Orçamento de 2025 expõe limites do arcabouço fiscal
O Globo
Além do conhecido engessamento, projeto no
Congresso superestima receitas e subestima despesas
A proposta orçamentária para 2025 encaminhada
pelo governo ao Congresso revela não apenas os problemas conhecidos que
atravancam o Estado brasileiro. Também inaugura uma lista de novos problemas,
provocados pelo novo arcabouço fiscal e pelo ímpeto gastador do governo Luiz
Inácio Lula da
Silva.
No campo das dificuldades que se repetem ano após ano, está o engessamento das despesas. No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), 93% têm destinação fixa. São gastos com funcionalismo, Previdência, programas sociais, subsídios e vinculações obrigatórias gravadas na lei. Quanto a isso, nada tem mudado. O que mudou, como resultado do arcabouço fiscal, foi a autorização para o governo abrir espaço a mais gastos. Na prática, o projeto superestima receitas e subestima despesas. Para ampliar receitas, prevê crescimento do PIB de 2,6%, muito além do consenso do mercado. No relatório Focus do Banco Central do final de agosto, a estimativa era de 1,85%. A surpresa positiva no PIB deste ano deverá aumentá-la, mesmo assim o otimismo do governo é exagerado.
O PLOA também é otimista em relação à
arrecadação de impostos. Prevê a aprovação no Congresso de projetos que
aumentam tributos sobre Juros sobre o Capital Próprio (JCP) e Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Pela proposta, essas medidas trariam ao
Tesouro mais R$ 18 bilhões. Mas o presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL),
já disse ser “quase impossível” o Congresso aprovar aumento de impostos.
A tentativa de inflar as receitas ocorre por
um motivo evidente: pelo novo arcabouço, isso torna mais fácil acomodar mais
despesas — estas crescem na proporção da arrecadação, de 0,6% até o limite de
2,5%, além da inflação. Na formulação do Orçamento, o governo considerou a
hipótese mais otimista, com isso alcançou uma despesa total de R$ 2,249
trilhões, ou R$ 143,9 bilhões além do que gastou neste ano.
Desse adicional, porém, os gastos
obrigatórios — como aumento de benefícios previdenciários e da folha salarial
dos servidores — consumirão R$ 132,2 bilhões, deixando livres apenas R$ 11,7
bilhões para somar às despesas discricionárias. Na previsão do governo, estas
alcançarão R$ 178,5 bilhões. Mas as despesas obrigatórias estão subestimadas e,
quando a realidade se manifestar, comprimirão as demais.
A principal razão são as contas da
Previdência. Entre 2014 e 2020, o rombo financeiro do INSS passou
de 1,43% para 3,41% do PIB. Com a reforma de 2019, caiu para 2,37% em 2024, e o
governo aposta que a proporção se repetirá em 2025. Mas novamente há otimismo
na projeção. Ela não leva em conta o crescimento da população com mais de 65
anos de idade, nem a concessão maior de benefícios. Economistas têm estimado um
buraco adicional nas contas previdenciárias em torno de R$ 22 bilhões. É grande
a probabilidade de o déficit voltar a crescer.
O governo erra ao buscar o equilíbrio das
contas públicas pelo aumento de arrecadação, sem promover reformas que tragam
mais eficiência à máquina. O novo arcabouço permite mascarar a inclinação
gastadora sob um manto de responsabilidade fiscal. Mas a realidade dos números
é inclemente. Mantido o otimismo orçamentário, o Brasil pode se preparar para
um 2025 de contingenciamentos e bloqueios para manter as contas sob controle.
Regulação é essencial para garantir segurança
e expansão de criptomoedas
O Globo
Iniciativa para coibir lavagem de dinheiro dá
passo na direção das melhores práticas internacionais
É bem-vinda a iniciativa da Receita Federal
para regular o mercado crescente de criptoativos. De acordo com o Banco
Central, a compra líquida de criptomoedas por brasileiros chegou a R$ 61
bilhões em 2023. Apenas nos cinco primeiros meses deste ano, já somou R$ 40
bilhões.
Por não terem nenhum tipo de lastro físico,
as criptomoedas se tornaram o meio favorito para criminosos fecharem transações
que tentam passar ao largo do Fisco e são frequentemente usadas para lavar
dinheiro. Mas elas também têm um uso legítimo que não deve ser proibido. No ano
passado, venezuelanos exilados transferiram US$ 5,4 bilhões em auxílio para
parentes que continuam no país, usando criptomoedas para tentar escapar não
apenas das altas taxas cobradas por instituições financeiras, mas sobretudo da
vigilância da ditadura chavista.
No Brasil, a Receita pretende lançar o
programa “Cripto Conforme”, com o objetivo de incentivar as corretoras de
criptoativos a abrir filiais nacionais. Quem resistir à regularização
enfrentará fiscalização mais rígida da própria Receita e do Banco Central. A
intenção é aumentar a visibilidade das operações feitas por essas empresas e
averiguar se recolhem impostos corretamente. A abertura de filiais brasileiras
facilitará o serviço. Em contato com as corretoras, o governo quer, além de
orientá-las sobre o pagamento de impostos, estruturar o acesso a informações
sobre depositantes e sacadores.
A preocupação com o uso de criptomoedas para
lavagem de dinheiro é global. A fiscalização precisa ser compartilhada entre
diversos países, pois o dinheiro migra de um para outro a um piscar de olhos.
Para disciplinar a tarefa, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE)
lançou um documento com diretrizes comuns chamado “Crypto-asset reporting
framework” (Carf), a que o Brasil anunciou adesão.
As oscilações dos criptoativos também exigem
atenção, para evitar bolhas especulativas que possam afetar a economia ao
estourar. A queda vertiginosa da cotação de criptomoedas em 2022 funcionou como
alerta sobre os riscos. O conjunto de 80 das cem moedas digitais mais
negociadas caiu mais de 60%. É fundamental haver mecanismos de vigilância para
evitar que as criptomoedas se tornem foco de movimentos especulativos como os
que deram origem às crises financeiras de 1929 e 2008. Parece claro que a
motivação imediata da Receita com a tentativa de regulação é ampliar a
arrecadação. Mas isso não quer dizer que ela esteja errada. Impor disciplina ao
mercado de criptoativos é a única forma de lhe trazer segurança e, em
consequência, favorecer seu crescimento no futuro.
Limites têm de valer para todos os gastos do
governo
Folha de S. Paulo
Deterioração das contas exige revisão das
despesas obrigatórias; debate amadurece no Executivo, mesmo com vetos de Lula
O que o governo chama de "arcabouço
fiscal" é, na prática, uma versão mais branda —e falha— do extinto teto
para os gastos federais tão atacado pelos petistas.
Em vez de um limite fixado num mesmo montante
corrigido pela inflação para
as despesas totais, há limites para o crescimento anual delas, que precisa ser
inferior ao das receitas. Com tal regra, o equilíbrio orçamentário deveria ser
atingido, ainda de modo mais gradual.
A grande fragilidade desse arranjo, a esta
altura já admitida abertamente na área econômica do Executivo, é que grandes
dispêndios de caráter obrigatório —em saúde, educação,
Previdência e assistência social— não estão sujeitos às restrições.
Cedo ou tarde, e de preferência cedo, será
inevitável rever as normas que impõem a elevação contínua desses gastos. Esse
"debate está amadurecendo no governo", segundo disse o
secretário-executivo do ministério da
Fazenda, Dario Durigan, ao jornal O Estado de S. Paulo.
Ele sugeriu que o crescimento de todas as
despesas pode ficar enquadrado nos limites de variação do arcabouço fiscal. A
despeito das dificuldades políticas envolvidas, essa deveria ser uma
providência imediata óbvia.
Sem ela, outros setores e atividades da
máquina pública —do custeio administrativo ao investimento, do Bolsa Família ao
fomento à ciência—
terão de ser restringidos para o cumprimento das metas orçamentárias.
Esse estrangulamento, estima-se, pode tornar
o governo inviável a partir de 2027 —ou então seria preciso abandonar a
estratégia de ajuste das contas.
É preciso, pois, mudar os pisos das despesas
em saúde e educação, hoje vinculados à receita de impostos. Como não se pode
controlar a concessão de benefícios previdenciários, previstos em lei, resta a
contenção dos valores, grande parte deles atrelados ao salário
mínimo em expansão.
A melhor opção seria garantir a correção dos
pagamentos do INSS pela inflação, permitindo que o salário mínimo para
trabalhadores ativos continue subindo em termos reais.
Mudanças do gênero, acrescente-se, estavam
nos planos do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, desde o início do governo, mas até agora foram vetadas por
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
O ritmo de
deterioração das finanças, entretanto, não permite que o tema saia
de pauta.
A dívida pública, que era equivalente a 71,4%
do Produto Interno Bruto no início do governo, já subiu a 78,5%. Se até o teto
disfarçado dos gastos de Lula for abandonado, a trajetória de alta será
explosiva e imprevisível. Essa possibilidade contribui sobremaneira para o
nível já escorchante das taxas de juros.
O tempo político e econômico se esgota.
Reformas têm de ser aprovadas até 2025; o ano seguinte é de eleições
presidenciais que se anunciam acirradas. A partir de 2027, a situação ameaça se
tornar inadministrável.
Demissão de Silvio Almeida foi inevitável
Folha de S. Paulo
Acusações de assédio desmoralizariam governo
que empunha bandeira da defesa da mulher, mas não soube evitar o escândalo
Silvio Almeida mal durou 24 horas à frente da
pasta dos Direitos Humanos depois da revelação, por meio de reportagem do
portal Metrópoles, de que o agora ex-ministro é alvo de
acusações de assédio sexual feitas sob anonimato.
A tornar o caso mais escandaloso, noticiou-se
que uma das vítimas seria sua então colega de Esplanada Anielle
Franco, da Igualdade Racial —e o silêncio dela a respeito da
informação foi eloquente o bastante.
A rapidez na decisão do governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT),
no entanto, é apenas aparente. Ao que tudo indica, as queixas contra o ministro
já se acumulavam internamente havia meses, incluindo também denúncias de
assédio moral, reportadas na quarta-feira (4) pelo UOL.
Diante do estardalhaço, restou
a Lula agir sem maiores sutilezas. Já na manhã de sexta (6),
declarou em entrevista que "alguém que pratica assédio não vai ficar no
governo". Antes, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja,
já havia postado em uma rede social uma foto sua com Anielle.
Convocou-se uma reunião com cinco ministros
para discutir o caso; fez-se saber que a Polícia
Federal iniciaria investigações a respeito da conduta de
Almeida.
No início da noite, a demissão foi comunicada
sem meias palavras em nota do Planalto: "O presidente considera
insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das
acusações de assédio sexual".
Pouco se sabe de concreto a respeito de tais
acusações além de que foram apresentadas à organização Me Too Brasil, que as
confirmou sem mencionar números nem nomes. A prática intolerável do assédio,
que pode ocorrer por meio de condutas físicas e verbais, tende a ser de difícil
comprovação jurídica, o que costuma intimidar suas vítimas.
Após a crise vir à tona, a professora Isabel
Rodrigues, candidata a vereadora em Santo André (SP), postou vídeo em que relata ter
sofrido agressão sexual por parte de Almeida em 2019.
O ministro exonerado errou ao usar a
estrutura da pasta para fazer a sua defesa —na qual atribuiu as denúncias a uma
suposta campanha contra sua imagem "enquanto homem negro em posição de
destaque no poder público". De qualquer modo, sua saída já se tornara
inevitável.
As acusações devem ser apuradas e ele precisa ter amplo direito à defesa. Se mantido no cargo, o processo traria desgaste descomunal a um governo que empunha a bandeira da defesa das mulheres e dos direitos humanos, mas não pôde prevenir um escândalo em seu primeiro escalão.
O problema do STF com a democracia liberal
O Estado de S. Paulo
Supremo se atribuiu a missão de sanear o
debate nacional sem ter autoridade para isso. Numa democracia liberal, todos
são livres para dizer o que pensam, mesmo coisas desagradáveis
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), disse numa palestra na Universidade Mackenzie, na
semana passada, que as redes sociais são “um instrumento bom”, mas que têm sido
usadas “de forma extremamente competente por um novo grupo político, os
extremistas populistas”, para solapar a democracia. Para o ministro, o ideal é
que as empresas que administram as redes sociais se responsabilizem pelo que
publicam. Enquanto isso não acontece, presume-se pelo contexto, restaria ao
Judiciário agir para proteger os cidadãos daquilo que o ministro Moraes chamou
de “discurso de ódio”.
Subjaz a essas declarações de Alexandre de
Moraes uma preocupante visão segundo a qual estamos numa luta do “bem” contra o
“mal”, e o primeiro é representado por aqueles que prezam a democracia –
liderados pelo Supremo – e o segundo é encarnado na ganância das chamadas “Big
Techs” e na vileza dos extremistas de direita. Fosse o sr. Moraes um anônimo
cidadão comum a conversar no bar, sua visão não teria maiores consequências. No
entanto, tendo partido não somente de um ministro da Corte mais alta do País,
mas também do poderoso relator dos processos sobre “fake news” e “milícias
digitais” no Supremo, a opinião do sr. Moraes equivale a um veredicto.
A expressão “discurso de ódio” não se
encontra em nenhum lugar do ordenamento jurídico brasileiro. É apenas o rótulo
usado por aqueles que, a pretexto de proteger a sociedade e a democracia,
defendem o cerceamento preventivo da manifestação do pensamento. Há alguns
anos, o Supremo Tribunal Federal arvorou-se em árbitro do discurso político,
sobretudo nas redes sociais, mandando derrubar perfis que, em sua visão,
ameaçam a democracia – o que é tratado liminarmente como crime de lesa-pátria.
A censura judicial, que deveria ser ato
excepcionalíssimo em momentos excepcionalíssimos, como é o caso do período
eleitoral, tornou-se assustadoramente corriqueira. Não é preciso ser
simpatizante dos censurados – e este jornal não é, sobretudo dos extremistas
que querem destruir a democracia – para ver aí um padrão preocupante.
E esse padrão parece responder a uma visão de
mundo autoritária, segundo a qual cabe ao Estado expurgar a sociedade de seus
vícios, de acordo com um ideal determinado por um grupo de iluminados que se
autoatribuiu a missão de salvar os brasileiros de si mesmos. De acordo com esse
raciocínio, os brasileiros não podem ter nenhum contato com opiniões tidas como
violentas ou ameaçadoras, pois seriam incapazes de discernir o certo e o
errado, o bem e o mal, o virtuoso e o viciado – e estariam, portanto, sempre à
mercê do extremismo.
Ora, se os cidadãos brasileiros são capazes
de escolher seus governantes, são igualmente capazes de julgar quais
informações lhes serão úteis ou podem prejudicá-los Já as eventuais ofensas são
tratadas pela lei – e quem for difamado, caluniado ou injuriado deve recorrer à
Justiça para obter a devida reparação. Essa é a lógica de um país
verdadeiramente livre, em que os direitos básicos são assegurados a todos,
independentemente do caráter e do comportamento de cada um. Ninguém pode ter
medo de ser punido por expressar sua opinião, mesmo que seja agressiva e
eventualmente antidemocrática, pois isso não é digno de uma democracia.
Mas é justamente isso o que está acontecendo
no Brasil, num grau de arbitrariedade característico dos regimes de exceção. Os
poderosos juízes do Supremo querem controlar o debate nacional sem ter nenhuma
autoridade legal para isso – e todos os que criticam essa truculência são desde
logo classificados como “inimigos da democracia”.
A beleza de uma democracia liberal, como
pretende ser a brasileira, está na liberdade como princípio: todo cidadão é
livre para fazer e falar o que bem entende, respondendo por seus atos e
palavras na forma da lei. Numa sociedade assim, coisas desagradáveis
eventualmente são ditas ou feitas. Pode ser que isso fira a sensibilidade de um
ou outro ministro do Supremo, mas é o preço de viver numa verdadeira
democracia.
Diversidade e inclusão em xeque
O Estado de S. Paulo
Pressionadas por ativismo conservador,
empresas dos EUA abandonam políticas de inclusão nas quais provavelmente nunca
acreditaram e às quais aderiram por conveniência, e não convicção
Ao longo dos últimos anos, a cultura
corporativa ensaiou uma transformação. Departamentos de Recursos Humanos foram
redesenhados não só para acomodar profissionais mais diversos, mas para
“educar” a força de trabalho de modo a evitar comportamentos discriminatórios.
Cotas para mulheres, negros e gays foram adotadas por diversas empresas, que
passaram ainda a explorar a imagem destes mesmos funcionários em campanhas de
comunicação interna e externa. Agora, sob pressão de um barulhento ativismo
conservador, empresas nos EUA têm abandonado o que se convencionou chamar de
DEI (diversidade e inclusão), numa demonstração de que provavelmente tenham
adotado tais políticas menos por convicção e mais pelo desejo de figurarem em
listas de melhores empresas para trabalhar.
A Ford, por exemplo, acaba de comunicar aos
funcionários que não vai mais participar de um indicador de equidade
corporativa da Human Rights Campaign (HRC), uma ONG que atua pelos direitos
LGBTQI+, nem adotar cotas para minorias quando estiver tratando com
fornecedores. O comunicado da empresa foi vazado ao jornal USA Today por Robby Starbuck, ativista americano que
“mapeia” empresas populares entre o público conservador com políticas – como
patrocínios a paradas de orgulho gay – que desagradam a essa parcela da
população. Starbuck então passa a expor as empresas em suas redes sociais,
incitando seus seguidores a boicotá-las.
Ele credita a si próprio a reversão de
políticas DEI promovidas por empresas como a fabricante de motocicletas
Harley-Davidson, que entre outras coisas anunciou o fim do relacionamento com a
HRC e a revisão de patrocínios, que devem focar a partir de agora no
motociclismo. Quando uma empresa cede, Starbuck passa imediatamente a mirar
outra; a simples suspeição de que podem ser expostas pelo conservador faz com
que algumas empresas se antecipem a ele e revertam políticas DEI
preventivamente, para deleite de Starbuck.
Não é incomum que consumidores insatisfeitos
com uma empresa ameacem abandoná-la, mas no mais das vezes tais iniciativas não
prosperam. A estratégia conservadora, contudo, vem funcionando por mirar em
companhias com as quais homens de meia idade sentem forte identificação, como
fabricantes de veículos e redes de material de construção, ainda que a HRC
afirme que 30% da geração Z se identifica com a comunidade LGBTQI+.
Além das listas de melhores empresas para
trabalhar, das quais agora buscam se afastar, empresas também adotaram
políticas DEI na esteira de eventos de grande comoção, como a morte de George
Floyd, homem negro estrangulado durante uma abordagem policial nos EUA, ou, no
caso do Brasil, quando falas e ações de executivos geraram crises de reputação.
Não é de hoje que políticas DEI têm sido
questionadas por, na tentativa de gerar inclusão, terem criado um clima de
medo, fazendo com que muitas pessoas temam dizer ou fazer qualquer coisa por
receio de ofender alguém ou de sofrer os chamados “cancelamentos”, banimentos
temporários ou duradouros.
Nem por isso a correção de distorções que
mantêm mulheres, negros e gays em situação de desvantagem no mundo corporativo
deve deixar de ser perseguida. Fato é que, ao adotar políticas DEI mais com a
intenção de ganhar visibilidade ou mitigar crises de reputação, as empresas em
nada contribuem para que o problema seja solucionado.
Ao buscar políticas de inclusão, empresas
deveriam fazê-lo com a mesma convicção que adotam quando, por exemplo, decidem
investir recursos financeiros em um projeto de expansão. Quando, sem reflexão,
embarcam em projetos apenas pensando nas aparências, as empresas acabam por
aprofundar a polarização, seja a dos ativistas conservadores ou a de radicais
para os quais até mesmo a palavra “mulher” é discriminatória.
No ritmo atual, o risco é de segmentação cada
vez maior, com extremistas de ambos os espectros delimitando quem conversa com
quem. Mais uma vez, perde a maioria que, sob a fachada da inclusão, segue
sacrificada e excluída.
A ‘ditadura perfeita’ assombra o México
O Estado de S. Paulo
Com maioria no Congresso, López Obrador tenta
enfraquecer os freios ao poder do governo
Desde que o primeiro-ministro da Hungria,
Viktor Orbán, ensinou o caminho das pedras, arruinando a independência da Corte
Constitucional para instaurar sua “democracia iliberal”, governantes e
políticos de diversos países vêm discutindo ou articulando maneiras de
emascular as Supremas Cortes para terem maior liberdade de ação. Trata-se de
uma maneira de reduzir ou mesmo de anular a capacidade do Judiciário de impor
freios à classe política e dirigente. Se ainda não é possível decretar o fim do
sistema de freios e contrapesos que sempre caracterizou as democracias
ocidentais, já está claro, contudo, que esse modelo está em franca crise – e
dela se aproveitam os liberticidas em geral.
O exemplo mais recente vem do México. Ali, o
presidente Andrés Manuel López Obrador faz avançar uma ampla reforma do
Judiciário, na qual se estabelece que magistrados de todas as instâncias sejam
eleitos por voto popular. Segundo o governo, isso asseguraria “legitimidade
democrática” e “independência” aos membros do Judiciário. Contrários à ideia da
tal eleição, que ocorreria já em 2025, os juízes entraram em greve por tempo
indeterminado. O presidente mexicano garante que não vai desistir, pois “os magistrados
precisam saber que representam o povo”.
Ora, os magistrados não representam o povo.
Seu parâmetro não é a vontade popular, e sim a lei. Parece uma coisa elementar,
mas, nos tempos estranhos em que vivemos, o elementar é revolucionário. Seja
como for, o modo de escolha de ministros de tribunais superiores e a duração de
seus mandatos têm sido objeto de variadas e acaloradas discussões mundo afora,
exatamente porque a legitimidade das decisões tomadas por esses colegiados,
sobretudo por parte de quem teve seus interesses contrariados, tem sido objeto
de contestação.
O último mês de López Obrador na presidência
do México coincide com o início de uma nova legislatura na qual o ainda
presidente tem uma maioria sem precedentes em quase seis anos de mandato.
Trata-se de uma oportunidade de ouro para que o mandatário aprove reformas
constitucionais significativas, que podem desfigurar a democracia mexicana.
E não é apenas sobre o Judiciário que López
Obrador quer avançar. Disposto a deixar sua marca na história do País, suas
propostas incluem reverter reformas da previdência aprovadas em governos
anteriores e, sob a desculpa da redução de gastos, enfraquecer órgãos
eleitorais.
Mesmo que essas reformas não sejam aprovadas
agora em setembro, vale lembrar que López Obrador elegeu sua sucessora, Claudia
Sheinbaum, que herdará a maioria no Congresso. Ela e seu padrinho terão totais
condições de restabelecer no México um regime hegemônico algo semelhante ao que
vigorou por sete décadas até o ano 2000, sob a liderança do Partido
Revolucionário Institucional (PRI).
Naquele regime, qualificado por Vargas Llosa como “a ditadura perfeita”, toda a vida mexicana era vinculada de uma forma ou de outra ao PRI. Realizavam-se eleições regularmente, para manter a fachada democrática, mas tudo já estava decidido, de forma imperial, pelo partido no poder. É com isso que sonha López Obrador – e tantos outros candidatos a autocrata por aí.
Poluição plástica desafia o Brasil
Correio Braziliense
Brasil é o oitavo maior poluidor de plástico
do planeta. Se o país é líder mundial na reciclagem de alumínio, o que
está esperando para fazer o mesmo com os plásticos?
Enfrentando uma das piores secas da história,
o Brasil é alertado da existência de um outro problema ambiental que também
está ligado a incêndios e pode afetar drasticamente a saúde da população: a
poluição plástica. Um estudo publicado na última quinta-feira na renomada
revista científica Nature mostra que o país ocupa a oitava posição no ranking
mundial dos 10 países que mais dispersam plástico no meio ambiente. O estudo da
Universidade Leeds, no Reino Unido, calculou que, em 2020, 52 milhões de toneladas
desse material foram lançadas de forma não sustentável. O Brasil teria
contribuído com 1,44 milhão de tonelada.
O cenário pode ser ainda pior. Na opinião do
geólogo e pesquisador do Centro de Pesquisa da Petrobras Marcos Moraes, parece
pouco provável que o Brasil dê destino correto a 8 milhões, das 11 milhões de
toneladas de produção de lixo, como indica a pesquisa britânica. Ao Correio,
Moraes reconhece que o mapeamento do estudo será útil para o Tratado Global do
Plástico, em preparação pela Organização das Nações Unidas (ONU), por
"trazer uma referência sobre como e onde atuar" para resolver o
problema.
Só em 2020, 30 milhões de toneladas foram
queimadas, sem qualquer controle ambiental, em ruas e lixões dos países
estudados — foram coletados e analisados dados de gerenciamento de resíduos em
mais de 50 mil municípios, incluindo Brasília, Belo Horizonte, Salvador, São
Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Essa opção está entre as piores para o
descarte, pois afeta a saúde humana, com riscos de desenvolvimento de defeitos
neurodesenvolvimentais, reprodutivos e congênitos, alertam os
pesquisadores.
Além dos riscos à saúde, a queima de lixo é
perigosa sobretudo no período de estiagem. Basta uma faísca para provocar um
enorme incêndio, com consequências imprevisíveis. No Brasil, onde cerca de 1,9
milhão de pessoas não têm acesso à coleta de lixo, incinerar é uma escolha.
Quando não, a saída é descartar o plástico em áreas abandonadas ou nos rios.
A conclusão da equipe britânica — de que a
destinação do lixo plástico é péssima e faltam indícios de reciclagem
sustentável — deve ser entendida como uma condição de urgência para o
Brasil. Se o país é líder mundial na reciclagem de alumínio, a de latas chega a
99%, o que está esperando para fazer o mesmo com os plásticos?
Anfitrião da Conferência das Nações Unidas
sobre as Mudanças Climáticas (COP30) no próximo ano, em Belém (PA), o país tem
a responsabilidade de exibir ao mundo um país efetivamente comprometido com as
causas ambientais, por meio de políticas públicas. Para isso, há de se resolver
questões como grave carência de educação para a preservação do patrimônio
natural, precariedade na coleta de lixo, falta de saneamento básico e descuido
com a preservação das praias, afetadas pelos resíduos plásticos que desembocam
nos oceanos.
Essas e outras providências não são atribuições exclusivas do governo federal, mas também dos prefeitos e governadores. Meio ambiente, saúde e educação não têm ideologia política, mas são indispensáveis ao bem-estar de toda a sociedade.
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