáticos dos dois lados.
Milei e o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva deveriam se debruçar sobre uma pauta comum que ajudasse os dois países —
e, por consequência, o conjunto do Mercosul — a aumentar a produtividade de
suas economias, integrando-as às cadeias globais de produção. No lugar de
provocações nas redes sociais, é preciso deixar prevalecer a diplomacia
profissional, capaz de costurar e preservar uma relação produtiva entre Brasil
e Argentina.
Brasil tem bastante a ganhar com abertura
comercial
Valor Econômico
Pobreza teve forte redução com o avanço do comércio internacional, assim como diminuiu o hiato entre rendas dos países de baixo e médio desenvolvimento e os países ricos, segundo relatório da OMC
A desigualdade entre países ricos e o resto
do mundo diminuiu bastante nos últimos 30 anos, mas persiste entre ricos e
pobres e isso não é consequência da globalização. Essa é a mensagem principal
do relatório da Organização Mundial do Comércio de 2024, que vive uma ameaça
existencial, depois que foi relegada a segundo plano pelos EUA durante quatro
anos de desprezo de Donald Trump por entidades multilaterais, seguido pelo
discreto desdém da gestão democrata de Joe Biden. Nenhum deles nomeou
representantes americanos para o órgão de solução de controvérsias da
instituição, o mais importante árbitro de disputas comerciais entre os 166
países-membros.
A OMC defende seu legado de liberalização
comercial, agora com mais nuances do que antes. Ela estabelece limites entre o
que a ampliação do comércio global, que impulsionou, fez e o que não poderia
fazer. A pobreza teve forte redução com o avanço do comércio internacional,
assim como diminuiu o hiato entre rendas dos países de baixo e médio
desenvolvimento e os países ricos. Mas não reduziu a desigualdade de renda e de
riqueza em geral. Politicamente, em uma era de radicalização, globalização e
aumento do fosso de rendas têm sido colocadas no mesmo saco pelos críticos da
liberalização comercial.
A OMC acha que os dois temas não deveriam
estar juntos. A distribuição de renda nacional depende de uma variedade
complexa de fatores, nas quais as políticas internas são determinantes para o
resultado. “Há uma baixa correlação entre a abertura ao comércio e a
desigualdade doméstica”, registra o relatório. A OMC aponta que entre 1995 e
2023 a renda per capita dos países de renda baixa ou média cresceu o triplo do
ritmo de 65% da renda per capita global (descontada a inflação), com o
crescimento do comércio, um fato ainda mais notável considerando-se que o
aumento da população mundial no período foi de 38,7%. A participação desses
países nas trocas mundiais aumentou de 21% para 38%.
A pobreza global, no mesmo período, recuou.
Em 1995, 40,3% da população mundial se incluía nessa categoria e, em 2022,
praticamente um quarto dela, 10,6%. A fatia do comércio das nações de baixa e
média renda dobrou de 16% para 32% do valor total das transações comerciais. A
OMC está longe de dizer que a missão foi cumprida e realça que há ainda 712
milhões de pessoas no planeta que vivem no inferno da extrema pobreza. E a
desigualdade de renda global - entre pessoas mais ricas do mundo e as mais
pobres - é hoje semelhante às do início do século XX. O 1% mais bem remunerado
recebe 15,8% do total de salários. Quando se consideram as diferenças do nível
de riqueza, que engloba propriedades, aplicações financeiras etc., a situação é
pior. Entre 1995 e 2021, o topo da escala tinha 38% da riqueza do planeta.
O que distingue os países que prosperaram em
direção aos mais ricos dos que não conseguiram isso foram as políticas
soberanas, algumas péssimas, outras virtuosas. Um terço dos países de renda
baixa e média, no qual vivem 13% da população global, ficou para trás nas
últimas três décadas. Há características comuns entre eles: engajam-se menos no
comércio internacional, dependem mais da exportação de commodities do que a
média, têm baixa diversificação do que vendem, isto é, poucos produtos mais
elaborados, seu comércio está concentrado em número reduzido de países
compradores e recebem pouco investimento direto produtivo. A conclusão da OMC é
que “o comércio pode trazer ganhos agregados de bem-estar e redução da pobreza
e apoiar a inclusão sem necessariamente elevar a desigualdade”. O relatório não
deixa dúvida de que a maior participação no comércio internacional impulsionou
o crescimento desses países. O avanço do comércio, para a OMC, porém, não tem
relação direta com a desigualdade. Ele pode aumentá-la ou diminuí-la, mas seu
impacto como um todo, para um lado ou para o outro, “tende a ser pequeno”.
Entretanto, onde houve queda da desigualdade houve “substancial aumento do
comércio”. As políticas domésticas são essenciais para se contrapor às
inevitáveis fricções que o comércio mais livre traz, e que variam muito de
acordo com fatores locais. A redistribuição da renda dos setores menos
produtivos para os mais produtivos (exportadores) desfavorece os primeiros,
elevando disparidades salariais. O avanço tecnológico advindo da abertura
comercial torna obsoleto o trabalho de parte significativa da mão de obra,
beneficiando os mais instruídos e especializados. Mercados de trabalho com
excesso de restrições impedem que os trabalhadores se movam com facilidade para
empresas e setores mais produtivos.
O Brasil, um dos países mais fechados do mundo, tem bastante a ganhar com a abertura comercial, que permite absorção de tecnologia de ponta, ampliação da exportação de bens de maior valor agregado e maior estabilidade cambial, entre outras vantagens. Além de enfrentar lobbies protecionistas, ampliar as relações com o exterior exige um leque amplo de reformas do trabalho, da educação, da regulação, da legislação sobre a concorrência, de tributos etc. Dá trabalho, mas vale a pena.
Onde há fumaça há fogo e falta urgência
Folha de S. Paulo
Sob Lula e Marina, esperava-se contraste
maior com retrocesso de Bolsonaro; Congresso mal reage à tragédia da seca
Com 60% do território envolto em fumaça
de queimadas e
incêndios florestais, o Brasil enfrenta uma crise ambiental não menos
impactante que as enchentes do Rio Grande do Sul. Governos e sociedade,
entretanto, reagem
de forma letárgica à catástrofe.
Do início do ano até domingo (8), o país teve
165 mil focos de fogo registrados por satélite, 82% deles na amazônia e
no cerrado.
Ventos levam o fumo
da queima de vegetação até o Sul e o Sudeste, sobrecarregando
serviços de saúde com casos de síndrome respiratória aguda grave, arriscando
vidas de crianças e idosos.
Um dia virá o cômputo de mortes adicionais na
tempestade perfeita de fogo e seca recordes, mas isso não é necessário para
dimensionar o desastre. Rios amazônicos secam, isolando ribeirinhos; aeroportos
e portos fecham; aulas são suspensas; acidentes se multiplicam nas estradas sob
visibilidade reduzida.
O agravamento das mudanças climáticas sob o
aquecimento global cria desafios que extrapolam os parâmetros anteriores para
discernir variabilidade natural de anomalias ameaçadoras para a população, a
exigir ação mais decidida ante eventos extremos.
Com Marina Silva no
Ministério do Meio Ambiente,
o governo federal aumentou o efetivo de brigadistas do Ibama de
2.109 para 2.255 desde a temporada de chamas de 2023, mas deixou reduzir-se de
1.415 para 981 o do ICMBio.
O desmate caiu na amazônia e só estacionou no
cerrado, com o agravante de que no primeiro bioma agora ocorrem
incêndios florestais onde antes o fogo não se propagava. Esperava-se
contraste mais visível —que fosse além do discurso— com os retrocessos
patrocinados por Jair Bolsonaro (PL).
Mesmo setores mais modernos do agronegócio,
embora acolham a tese de que não é preciso derrubar matas para aumentar a
safra, bastando melhorar a produtividade e recuperar pastagens degradadas,
questionam a meta oficial de zerar o desmatamento ilegal ou legal em 2030.
Em carta de 2 de setembro ao Ministério do
Meio Ambiente, 13 entidades do setor apontam que nem o ilegal está equacionado.
O Congresso mal reage ao flagelo. Verdade que
aprovou legislação sobre manejo de fogo, porém após seis anos de tramitação e
três de queimadas devastadoras. A bancada ruralista segue ativa na pauta
antiambiental.
Cortou verbas do Ibama para combate a
incêndios, depois recompostas por créditos extraordinários. Barrou a criação de
uma autoridade climática por Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Na tragédia gaúcha, todos se uniram pela
reconstrução. Lula foi ao estado e cercou-se de ministros ao apresentar em
pronunciamento medidas enérgicas para enfrentar a crise, com apoio do
Legislativo e do Judiciário.
Faltam planos, metas e articulação no poder
público. Cabe ao governo de um país em chamas liderar a mobilização para
debelá-las, hoje, e prevenir que o despautério se repita no futuro.
Mais atenção à saúde das gestantes
Folha de S. Paulo
Taxa de mortalidade materna no Brasil cai
após disparar na pandemia, mas ainda é alta e apresenta disparidades regionais
A mortalidade materna (óbitos durante a
gravidez ou até 42 dias após o parto) foi uma das áreas da saúde que
mostrou piora em indicadores com a pandemia de Covid-19.
A boa notícia é que em 2022 essa taxa não só
retornou ao patamar anterior à pandemia como é a menor desde o ano 2000 no
Brasil. A má é que a cifra ainda é elevada para padrões internacionais, além de
abarcar desigualdades regionais alarmantes.
Pesquisa da ONG Observatório da Saúde Umane
com dados do SUS analisou
o total de mortes maternas no século. Em 2019, antes da pandemia, foram
1.595. Em 2021, o
número saltou a 3.058 e, em 2022, caiu a 1.397 —abaixo do menor
número registrado no período (1.555 em 2001).
Quando se compara a taxa de óbitos por 100
mil nascidos vivos com a de outros países, verifica-se o atraso brasileiro.
Aqui, ela era de 74,7 em 2020 e foi a 117,4 em 2021 —em 2022, foram 54,5. Já
nos Estados
Unidos, a taxa foi de 21 em 2020 para 33 em 2021.
O Brasil firmou acordo com a ONU em
2015 para reduzir o índice a 30 até 2030. Mas, segundo relatório do Ministério da
Saúde de 2019 obtido pela Folha, a estimativa para 2030 é
de 55,6.
O desafio se deve às desigualdades regionais.
Enquanto as taxas de Santa Catarina (33,6) e Distrito Federal (36,2) estão
próximas à meta, em Roraima (145,2) e Sergipe (98,2) estão muito longe.
A principal deficiência é o acesso precário a
exames do período pré-natal, que são capazes de manejar condições de risco como
infecções, hipertensão e diabetes.
A gestação na adolescência também é outro
fator de risco. Dos 7 estados do Norte, 5 estão entre os 10 com as piores taxas
de mortalidade materna, e é nessa região que se verificam níveis temerários de
gravidez precoce.
Lá, a taxa de
gestações a cada mil meninas de 10 a 14 anos é de 4,72, acima da
nacional (2,14) e da mundial (1,54) e próxima da África subsaariana,
a pior do planeta. Na Europa e
na América do Norte, o índice é de apenas 0,1.
O poder público precisa direcionar recursos
para infraestrutura nos locais mais necessitados e, além disso, se
valer da telemedicina, que promove acesso à saúde encurtando
distâncias.
No caso de meninas menores de 14 anos,
governos devem assegurar o direito ao aborto legal
e seguro, já que, pela lei, trata-se de estupro de vulnerável.
A cada dia, 26 garotas nessa faixa etária tornam-se mães no Brasil. É dever do Estado conter tal barbárie, com investigação e punição no Judiciário, acesso a anticoncepcionais no SUS e educação sexual e reprodutiva nas escolas.
O Brasil sufoca
O Estado de S. Paulo
Ou Lula lidera um esforço nacional de
adaptação às mudanças climáticas digno do nome ou o Brasil será consumido por
sua incompetência antes que o fogo arrase por completo seus biomas
O Brasil está pegando fogo. E antes fosse
apenas no sentido figurado, como decorrência do acirramento de ânimos típico
dos períodos eleitorais.
De acordo com o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), queimadas naturais e criminosas cobrem nada menos
que 60% do território nacional de fumaça, mais ou menos densa a depender da
região do País. Na manhã de segunda-feira passada, o ar respirado na cidade de
São Paulo foi considerado o pior do planeta pela IQAir, uma ONG acreditada pela
ONU para medir a qualidade do ar em várias cidades do mundo. O resultado desse
quadro aterrador pode ser sentido por todos, mas sobretudo idosos e crianças, os
mais suscetíveis ao agravamento de doenças cardiorrespiratórias causado pelo
clima desértico.
Respirar se tornou, literalmente, um ato de
resistência. E malgrado os incêndios tenham começado nessa dimensão
apocalíptica há meses, só agora o governo do presidente Lula da Silva parece
ter acordado para a gravidade da situação. Ontem, o petista viajou ao Amazonas
acompanhado por ministros para anunciar os detalhes da formação de uma
“força-tarefa” para combater as queimadas e prestar socorro aos cidadãos que
vivem nas áreas mais afetadas pelo fogo e pela seca.
Há poucas semanas, o ministro do
Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington
Dias, já parecia perdido. Durante uma viagem aos Estados do Amazonas, Pará e
Rondônia, Dias afirmou ao Estadão que a tragédia ambiental era “uma
coisa nova” – quando nova, a rigor, não é nem a prostração do governo federal
diante de um problema há muito conhecido, como já sublinhamos nesta página
(ver A indolência de Lula na crise ambiental, 9/9/2024).
“Está todo mundo chocado com essa situação”,
lamentou Wellington Dias. Ora, chocada está a sociedade brasileira diante da
incompetência do governo Lula da Silva para lidar com as queimadas, no melhor
cenário, ou do descaso do presidente da República pela chamada questão
ambiental – que jamais foi uma causa que o petista carregou no peito,
instrumentalizando-a na medida de suas conveniências políticas de ocasião.
Prontos-socorros dos hospitais País afora
estão lotados de pacientes à espera de diagnóstico e tratamento para as doenças
causadas por esse ar insalubre. Da ministra da Saúde, Nísia Trindade, ainda não
se ouviu palavra sobre os cuidados que a população precisa tomar para
resguardar a saúde sob condições tão adversas. Por muito menos, outras
autoridades já convocaram cadeia nacional de rádio e TV para se dirigirem aos
brasileiros. Talvez seja o caso de lembrar à sra. Trindade que ser melhor do
que o inesquecível Eduardo Pazuello no cargo não basta para que ela possa ser
vista como uma ministra da Saúde à altura das necessidades de um país como o
Brasil.
Nos âmbitos estadual e municipal,
particularmente em São Paulo, o manejo da crise não parece ser menos
problemático. A sensação transmitida à sociedade é de descompasso, para dizer o
mínimo. Ao que parece, todos estão tomando ciência da gravidade de um problema
que, como já foi dito, não é novo nem será episódico.
As respostas governamentais à crise do clima
devem ser abrangentes e coordenadas entre as três esferas da administração.
Obviamente, impõem-se o combate imediato às queimadas e a persecução dos que as
promovem de modo criminoso. Mas isso não basta. O Brasil precisa, de uma vez
por todas, avançar na adaptação às mudanças climáticas. Condições
meteorológicas extremas, como a seca, as ondas de calor e as enchentes já não
são o “novo normal”, mas uma realidade posta.
Quando se fala em proteção do meio ambiente,
está-se falando de segurança hídrica, energética e alimentar. Está-se falando
de vidas, portanto. Ou Lula da Silva acorda para isso e lidera um esforço
nacional de adaptação às mudanças climáticas digno do nome – e não só para
“inglês ver” – ou o Brasil será consumido por sua incompetência antes que as
chamas possam arrasar por completo os seus biomas.
O barato que sai caro
O Estado de S. Paulo
Com decreto em que dita os investimentos para
o gás, governo Lula vende a ilusão de que vai baratear o produto; interferência
estatal será ineficaz em setor sem concorrência
No fim de agosto, o governo alterou normas
estabelecidas pelo decreto que regulamentou a Lei do Gás de 2021 sob o
argumento de que é necessário baratear o gás, exatamente o principal objetivo
da legislação de três anos atrás. Recorrendo ao mais puro arbítrio estatal, o
presidente Lula da Silva aumentou, por decreto, os poderes da Agência Nacional
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e da Empresa de Pesquisa
Energética (EPE) para, na prática, interferir diretamente nos planos de
negócios elaborados pelas empresas.
Mais do que desconsiderar as complexidades de
um setor que está a léguas de atingir níveis de competitividade capazes de
baratear o produto conforme as irrevogáveis leis de mercado, o governo misturou
no mesmo balaio questões tão complicadas quanto diferentes, que carecem de
debates em separado, como explicou em entrevista ao Estadão Edmar
Almeida, pesquisador do Instituto de Energia da PUC-RJ e presidente da
Associação Internacional de Economia em Energia. E ainda tratou todo o setor de
óleo e gás como um instrumento estatal.
Temas como transição energética, preço do gás
e revisão de planos de desenvolvimento de campos de exploração de petróleo se
embaralharam, com a finalidade óbvia de atender aos interesses do governo Lula
e sua controversa política desenvolvimentista. Mas a questão de maior
relevância, que é a concorrência, capaz de puxar preços para baixo, foi
ignorada. A partir da abertura do mercado de gás, várias empresas passaram a
vender gás e, como lembrou Almeida, onde há mais competição, como no Nordeste,
o gás é mais barato do que em locais onde a Petrobras é ainda monopolista ou
detém grande parte do mercado.
O decreto parte da premissa de que ampliar a
oferta de gás fará cair o preço. Para isso, criou instrumentos como o plano
integrado das infraestruturas de gás – principalmente para construção de
gasodutos – e a revisão dos planos de desenvolvimento de produção de petróleo e
gás que, além do alto potencial intervencionista, só terão efeito a muito longo
prazo. A região do pré-sal da Bacia de Santos, alvo principal da medida, já tem
projetado o terceiro gasoduto, o Rota 3, e qualquer volume adicional ao já previsto
vai depender da construção de novas rotas, o que demanda não apenas alto
investimento, como tempo, já que obras desse porte costumam se estender por
cinco anos.
Em 2009, durante o segundo governo de Lula da
Silva, foi criado o Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário
(Pemat), que, como a legislação atual, também tinha caráter determinativo, mas
apenas para a parte de transporte. O primeiro projeto decorrente daquele plano
só saiu em 2014, cinco anos depois. É um exemplo dado pelo próprio governo
lulopetista de que não basta ordenar que um investimento seja feito para que
ele se materialize, como num passe de mágica. Mesmo a Petrobras, mais estatal
do que privada, tem de imprimir alguma razoabilidade a seu plano de negócios.
O decreto de Lula da Silva determina que os
investimentos da indústria vão se dar a partir do planejamento feito pela EPE,
que vai indicar os novos gasodutos, sistemas de escoamento, unidades de
processamento, oferta e demanda. Como afirmou Edmar Almeida, além do desafio
técnico de atender a um projeto que não saiu de suas pranchetas, as empresas
poderão também pressionar o governo para que seus próprios projetos estejam no
plano. Ou seja, o governo pode estar apenas incentivando pressões lobistas e
atrasando ainda mais o desenvolvimento do setor de gás.
O decreto, como já dissemos neste espaço,
passa ao largo de questões fundamentais, como qual será a fonte de
financiamento desse plano de ampliação de gasodutos. O Rota 3, da Petrobras,
por exemplo, é estimado em torno de US$ 2,5 bilhões. Determinar a construção é
a parte mais fácil e, sendo uma deliberação federal, imagina-se uma parceria
com o setor privado. O dinheiro para tanto é o enigma do decreto, que prevê
limitar a exportação de gás, reduzir a injeção de gás na produção de petróleo e
estabelecer a remuneração dos donos de dutos – enfim, piorar o ambiente de
negócios.
Governo aposta contra a saúde
O Estado de S. Paulo
Proposta contra vício em bets está parada há
um ano no governo, em sinal de descaso
Não é exagero afirmar que as apostas online,
conhecidas como bets, colocam em risco a saúde mental e financeira de
jogadores, e que os efeitos nocivos desse hábito, quando patológico, podem
lançar o Brasil em uma epidemia. Tampouco é exagero dizer que o governo Lula da
Silva tem sido, no mínimo, negligente ou, na melhor das hipóteses, omisso no
enfrentamento de uma iminente crise de ludopatia.
Só isso pode explicar o fato de repousar em
alguma gaveta do Ministério da Fazenda, desde o segundo semestre do ano
passado, uma proposta de força-tarefa para prevenir e tratar o vício em jogos
de azar. A reportagem do Estadão teve acesso a uma minuta de decreto e a uma
nota técnica que defendiam a instituição de um grupo de trabalho com
representantes da Fazenda, da Saúde, do Esporte e da Advocacia-Geral da União
(AGU).
A exposição de motivos do decreto, assinada
pelo ministro Fernando Haddad, destacava a necessidade de se “endereçar, com
urgência e vigor, a influência deletéria que a exploração do mercado de apostas
esportivas pode ter sobre os apostadores”. Se havia urgência, parece ter sido
dissipada diante da sanha arrecadatória em um mercado que, segundo projeções da
Strategy& Brasil, consultoria da PwC, já movimenta R$ 100 bilhões por ano.
Ao que tudo indica, saúde não é uma
prioridade. Do contrário, os diagnósticos da nota técnica jamais teriam sido
ignorados. Segundo o texto, os jogadores patológicos “podem gastar grandes
quantias de dinheiro e tempo” e recorrer a “medidas desesperadas, como roubar
ou vender bens”. Ademais, afirma a nota, o vício em jogos “absorve
progressivamente as energias psíquicas e físicas do jogador até destruir tudo o
que lhe é mais importante”, ameaçando seu patrimônio e, sobretudo, sua harmonia
familiar.
O grupo interministerial, segundo os
documentos, teria de se reunir quinzenalmente para elaborar uma política de
jogo responsável, com campanhas educativas e imposição de exigências às bets.
Mas essas recomendações parecem não importar para o governo, que já sabia havia
bastante tempo de todos os perigos e nada fez para contê-los.
Enquanto isso, psiquiatras veem cada vez mais
pacientes chegarem aos seus consultórios e questionam a capacidade do Sistema
Único de Saúde (SUS) de responder à demanda por tratamento. Especialistas em
finanças, por sua vez, avisam reiteradamente que apostas, cuja perda de
dinheiro é certeira, não são investimento. Apesar de tantos alertas, as bets seguem
onipresentes em intervalos comerciais na TV, publicidade em redes sociais e
patrocínio de clubes de futebol. O Congresso começa acertadamente a debater, mesmo
que com atraso, propostas para equipará-las ao álcool e ao cigarro e, assim,
restringir a publicidade.
De posse de informações preciosas, o governo
Lula da Silva optou por deliberadamente ignorar os riscos dessa “influência
deletéria”, como diz a exposição de motivos do decreto abandonado. Ninguém
poderá alegar surpresa com a potencial explosão do vício ou o surgimento de
famílias dilaceradas. Não terá sido por falta de aviso.
TSE restringe acesso a dados
Correio Braziliense
O mau uso da Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais (LGPD) chama a atenção, pois, na decisão se confunde o resguardo dos
candidatos com a falta de transparência
Sempre que o período eleitoral chega,
investigar o passado dos candidatos é uma das obrigações da imprensa
profissional, justamente para contar ao eleitor aquilo que nenhuma campanha,
certamente, divulgará por seus canais oficiais. Aquele que se coloca para ser
seu representante já foi multado pelo Ibama por crimes ambientais? Responde por
algum caso de trabalho em situação análoga à escravidão? Suas empresas sonegam
impostos? Ele mantém contas em paraísos fiscais? Esses são alguns dos rastros
seguidos por jornalistas de todo o país para "puxar a capivara" de
quem tenta sucesso nas urnas.
Neste ano, contudo, a análise foi prejudicada
por uma decisão, no mínimo, intransparente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Para fazer todos esses cruzamentos, um dado específico era fundamental:
o CPF dos candidatos. Por meio desse registro, se reduz a zero a chance de
confundir aquele político com outra pessoa. A solução lógica seria o uso do
nome completo, mas, em um país com cerca de 210 milhões de habitantes, a
ocorrência de homônimos é mais comum do que parece. Só em Minas Gerais, são 16
"João Batista da Silva" inscritos na base do TSE para as eleições
municipais de 2024, mesma quantidade de ocorrências do nome "Maria
Aparecida da Silva" nas urnas. Só com a informação do CPF seria possível
diferenciar cada um(a) deles(as).
A falta de transparência segue uma resolução
do TSE assinada em 2019, mas que só entrou em vigor, de fato, nas eleições
municipais deste ano. "Os endereços informados para atribuição de CNPJ,
comunicações processuais e do Comitê Central de Campanha, telefone pessoal,
e-mail pessoal, número do CPF e o documento pessoal de identificação não serão
divulgados no DivulgaCandContas (portal de informações sobre as eleições) e
serão juntados como documento sigiloso no processo de registro de candidatura",
informa a Corte em seu dicionário de dados, documento que norteia a
disponibilização de informações por parte do tribunal.
O mau uso da Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais (LGPD) chama a atenção, pois, na decisão se confunde o resguardo dos
candidatos com a falta de transparência. Ao menos, era obrigação do tribunal
gerar um novo registro, que fosse suficiente para diferenciar os candidatos, em
nome do interesse público e da fundamental vigilância da democracia brasileira.
É direito do eleitor saber o passado de quem se coloca como resolução dos
problemas da sociedade.
A decisão também não se mostra coerente.
Quando se consulta os doadores de campanha no portal do TSE, chama atenção que
o CPF dessas pessoas físicas permanece disponível para consulta do cidadão.
Essas pessoas não deveriam, em tese, ter os mesmos direitos dos candidatos, já
que a decisão do tribunal se baseia na LGPD?
O mesmo vale para eleições anteriores. Se o
objetivo realmente for proteger os dados pessoais dos candidatos, o TSE
deveria, obrigatoriamente, retirar do ar certidões disponíveis em seus sites,
que trazem informações como o CPF, RG, e-mail e telefones de quem concorreu nas
urnas até 2022.
A falta de transparência do tribunal coloca
em xeque reportagens importantes, como a feita pela Agência Pública em 2022,
quando 251 candidatos Brasil afora somavam R$ 84 milhões em multas ambientais.
Entre esses estavam três governadores: Helder Barbalho (MDB-PA); Antônio
Denarium (Progressistas-RR); e Ivo Cassol (Progressistas-RO). Desses, apenas
Cassol não se reelegeu.
Também impede a verificação dos bens
declarados pelos candidatos. Como a Corte não obriga os políticos a declarar
tudo aquilo que são proprietários, é comum que uma ou outra chapa esconda CNPJs
com potencial de desgaste perante a opinião pública, como empresas com muitos
processos trabalhistas abertos, ou até mesmo companhias que têm ações em
andamento contra a prefeitura na qual o(a) candidato(a) tenta se tornar chefe
do Executivo, o que configuraria conflito de interesses, não é mesmo?
Além disso, até o presente momento, não houve
a divulgação de casos de golpe que envolvessem dados pessoais dos candidatos em
eleições anteriores, que seriam justificativa para a decisão do TSE. Nem mesmo
tentativas vieram a público. Se tal situação ocorreu de maneira recorrente,
seria dever da Corte informar as motivações da polêmica resolução.
A medida, na prática, prejudica o eleitor em primeiro lugar. Em tempos nos quais o uso indevido da inteligência artificial (IA) e das redes sociais tanto prejudica o processo democrático, a partir de um compartilhamento em massa de notícias fraudulentas, o interesse público fica comprometido quando tais cruzamentos de informações se tornam impossíveis.
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