O Estado de S. Paulo
Os próximos dois anos muito dirão sobre
nossos inafastáveis desafios na área fiscal
Tema frequente de meus artigos neste espaço, ao longo de anos, tem sido a visão de que no Brasil convivem em simbiose o moderno e o anacrônico. E de que o Brasil moderno pode estar, ainda que muito gradualmente, aumentando seu peso relativo em relação a seu lado anacrônico – que nunca deve ser subestimado. Isso vale tanto para o mundo da política quanto para aquele da economia. Na arena político-institucional, continuamos tentando construir uma sociedade em que parte não irrelevante da opinião pública seja contra a apropriação espúria e uso indevido de recursos públicos; contra a ocupação e aparelhamento da máquina governamental para servir a interesses eleitorais, corporativistas, partidários e clientelistas. Em ambas as dimensões da vida pública – política e economia – penso ser possível expressar esperanças não insensatas em diálogos não impossíveis.
E por que essa reflexão agora? Ao fim deste
mês de dezembro o presidente Lula da Silva terá alcançado a metade de seu
mandato. Veremos, como de hábito nesses momentos, numerosos balanços do
primeiro biênio, análises sobre o que esperar do período restante. Mas faltam
apenas 21 meses para as cruciais eleições de 2026 – o ano que está chegando
mais cedo.
Logo após sua vitória nas urnas em 2022, Lula
assim se expressou, reiterando o mantra de sua campanha eleitoral: “O modelo
que propomos, aprovado nas urnas, exige, sim, compromisso com a
responsabilidade, a credibilidade e a previsibilidade; e disso não vamos abrir
mão. Foi com realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a
estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos que governamos
este país. (...) Olhem o que eu fiz nos oito anos (2003-2010). Não podemos
fazer diferente. Teremos que fazer melhor”. Seu quadriênio de 20 anos depois
(2023-2026) será avaliado nas urnas em função dessas promessas e também do que
terá a dizer sobre o futuro o provável candidato Lula.
“O que fazer agora? Na economia, há quase um
consenso de que o País precisa de reformas estruturais para viabilizar um novo
ciclo de desenvolvimento.” “É certo que mudanças são necessárias na Previdência
e na legislação trabalhista, assim como na tributação, na remuneração dos
serviços públicos, no gasto social e também no gasto financeiro do governo.” “A
solução da crise atual requer um debate equilibrado e transparente de questões
impopulares, inclusive nas campanhas eleitorais, inclusive pela esquerda.” Assim
escreveu o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, hoje diretor do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em seu primeiro artigo
como colunista da Folha de S.Paulo, em maio de 2017. Reproduzi essas palavras,
que considerei encorajadoras, em artigo publicado um mês depois neste espaço
(Diálogos não impossíveis?, de 11/6/2017).
Barbosa voltou ao tema menos de um ano depois
em importante entrevista para Claudia Safatle no jornal Valor Econômico
(2/3/2018). Ali, afirmava: “Acho que agora caiu a ficha para o PT, (...) o
pessoal já sabe que tem que fazer a reforma da Previdência, sabe que tem que
fazer reformas. Tem que regulamentar o teto remuneratório do setor público e
tem que rever todas as vinculações que hoje engessam o Orçamento”. A sequência
de reformas deveria ser, segundo o ex-ministro, aquela da Previdência e em
seguida a da folha de salários, que, somadas, representariam quase 75% do gasto
primário da União e responderiam pelo forte desequilíbrio das finanças dos
Estados e municípios.
Ao longo dos próximos 21 meses, até as
eleições de 2026, é preciso discutir dois grandes conjuntos de questões. O
primeiro é como encaminhar um processo de reformas como aquelas sugeridas por
Barbosa e por muitos dos economistas não ligados ao PT, que olham para o futuro
do País no longo prazo e não apenas para as próximas eleições.
O segundo tem a ver com questão fundamental
sintetizada com felicidade por Kenneth Rogoff nos seguintes termos: “É
lamentável que neste debate sobre os limites das ações do governo haja muito
pouca discussão sobre como fazer o governo um provedor de serviços eficiente.
Aqueles que desejam um papel mais amplo do setor público estariam fortalecendo
sua posição se estivessem preocupados em encontrar formas de fazer o setor
público mais eficaz”. E – acrescento eu – não creio que isso seria impopular,
particularmente nas áreas de saúde, educação, segurança e infraestrutura. Que
certamente ocuparão posição central nos debates de 2026 e muito adiante.
Em março de 2021 publiquei neste espaço um
artigo que tinha o mesmo título deste, mas referindo-se a 2022, ano eleitoral
que vinha chegando mais cedo. Agora é 2026 que vem chegando – e muito mais
rápido, indicando, mais uma vez, que o tempo da política não é o mesmo do tempo
cronológico convencional. Tivemos nas eleições presidenciais de 2018 um não
debate, que se repetiu em 2022. Não podemos correr o risco de ver ausente das
eleições presidenciais de 2026 discussão séria sobre temas substantivos como aqueles
discutidos pelo ex-ministro, economista que se considera um moderado do PT,
como quero crer que se considere o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Os próximos dois anos muito dirão sobre nossos inafastáveis desafios na área
fiscal.
Um comentário:
Obrigado, Gilvan. Inegável a capacidade e honestidade intelectual de Pedro Malan, cujas considerações sempre ponderadas merecem ser lidas - e ouvidas.
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