domingo, 15 de dezembro de 2024

Mesquinharia palaciana com Alckmin - Elio Gaspari

O Globo

A turma do palácio foi mesquinha com o vice-presidente Geraldo Alckmin ao forçar o fingimento de que Lula não precisava transmitir o cargo antes de internar-se no Sírio-Libanês. Palacianos são assim mesmo, têm horror à ideia de que o monarca seja substituído. Num caso extremo, basta olhar a lista de indiciados pelo golpe de 2022/2023.

Se Alckmin não precisava assumir, em que condição ele foi chamado, na segunda-feira, para receber o primeiro-ministro da Eslováquia?

Os palacianos de 2024 reprisaram um mau filme do século passado. Era o ocaso da ditadura, e a clique perdeu a parada.

No início da tarde de 18 de setembro de 1981, o presidente João Baptista Figueiredo estava no Rio e fazia ginástica quando sentiu-se mal. Uma ambulância levou-o para o Hospital dos Servidores do Estado. A turma do palácio comandou a operação e ele entrou numa maca, com o rosto coberto.

Aos 63 anos, Figueiredo estava um caco, mas dissimulava ser um cavalariano atlético. Cardiopata, tinha uma conjuntivite crônica e a coluna vertebral estropiada. O general que chefiava o Serviço Nacional de Informações redigiu uma nota informando que o presidente “sofreu pequena indisposição” e no hospital “constatou-se ligeiro distúrbio cardiovascular”. Tudo mentira, o presidente enfartara.

Indo ao coração do problema, o porta-voz da Presidência descartou a necessidade de sua substituição temporária. Foi acompanhado pelo general que ocupava o Ministério da Educação. O vice-presidente era o paisano Aureliano Chaves, ex-governador de Minas Gerais.

O dia terminou sem que Aureliano fosse chamado. Pairava sobre o país o temor de que se repetisse a crise de 1969, quando a clique palaciana escondeu a isquemia do presidente Costa e Silva, impediu a posse do paisano Pedro Aleixo e colocou no poder uma Junta Militar.

O Brasil escapou dessa crise por obra e graça do chefe da Casa Civil, professor João Leitão de Abreu. Ele estava em Porto Alegre, desembarcou no Rio, ouviu os médicos que cuidavam do presidente e conversou com os ministros militares. Vinte e quatro horas depois da chegada de Figueiredo ao hospital, foi o então ministro do Exército, general Walter Pires, quem deu a notícia: Aureliano assumiria a Presidência, pois “isso de vice-presidente não assumir é uma tradição que tem de ser quebrada.”

A relação de Lula com Alckmin é de cordial lealdade, mas palácio é palácio. A mesquinharia impediu que se desse uma demonstração de normalidade. Faltou ao Lula 3.0 um Leitão de Abreu.

Esse gaúcho calado foi um dos personagens que passaram pela História apagando o próprio rastro. Ex-ministro do Supremo, chefiou o Gabinete Civil de dois generais. Evitou destrambelhos de Figueiredo, desossou a candidatura de Paulo Maluf à Presidência, abriu o caminho para a eleição indireta de Tancredo Neves e voltou a Porto Alegre, para tomar seu chope e torcer pelo Grêmio.

Lula como paciente

Com seu histórico médico, se Lula fosse um paciente comum, teria feito a tomografia marcada para sexta-feira, dia 6. Teria escapado das dores de cabeça que sentiu nos dias seguintes e da emergência da terça.

Novamente, se Lula fosse um paciente comum, não entraria em avião por um mês.

O paciente Winston Churchill

Desde o tempo dos faraós, os monarcas não gostam de más notícias.

O primeiro-ministro inglês Winston Churchill (1874-1965), um gigante do século XX, teve um AVC em 1949 e o episódio foi habilmente escondido. Um ano depois, ele não se sentia bem e perguntou ao seu médico:

“Vou ter outro derrame?”

Sir Charles Watson, que se tornaria Lord Moran, respondeu, sem dizer muito:

“Você tem espasmos arteriais quando está muito cansado.”

Churchill encerrou a conversa:

“Você não deve me assustar.”

Em 1953 teve outro derrame, novamente maquiado. O leão continuou como primeiro-ministro até 1955 e morreu aos 90 anos, dez anos depois.

Gastança

A oposição começou a colecionar casos de gastos com nepotismos e boquinhas do governo. Para uma administração que pretende ver aprovado um pacote de gastos, é calcanhar de Aquiles numa centopeia.

Cinco mulheres de ministros foram nomeadas para cargos vitalícios em Tribunais de Contas dos Estados. Uma dúzia de maganos do primeiro e segundo escalões aninharam-se em conselhos. Isso, sem falar no parque de diversões do patrocínio de eventos e nas viagens internacionais de ministros monoglotas com escolta de assessores.

Astúcia na jogatina

A denúncia é da senadora Damares Alves (Republicanos-DF):

Das 101 casas de apostas autorizadas pelo Ministério da Fazenda, 28 têm a mesma sede e 17 pertencem a sócios de empresas concorrentes.

A senadora pergunta:

“Isso não chama a atenção dos senhores? Uma empresa que vai pagar R$ 30 milhões para ter uma autorização não pode pagar R$ 1 mil em uma sala? Tem que estar todo mundo numa mesma sala? Não chama a atenção esse comportamento estranho entre as empresas?”

A senadora tem autoridade para fazer essas perguntas. Em abril de 2020, na fatídica reunião do Ministério em que o presidente Jair Bolsonaro fritou o ministro Sergio Moro, o poderoso Paulo Guedes, da Economia, defendeu a abertura de cassinos para endinheirados. A ideia era uma flor do orquidário de Bolsonaro, mas Damares, ministra da Mulher e dos Direitos Humanos, fulminou:

“Pacto com o Diabo!”

A proposta de abertura dos cassinos atolou, mas o Coisa Ruim enfiou-se na liberação das casas de apostas.

A fraude do cotista

O médico recém-formado Pedro Fellipe Pereira da Silva Rocha foi condenado pelo TRF-5 a pagar R$ 550 mil à Universidade Federal de Alagoas (Ufal) por ter fraudado o sistema de cotas, declarando-se pardo.

Fraudadores dessa bem-sucedida política social são coisa comum. O que tornou interessante o caso do doutor foi uma das afirmações de sua defesa:

“Por fim, questiona-se: qual o dano que a Universidade Federal de Alagoas efetivamente sofreu? Nenhum!”

O sujeito mentiu, conseguiu uma vaga na faculdade de forma fraudulenta, usa esse tipo de argumento e sairá por aí, praticando a Medicina.

O tamanho da Bancada da Bala

Por 267 votos contra apenas 85, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de combate à pedofilia que incluiu uma emenda prevendo a castração química de pessoas condenadas por abusos sexuais contra menores. A emenda mal foi discutida e havia sido rejeitada pela relatora, Delegada Katarina (PSD-SE). O projeto seguiu para o Senado.

A castração química era uma bandeira do então candidato Jair Bolsonaro, mas não progrediu ao longo do seu governo.

O resultado mostrou o poder de fogo da bancada da bala e a indolência da bancada governista em matérias que envolvem a segurança pública.

A incapacitação química de criminosos sem um amplo debate é coisa arriscada. Oliver Wendell Holmes, um dos maiores juristas da Corte Suprema dos Estados Unidos, e baluarte da liberdade de expressão, defendeu em 1927 a esterilização dos incapazes, dizendo que “três gerações de imbecis são o suficiente”.

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Tem um deputado do PL que gosta de assediar e ameaçar menores de idade,e tem um certo ex presidente que quando via adolescentes ''pintava um clima''.

Anônimo disse...

A coluna de hoje mostra que até a Damares tem razão de vez em quando...