O Estado de S. Paulo
Dados de inflação e juros tornam especialmente valioso o otimismo captado pela FGV, mas também realçam o perigo da inclinação presidencial para gastar
Confiança em alta entre consumidores e
empresários pode facilitar a vida do presidente Lula neste semestre,
dispensando-o de antecipar o Natal para outubro, como fez o companheiro Nicolás
Maduro, ditador da Venezuela. Nada o dispensa, no entanto, de realizar seu
trabalho, cuidando bem do dinheiro público, evitando um novo rombo orçamentário
e buscando, por meio de reformas, desengessar as finanças do governo. O País
teve um primeiro semestre vigoroso, com produção 2,9% superior à de um ano
antes, emprego em alta e maior rendimento para os trabalhadores. Os novos
desafios incluem o risco de inflação maior e o desarranjo das contas públicas.
Apesar da melhora na economia, os níveis de confiança ainda ficaram em agosto, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), abaixo do nível neutro, correspondente a 100 pontos. Tendo subido pelo quarto mês consecutivo, o indicador empresarial atingiu 97,9 pontos. No caso dos consumidores, depois de três meses de avanço foi alcançado o patamar de 93,2 pontos. Endividamento e inadimplência ainda elevados limitam, de acordo com o relatório, o otimismo das famílias.
Além disso, os níveis de confiança já são
desiguais entre os vários grupos, tanto de empresários quanto de consumidores.
Na área empresarial, a melhora de expectativas foi observada em 23 dos 49
setores acompanhados. Nos demais houve queda. No caso dos consumidores, os
sinais se tornaram mais positivos nas duas faixas de maior rendimento e
recuaram nas outras duas. Na menos favorecida, o ganho mensal atinge no máximo
R$ 2.100. Na seguinte, R$ 4.800.
A estes dados ainda se poderia acrescentar um
dado ausente do relatório da FGV: além de ganharem menos, as famílias mais
pobres são quase sempre as mais afetadas pela inflação. Também por isso o poder
federal deveria empenhar-se muito seriamente na prevenção da alta geral de
preços. Não basta deixar essa tarefa para o Banco Central (BC). O Executivo
poderia adiantar o trabalho, controlando e selecionando seus gastos mais
severamente.
Isso tornaria dispensáveis as quase sempre
dolorosas políticas de ajuste. Essas políticas normalmente incluem elevação de
juros, maior dificuldade para obtenção de crédito e menor volume de capital
investido na produção. Maior atenção ao risco inflacionário facilitaria,
portanto, o andamento dos negócios, a oferta de empregos e o crescimento sem
solavancos.
Contenção e maior seleção de gastos públicos
poderiam beneficiar mais amplamente, portanto, os grupos mais carentes, tanto
pela menor pressão inflacionária quanto pelo avanço mais seguro da atividade. A
percepção desses dados inverte a imagem do conflito entre o populismo petista e
a defesa da moeda realizada pelo BC. O maior cuidado com o valor da moeda acaba
sendo mais benéfico ao trabalhador, especialmente ao de baixa renda, do que a
gastança aparentemente generosa.
Não há como desconhecer ou minimizar, é
claro, os sofrimentos ocasionados por ajustes monetários severos, nos momentos
de maiores desarranjos. Esse é mais um motivo de grande peso para se evitarem
políticas potencialmente inflacionárias. Se o desastre ocorrer, no entanto, o
governo poderá implantar políticas especiais de apoio aos grupos carentes, para
atenuar o impacto das ações corretivas. Inaceitável é a prática tradicional,
mantida por governantes imprudentes, de criar o desarranjo e depois brigar com
a autoridade monetária, acusando-a de insensibilidade social.
Com inflação de 4,35% nos 12 meses até
agosto, medida pelo IPCA-15, o Brasil continua longe do centro da meta, fixado
em 3% pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Pelo mesmo indicador, a alta de
preços acumulada neste ano chegou a 3,02% no mês passado. A taxa mensal (0,19%)
foi menor que a de julho (0,30%), mas houve alta em oito dos nove grupos de
bens e serviços pesquisados. No mercado, a mediana das projeções para o ano
subiu de 4,25% para 4,26%, segundo o boletim semanal Focus divulgado na
segunda-feira passada. O mesmo boletim registra projeções de 3,92% para 2025,
3,80% para 2026 e 3,50% para 2027 – sem expectativa, portanto, de chegar ao
centro do alvo no próximo triênio.
Se os fatos confirmarem o conjunto das
estimativas, a inflação longe da meta coexistirá com taxas medíocres de
crescimento econômico: 2,46% em 2024, 1,85% em 2025 e 2% nos anos seguintes.
Empresários da produção podem ter
expectativas melhores que as do setor financeiro, mas continuarão enfrentando
juros muito altos, se o BC mantiver expectativas de inflação elevada. O acesso
ao financiamento permanecerá difícil e o quadro poderá piorar se o ingresso de
capital estrangeiro for prejudicado.
As estimativas captadas na pesquisa Focus
apontam juros básicos de 10,50% no fim deste ano, 10% em dezembro de 2025,
9,50% em 2026 e 9% no ano seguinte. Empresários e consumidores continuarão
enfrentando crédito muito caro, além da tributação muito pesada. Esses dados
tornam especialmente valioso o otimismo captado pela FGV, mas, ao mesmo tempo,
realçam o perigo da inclinação presidencial para a gastança.
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