quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Como lidar com a era do baixo crescimento - Martin Wolf

Financial Times / Valor Econômico

Desaceleração do crescimento precisa estar no foco das políticas públicas

Terá chegado ao fim o rápido crescimento econômico dos países de alta renda do mundo? Caso tenha, será que o estouro da bolha em 2007 marcou o ponto de virada? Ou, de outra forma, será que estamos no início de uma nova era de rápido crescimento alimentada pela inteligência artificial (IA)? As respostas a essas perguntas deverão contribuir muito para moldar o futuro de nossas sociedades, uma vez que a estagnação das economias explica, em parte, nossa cizânia política.

Então, o que mostra o histórico e até que ponto ele dependeu de oportunidades irrepetíveis? Aqui, meu foco será o Reino Unido, em sua condição de ser um dos vários países que lutam para recuperar o dinamismo. O Reino Unido, na verdade, tem sido relativamente pouco dinâmico desde a Segunda Guerra. No entanto, segundo o Conference Board, o PIB real per capita no Reino Unido cresceu 277% entre 1950 e 2023. No mesmo período, o PIB real per capita dos Estados Unidos cresceu 299%, o da França, 375%, o da Alemanha, 501% e o do, Japão 1.220%. Os padrões de vida, de forma cumulativa, foram se transformando.

Ainda assim, muita gente se sente miserável. Parte da explicação disso é que as taxas de crescimento vêm caindo. Elas foram mais altas entre 1950 e 1973, a era da recuperação pós-guerra, mais baixas entre 1973 e 2007, e ainda mais baixas entre 2007 e 2023. Surpreende o fato de que este último período foi o primeiro em que o crescimento dos EUA, tanto em termos de PIB per capita quanto de produção por hora, superou o da França, Alemanha, Japão e Reino Unido. O nível de crescimento da produtividade por hora nos EUA, contudo, foi menor do que nos períodos anteriores.

O “milagre” de crescimento pós-1945, em especial, na Europa continental e no Japão, foi um evento único. Foi impulsionado pelas oportunidades proporcionadas pela reconstrução do pós-guerra, pela economia de consumo em massa criada pelos EUA no meio século anterior, pela integração econômica revigorada, sobretudo com a liberalização do comércio exterior, e por uma economia de alto emprego e altos investimentos, sustentada por políticas macroeconômicas melhores e por maior confiança empresarial. Também foi importante o papel da Guerra Fria, que envolveu os EUA no cenário global de forma permanente, em contraste com seu desengajamento em relação à Europa ainda devastada na década de 1920.

Para muitas das atuais economias de alta renda, o boom do pós-guerra foi um sucesso nunca mais superado. Isso também vale para o Reino Unido, embora sua economia tenha crescido bem mais lentamente que as de seus vizinhos europeus. As taxas de crescimento desaceleraram de forma geral a partir do início dos anos 1970, mas de forma menos acentuada nos EUA e no Reino Unido. A explicação plausível é que as grandes oportunidades já haviam sido exploradas. A partir da década de 1980, essas oportunidades passaram a ser encontradas na Ásia emergente, cujas economias se deleitaram com as mesmas oportunidades de crescimento antes desfrutadas pelo Japão e Coreia do Sul. A China foi o exemplo mais destacado disso.

O que o futuro reserva para essas economias é a necessidade de administrar a alta nos gastos públicos, em especial, com a defesa e os idosos. As autoridades também precisarão fazer reformas econômicas voltadas a promover a competição, a inovação e os investimentos

Novas tecnologias continuaram a ser criadas, mais notavelmente as da revolução digital. No entanto, o argumento de Robert Gordon, em sua obra-prima “The Rise and Fall of American Growth” (Ascensão e queda do crescimento americano), de que houve uma diminuição perceptível no ritmo geral do progresso tecnológico em comparação à abrangência e escala anterior à Segunda Guerra, é convincente. Outro motivo para a desaceleração geral no crescimento da produtividade é o papel cada vez maior dos serviços intensivos em mão de obra, nos quais é difícil elevá-la.

Além disso, alguns dos impulsos no crescimento no século XX e início do século XXI foram inevitavelmente transitórios. Um deles foi o aumento da participação feminina na força de trabalho. Outro foi o avanço universal em direção a mais anos de ensino, em especial na educação superior. Também houve a redução das taxas de dependência como um todo, à medida que a geração dos “baby boomers” (como são chamados os nascidos na geração da explosão populacional do pós-guerra nos EUA) entrou na força de trabalho. O Reino Unido ainda se beneficiou de sua adesão à União Europeia, que depois descartou indiferentemente.

Outro impulso transitório, em particular para as contas públicas do Reino Unido, veio da inflação, que ajudou a eliminar o peso da dívida pública acumulada durante a guerra. O setor público britânico também aproveitou os recursos proporcionados pela privatização e as receitas inesperadas com o petróleo do Mar do Norte, ambos já consumidos. Infelizmente, o impacto da crise financeira e da pandemia foi fazer a dívida pública voltar a subir, ainda que bem longe das alturas de 1945.

Outro impulso único veio do crescimento explosivo do setor financeiro, no qual o Reino Unido teve um papel mais do que destacado. Como argumentei em 5 de novembro, a bolha financeira “não apenas inflou o tamanho sustentável do setor financeiro, mas também inflou o de uma série de atividades auxiliares”. Isso, volto a dizer, é irrepetível, ou, pelo menos, isso é o que se espera.

Então, agora o que está por vir? Será que a lentidão pós-2007 é a norma para as velhas economias de alta renda, exceto, talvez, os EUA? Por sorte, existem algumas novas oportunidades. Uma delas é esforçar-se para alcançar os EUA, como ocorreu nas décadas de 1950 e 1960. Para o Reino Unido, outra oportunidade é elevar os rendimentos das regiões “deixadas para trás”. Outra possibilidade é um retorno à união alfandegária e ao mercado único da UE. Em vez disso, contudo, o Reino Unido pode tentar ser o país favorito de Donald Trump. Para a UE, a oportunidade é adotar, em sua plenitude, o relatório Draghi.

No entanto, o que o futuro reserva para a maioria dessas economias, incluindo, sem dúvida, o Reino Unido, é a necessidade de administrar o peso da alta nos gastos públicos, em especial, com a defesa e os idosos. As autoridades também precisarão fazer reformas econômicas voltadas a promover a competição, a inovação e os investimentos. No Reino Unido, elas precisarão promover um índice de poupança muito maior. As políticas públicas também precisarão se concentrar em encorajar a imigração de pessoas qualificadas.

Tão importante quanto, precisamos ter a esperança de que a IA eleve a produtividade sem destruir os ecossistemas de informação dos quais dependemos. O crescimento precisa ser sustentável, tanto ecológica quanto politicamente.

A desaceleração do crescimento é uma grande característica da nossa era. Isso precisa estar no foco das políticas públicas. (Tradução de Sabino Ahumada)

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