Folha de S. Paulo
Na média do país, 27,4% são pobres; entre as
crianças, até 14 anos, 44,8% do total
Mais de um
quarto dos brasileiros são pobres. Na média. Para ser preciso, 27,4%
das pessoas, em 2023. Entre as crianças, quem tem até 14 anos, essa taxa
deprimente é de 44,8%. Entre quem tem mais de 60 anos, 11,3%. São dados
do IBGE.
Não é o único dos grandes desvios da média que explicitam discriminações crônicas e de causas profundas, "estruturais". Por exemplo, 21,2% das pessoas entre 15 e 29 anos são "nem-nem" (não está em escola, não trabalha). Mas qual é o rosto típico dos "nem-nem"? Mais de 45% dessas pessoas são mulheres pretas e pardas.
A diferença
brutal da pobreza infantil se repete faz tempo nas
estatísticas. Os cientistas sociais e quem se ocupe do assunto sabem muito bem
disso. Não têm sucesso bastante nem ao menos para colocar o assunto na conversa
nacional.
Crianças mais pobres são mais comuns em
famílias monoparentais (na maioria, a cargo de mulheres), em zonas rurais, em
casas de mães e pais que têm mais filhos, são mais pretas e pardas.
Crianças mais
pobres tendem a morrer mais, crescer menos; a se atrasar mais na
escola e no desenvolvimento cognitivo em geral. Adiante, tendem a ter salários
menores, a engravidar cedo demais. Etc.
Temos benefícios sociais dirigidos para mais
velhos, óbvio: Previdência, assistência social (como o BPC). O Bolsa Família
serviria também para levar mais dinheiro para crianças e famílias com mais
crianças. Não basta, para dizer o menos. Além do mais, o problema não se limita
à pobreza dita "monetária" (de renda) e apenas vai ser atenuado com
transferências sociais dirigidas para crianças mais pobres. A discussão de
alternativas entre o público geral e na política mal existe. Faz pouco que se começou
a falar de creche.
O Bolsa Família teve peso na redução
significativa da pobreza de 2022 para 2023, primeiro de Lula 3. De 2022 para
2023, o aumento da despesa com o programa foi de mais de 80%, em termos reais
(além da inflação),
acréscimo de R$ 78 bilhões, para R$ 175 bilhões anuais. A massa salarial, a
soma de todos os rendimentos do trabalho, cresceu bem, mas cerca de 5%, por
exemplo.
Graças aos benefícios do Bolsa Família, mas
não apenas, a participação da renda do trabalho na renda total dos mais pobres
passou a ser bem menor. Para famílias com renda domiciliar per capita abaixo de
um quarto de salário mínimo, os rendimentos do trabalho eram 34,6% da renda
total em 2023 (benefícios sociais, 57,1%). Em 2019,
pré-pandemia, sob Jair Bolsonaro, o trabalho era 59,9% da renda desse grupo
mais pobre. Em 2013, pico da renda do país, auge dos anos
petistas, 59,7%.
Na média nacional, o rendimento do trabalho
equivalia a 74,2% do rendimento total em 2023. Entre aqueles que ganhavam entre
1 e 2 salários mínimos, por exemplo, o trabalho contribuía com 76% da renda
total, em média.
E daí? Primeiro, os
mais pobres são, literalmente, excluídos: não têm trabalho ou vivem de bicos
precaríssimos. Segundo, dificilmente será possível conseguir
grandes reduções adicionais de pobreza à base de aumento de despesa com
benefícios sociais.
Não se trata aqui daquela conversa de arrumar
"porta de saída" para beneficiários do Bolsa Família (que de resto
vivem em uma porta giratória de entradas e saídas da pobreza). O problema é
como fechar essa porta de entrada na pior dureza da vida. Para começar,
poderíamos tratar bem das crianças.
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