quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Vera Magalhães - Governo para nos boxes

O Globo

Além da votação do pacote de gastos, emergência de saúde do presidente compromete reforma ministerial e recomposição para 2026

A emergência médica por que passou Lula contribuiu para trazer ainda mais complexidade a um cenário de fim de ano já bastante desafiador para o governo. Por um lado, a preocupação com a saúde do presidente produz uma espécie de espírito de colaboração, mesmo por parte dos parlamentares até então dispostos a colocar a faca no pescoço do Planalto para votar alguma coisa. Por outro, a ausência do presidente do comando da articulação política faz com que esses mesmos atores desconfiem ainda mais da capacidade dos que assumiram a linha de frente de entregar o que é preciso para que as votações deslanchem: a execução das famosas emendas parlamentares.

No varejo, é essa a ambivalência que reina numa Brasília ainda preocupada em entender a extensão da gravidade do quadro clínico do presidente. A arriscada operação para removê-lo às pressas para se submeter a uma cirurgia na cabeça em plena madrugada não foi nada trivial e suscitou uma série de dúvidas a respeito da maneira como foi conduzido o pós-operatório da queda que Lula sofreu em outubro.

Médicos e auxiliares do presidente asseguram que todos os exames realizados nele depois do acidente doméstico não demonstravam a existência de pontos de sangramento no cérebro. Mas os relatos de que Lula já vinha se queixando de dores na cabeça havia alguns dias, e não apenas na segunda-feira, levaram muitas pessoas próximas a se questionar se faltou rigor maior na verificação de seu quadro de saúde, uma vez que o incidente da queda no banheiro já tinha sido bastante grave.

Por fim, a decisão de removê-lo mesmo diante da constatação de que estava com hemorragia cerebral provocou na classe política perplexidade por, em pleno 2024, a capital do país ainda não contar com estrutura médica e hospitalar confiável para que uma autoridade possa se submeter a um procedimento de emergência sem precisar se deslocar a São Paulo.

Os ministros do Planalto, Fernando Haddad e o vice-presidente Geraldo Alckmin precisarão se desdobrar para dar conta da grande desconfiança que ainda paira sobre o Congresso quanto à real disposição do governo de cumprir o compromisso de liberar as emendas.

Isso porque, mesmo depois das demonstrações nesse sentido, líderes e dirigentes das duas Casas ainda acreditam que algum grau de “combinação” entre o Executivo e o ministro Flávio Dino, do STF, deve ter ocorrido para que ele tenha determinado novas regras para os desembolsos, mesmo depois de o Congresso ter votado projeto disciplinando o assunto. Era no convencimento do contrário que Lula atuava quando a emergência cirúrgica o tirou de cena. Os ministros estão com o filme mais queimado com a cúpula do Legislativo, e em relação a Alckmin pesa a avaliação de que não tem autonomia para bancar certas negociações.

É até possível que essa “junta” consiga superar o ceticismo e negociar com alguma eficiência, mas com esperadas concessões, a votação do pacote de gastos. Mas a articulação de médio e longo prazo a que Lula também vinha se dedicando — com o desenho de uma reforma ministerial com vista a fortalecer o governo no plano imediato e a costurar uma aliança para 2026 — para por completo até sua volta.

Ninguém tem delegação dele para pensar na dança das cadeiras para atrair partidos como União Brasil, PP e PSD para sua órbita e evitar que flertem com alguma candidatura do campo bolsonarista. Para que essas conversas sejam retomadas, Lula terá de voltar a Brasília e convencer essas siglas de que estará plenamente restabelecido e disposto a encarar a briga pela reeleição. Diante de tudo o que está em jogo, é papo só para 2025, até porque ninguém neste momento quer misturar a preocupação com a pronta recuperação de Lula com especulações eleitoreiras de mau gosto diante de susto tão grande.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Saúde é o que interessa,o resto não tem pressa.

Anônimo disse...

Parece posição de assessoria de imprensa
O jornalismo ético profissional e investigativo passou longe