Valor Econômico
Para quem esperava que a reforma reduzisse de forma importante a carga tributária, os sinais que vêm do Congresso não são muito animadores
O Brasil, dizem especialistas, já lidera hoje
o ranking do “maior IVA do mundo”. IVA, ou Imposto sobre o Valor Agregado, é o
que se pretende adotar no país a partir da reforma tributária. Hoje, os
tributos que serão substituídos pelo IVA somam algo como 34%, nas estimativas
do governo.
Para quem esperava que a reforma tributária reduzisse de forma importante essa carga, os sinais que vêm do Congresso não são muito animadores. O relatório que o senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou esta semana para o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24 aponta para uma alíquota de 28,1% como a necessária para Estados e municípios não terem perda de arrecadação após a reforma.
Nos bastidores do governo, a aposta é que, na
prática, a alíquota será menor do que isso. Isso porque o novo sistema reduzirá
de forma importante a sonegação, a inadimplência e os contenciosos. Quanto, não
se sabe. Uma parte já foi incluída nas contas, mas é um cálculo conservador,
dizem os técnicos.
Em seu relatório, Braga ampliou a lista de
itens que terão tributação reduzida. Por isso, a alíquota que havia sido
estimada em 27,97% a partir da versão do PLP 68 aprovada na Câmara ganhou um
acréscimo de 0,13 ponto percentual.
Ao mesmo tempo, o senador manteve em seu
relatório um teto para a alíquota-padrão do novo IVA brasileiro, de 26,5%.
A conta não fecha, por isso o relatório
contém dispositivos que autorizam o governo a enviar ao Congresso uma proposta
de aumento da carga tributária daqueles setores que foram contemplados com
alíquotas reduzidas em 30% e 60%, de forma a reduzir a carga tributária dos
demais bens e serviços até o teto.
“É bonito, mas parece algo que, no futuro, o
Congresso vai dar um jeito de não respeitar”, avaliou a tributarista Ana
Cláudia Utumi, sócia fundadora da Utumi Advogados.
Como o cumprimento do teto só será auferido
em 2032, é possível que a alíquota necessária até lá seja diferente, observou.
“A ideia é não ter aumento de carga, mas também não ter perda de receitas,
então não dá para garantir que 26,5% é o nível para isso.”
Além disso, o novo sistema tributário vai
alterar o fluxo de caixa dos Estados, o que pode levantar pressões por algum
tipo de compensação.
O teto candidato a furo é um dos problemas
que a especialista vê no relatório. Ela apontou outros, entre eles um sistema
de pagamento de créditos tributários que pesa sobre os contribuintes.
Hoje, quando um supermercado compra um
produto para revender, ele paga o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) no ato da compra e, ao mesmo tempo, ganha o crédito tributário
correspondente.
No novo sistema, o crédito tributário só
estará disponível quando o fornecedor pagar os impostos, o que pode ocorrer
dias depois. “O governo transfere o problema de inadimplência para a
sociedade”, disse. “Seria trabalho dele fiscalizar e cobrar os impostos.”
Na visão da especialista, a reforma
tributária tem pontos de mérito, mas traz problemas nos detalhes. “E o diabo
mora nos detalhes”, alertou.
O desenvolvimento da parte operacional e dos
normativos infralegais poderá responder muitas dúvidas quanto ao funcionamento
do novo sistema tributário. Em seu relatório, Braga incluiu a criação do Comitê
Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A criação desse órgão, que vai reunir Estados
e municípios para administrar o novo tributo, está proposta em outro PLP, o
108/24. Este, porém, está com a tramitação mais atrasada no Congresso Nacional,
com expectativa de só ser aprovado em 2025.
Como o novo sistema entrará em testes em
2026, o Comitê Gestor teria menos de um ano para discutir as regras e o sistema
operacional do IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que é a parte
federal do futuro IVA. O prazo curto vinha alimentando especulações nos
bastidores sobre um possível adiamento do período de testes em um semestre.
Braga só transplantou para seu relatório a
parte do PLP 108 que cria o Comitê Gestor. Ainda assim, essa criação é
provisória: só durante o ano de 2025. A mudança foi feita a pedido do
Ministério da Fazenda.
“É importante para agilizar o processo de
regulamentação e de montagem do sistema operacional do novo sistema
tributário”, disse um integrante do governo.
A antecipação da criação do Comitê Gestor
“assegura que os entes federativos sejam parte integrante e ativa na elaboração
das normativas e na criação das bases operacionais necessárias para a
implementação do IBS e da CBS”, comentou uma fonte que negocia pelos Estados.
Aprovado pelo Congresso Nacional depois de
quase quatro décadas de negociação, o novo sistema tributário é uma aposta da
sociedade brasileira num modelo mais simples, menos sujeito a fraudes e mais
favorável à competitividade das empresas brasileiras.
No processo de análise no Legislativo, ganhou
complexidade em relação à proposta elaborada pelos técnicos. Restaram muitas
insatisfações no caminho, haverá muitas críticas e dúvidas. Os próximos meses
serão decisivos para garantir que a mudança seja a menos traumática possível.
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