domingo, 15 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Estatal deficitária deve ser vendida ou liquidada

O Globo

Não faz sentido querer dar sobrevida a empresas que custarão só neste ano R$ 3,7 bilhões ao contribuinte

O governo continua andando em círculos em torno das estatais deficitárias. Em mais uma tentativa, que se revelará infrutífera, por não tratar a questão da forma devida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou três decretos com o objetivo de modernizar a gestão dessas empresas, reduzindo ou eliminando sua dependência do Tesouro. Nos dois governos anteriores, de Michel Temer e Jair Bolsonaro, as empresas públicas federais passaram por saneamento e deixaram de pesar tanto nos cofres públicos. Foi só Lula voltar ao Planalto, e elas voltaram a fechar no vermelho. Nos oito primeiros meses do ano, acumularam déficit de R$ 3,4 bilhões. A projeção é um prejuízo de R$ 3,7 bilhões em 2024, o pior resultado em dez anos.

Em vez de considerar a possibilidade de privatizar empresas e liquidar aquelas sem condição de sobreviver desconectadas do Tesouro, o governo prefere lançar um “programa” para tentar salvá-las. Os decretos presidenciais lançam o Programa de Governança e Modernização das Estatais Federais, chamado de Inova, para ajudar as deficitárias a encontrar novos modelos de negócio. Ora, para isso não seria necessário lançar nenhum programa. Bastaria uma consultoria técnica séria sobre a viabilidade de cada estatal, cujo desfecho poderia ser a privatização ou a liquidação.

Há 17 estatais que só não fecham as portas porque o Tesouro lhes transfere disciplinadamente dinheiro do contribuinte. Não faz sentido achar que todas precisam continuar a ser empresas públicas, muito menos que sejam imprescindíveis. É o caso do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal criada para produzir semicondutores destinados a sistemas de identificação e rastreamento, cuja liquidação foi suspensa por Lula ao assumir. Trata-se de projeto sem sentido nem futuro, que já drenou perto de R$ 1 bilhão dos cofres públicos. Outras estatais vivem situação semelhante.

O Ministério de Gestão e Inovação atribui-se a missão de, junto às estatais, mapear novas fontes de receita. É tarefa difícil. Consta que estudos para a ampliação dos serviços dos Correios, empresa deficitária, foram interrompidos quando ela entrou na lista de privatizações. Devem ser retomados. É verdade que o comércio eletrônico transformou a entrega de compras em um negócio grande, porém fragmentado. Os Correios já se beneficiam desse mercado. O melhor caminho pode ser uma forte redução de custos, enquanto se retoma o projeto de privatização.

Ideologia e política se misturam na defesa das estatais, mesmo daquelas que não têm condições de sobreviver. Não se discute que a Embrapa, responsável em grande parte pelo êxito da agricultura brasileira, deva se manter estatal, pois é um modelo que deu resultado. Mas que dizer da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), criada para modernizar o transporte de massa, hoje atuante em pequeno número de capitais num setor em que as concessões ao setor privado se revelaram o meio mais eficaz de atender às necessidades da população? Desfazer-se de estatais que pesam no Orçamento libera recursos para setores vitais como segurança, educação e saúde, em benefício da maioria dos brasileiros, e não apenas dos funcionários dessas empresas deficitárias.

Títulos do Botafogo reforçam sucesso do modelo empresarial no futebol

O Globo

Time venceu Brasileiro e Libertadores três anos depois de virar SAF — mas nem todos ganham como empresas

Apesar da eliminação da Copa Intercontinental, a trajetória vitoriosa do Botafogo neste ano — com intervalo de apenas uma semana, o clube conquistou a Copa Libertadores da América e o Campeonato Brasileiro — pôs em evidência o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), adotado pelo alvinegro carioca a partir de dezembro de 2021. A SAF, que impõe ao clube gestão empresarial, lhe abriu perspectivas, como demonstram os resultados.

Em 2020, o Botafogo fora rebaixado para a Série B depois de uma campanha medíocre. Como SAF, passou por profundas transformações. Elas incluíram reforço do elenco com algumas das contratações mais caras da história do futebol nacional. A estratégia se mostrou bem-sucedida. Em 2023, o clube fez uma campanha arrebatadora, liderando 31 das 38 rodadas do Brasileirão. Perdeu fôlego na reta final, acabando num frustrante quinto lugar (pelo menos pôde disputar a Libertadores). Neste ano, protagonizou campanhas exemplares, conquistando os títulos continental (inédito) e nacional (que não vencia desde 1995).

O modelo clube-empresa, da SAF, é adotado com sucesso nas principais ligas da Europa. Times como Manchester City, Bayern de Munique e Paris Saint-Germain funcionam dessa forma, com apoio de grandes investidores. No Brasil, existem hoje mais de 60 SAFs em diferentes divisões. Na Série A, além do Botafogo, Fortaleza — que, embora seja SAF, mantém o controle do futebol internamente — e Bahia (do grupo que administra o inglês Manchester City) também fizeram campanhas notáveis. O Fortaleza chegou em quarto, o Bahia em oitavo, à frente de equipes tradicionais como Fluminense ou Grêmio. Na elite do futebol, também são SAFs Cruzeiro e Atlético-MG.

Claro que o sucesso de Botafogo e outras SAFs não se estende a todas. Há casos em que o modelo não deu certo. Um dos exemplos é o Vasco da Gama, que chegou em décimo lugar no Brasileiro depois de uma campanha de altos e baixos. A parceria com os investidores da 777 fracassou, levando o clube a travar uma batalha judicial contra o grupo. Como toda empresa, uma SAF pode sofrer de má gestão e fracassar. A SAF cruz-maltina está agora à venda.

Implantada no Brasil em 2021, a SAF se mostra interessante aos clubes sem capacidade de investimento. O modelo melhora a governança e reforça o profissionalismo em times que viviam no atoleiro. Não há dúvida de que, com mais dinheiro e gestões mais eficientes, eles podem reforçar seus elencos com jogadores de nível internacional e se credenciar aos principais títulos.

Mas, mesmo nos casos bem-sucedidos, o modelo não serve como receita única. Há outras alternativas. Palmeiras e Flamengo, que conquistaram seis dos últimos dez Brasileiros, são clubes com finanças saneadas, bem administrados, com grande capacidade de contratação. Cada time deve avaliar o melhor para o próprio perfil. O importante é deixar de lado o amadorismo que há anos caracteriza o futebol brasileiro e buscar administrações eficientes. É bom para os clubes e para o futebol.

Para subir, salário mínimo deve se desligar da Previdência

Folha de S. Paulo

Governo Lula é forçado a rever sua norma inviável de reajuste; alta contínua de aposentadorias esgarça contas públicas

Inviável desde a concepção, a regra de reajustes do salário mínimo acima da inflação restabelecida pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não chegou a resistir por dois anos.

Com o crescimento galopante de gastos obrigatórios, que jogou o país em turbulência financeira, a administração petista tenta agora um paliativo —em vez de elevar o mínimo conforme a variação do PIBadotar a mesma taxa da regra fiscal para a despesa total, entre 0,6% e 2,5% a cada ano, o que ainda depende do Congresso. Problemas persistirão.

Nas últimas décadas, o dispêndio federal aumentou, em média, 5% ao ano acima da inflação, sendo 6% desde o ano passado. A principal razão para isso é a expansão continuada de encargos previdenciários e benefícios sociais, que corrói parcelas crescentes do Orçamento e engessa a atuação do Estado.

Hoje, quase 90% das despesas são obrigatórias e cerca de metade do Orçamento é consumida com Previdência e assistência social. Nesse ritmo, sobrará cada vez menos para outros setores.

Não resta dúvida de que a prioridade do setor público brasileiro deve ser combater a pobreza e a desigualdade social. Fazê-lo sem respeitar limites fiscais, no entanto, cedo ou tarde acaba por prejudicar os mais carentes com inflação, juros e desemprego.

O maior obstáculo à valorização do salário mínimo é sua vinculação ao piso previdenciário, que deveria ser descontinuada. O mínimo está relacionado a contratos de trabalho sob as regras da CLT e deve se alinhar ao avanço da produtividade e às condições gerais da economia.

É preciso separar as duas coisas —contratos de trabalho privado e valores pagos pelo INSS a aposentados e pensionistas.

Na aposentadoria, há conexão entre o benefício e as contribuições de cada trabalhador ao longo de sua vida, que guardam relação com a realidade do país no momento em que ocorre a passagem para a inatividade. A partir de sua obtenção, a correção deve preservar o poder de compra, como ocorre na maioria dos países.

O argumento de que valorizar o mínimo impulsiona o consumo e a atividade econômica pode valer em certas condições, quando há ociosidade na economia e espaço no Orçamento. Com pleno emprego e déficit público, os resultados são inflação e juros maiores, com impactos sociais negativos.

O IPCA de serviços deve terminar 2024 em 5,6%, quase 1 ponto percentual acima do ano passado e em trajetória de aceleração adiante. Nesse quadro, sobem os juros no mercado, que já apontam para a taxa básica acima de 15% ao ano. Acelera-se a expansão da dívida governamental, agora projetada em 85% do PIB em 2026, cerca de 13 pontos percentuais a mais do que no fim de 2022.

A desvinculação conteria o avanço do gasto do INSS, o maior da União e menos eficiente do combate à pobreza. A insistência na regra atual só apressará uma nova reforma previdenciária ou uma nova crise fiscal.

A advocacia não está imune a críticas dos clientes

Folha de S. Paulo

Recusando pedido autoritário da OAB, Justiça agiu certo ao permitir reclamações de contratantes de advogados na Internet

Essencial ao funcionamento da Justiça, como dispositivo que garante o direito à defesa dos cidadãos, a advocacia de fato desfruta de prerrogativas. Estar imune a críticas, contudo, não é uma delas.

No final de novembro, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal de São Paulo agiu de maneira correta, portanto, ao rejeitar pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para censurar o site Reclame Aqui, onde consumidores relatam insatisfações sobre empresas, produtos e serviços —como os advocatícios.

O argumento da entidade foi o de que caberia a ela apurar, de modo sigiloso, eventuais infrações éticas e disciplinares. Trata-se de uma tese frágil e, pior, com laivos autoritários.

Não se pode confundir o direito ao contraditório de advogados em investigações internas com a liberdade dos clientes de expressar insatisfação com os profissionais por eles contratados.

Assim entendeu o desembargador Souza Ribeiro, relator do processo: "Qualquer pessoa pode expor sua vida na internet e contar uma história dissaborosa envolvendo o trabalho prestado por advogado, assim como expor qualquer relação contratual com outros prestadores de serviço".

A classe dos causídicos não deve se encastelar contra críticas, já que outros prestadores de serviço não possuem tal privilégio.

A advocacia já goza, de maneira justificável, de prerrogativas inacessíveis a outras profissões, em razão de ser "indispensável à administração da Justiça", nos termos da Constituição.

Entre elas, a inviolabilidade de escritórios, o ingresso livre em dependências do sistema de justiça, o acesso a processos judiciais de qualquer natureza, entre outras. Nenhuma inclui o direito a censurar reclamações de clientes.

Há outras práticas recentes da OAB igualmente condenáveis. Em 2023, o órgão elaborou um cadastro interno, sem acesso ao público, de autoridades consideradas "violadoras de prerrogativas" da advocacia, que inclui magistrados, membros do Ministério Público, delegados de polícia e servidores da Receita. A falta de transparência e do devido processo legal na formulação da lista deveria justificar sua anulação.

Algumas das benesses da advocacia não são essenciais à função, como regime tributário mais favorável a sociedades de advocacia e o direito à prisão especial.

Faria bem à OAB separar prerrogativas indispensáveis à promoção da justiça de meros privilégios, além de direcionar esforços para coibir más práticas de seus integrantes, em vez de tentar silenciar clientes insatisfeitos.

Um general quatro estrelas na cadeia

O Estado de S. Paulo

Seja qual for o destino penal do general Braga Netto, sua prisão preventiva mostra a extensão da vergonha que o bolsonarismo causou às Forças Armadas

O País acordou ontem com a notícia da prisão de um general quatro estrelas da reserva, um desdobramento dramático do caso da suposta trama golpista contra o presidente Lula da Silva, investigada pela Polícia Federal (PF). É evidente que tudo ainda carece de maiores esclarecimentos, mas o episódio em si mesmo ilustra com clareza meridiana a dimensão da vergonha causada pelo bolsonarismo às Forças Armadas.

Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após consulta à Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal (PF) prendeu preventivamente o general de Exército da reserva Walter Braga Netto. O militar, segundo a PF, é suspeito de ser um dos líderes da tentativa de golpe de Estado urdida nos estertores do governo de Jair Bolsonaro para impedir a posse de Lula da Silva, plano que teria envolvido até o assassinato do atual mandatário, entre outras autoridades.

Moraes decretou a prisão preventiva de Braga Netto porque, ainda de acordo com a PF, ele estaria destruindo provas e, principalmente, coagindo testemunhas para tomar conhecimento do teor sigiloso do acordo de colaboração premiada firmado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

A serem verdadeiras essas acusações, haja vista que a prisão de Braga Netto foi ordenada por Moraes em grande medida pelos supostos novos elementos de prova que Mauro Cid teria fornecido ao STF em seu depoimento mais recente, prestado no dia 21 de novembro, está-se diante, de fato, de condutas típicas para a decretação da prisão preventiva. Por essa razão, Braga Netto foi mantido no cárcere após ser submetido à audiência de custódia, ocasião em que são verificadas as eventuais ilegalidades de uma prisão.

De todos os suspeitos de participar da intentona, Braga Netto, sem dúvida alguma, é o mais graduado a ser preso até agora. Acima dele só haveria o golpista maior, Jair Bolsonaro, o grande beneficiário do eventual sucesso daquele plano nefasto que teria sido colocado em marcha após sua derrota nas urnas em 2022, como aponta a PF. A regra no Brasil, como o passado demonstra, sempre foi o acobertamento de militares, da ativa e da reserva, suspeitos de terem cometido crimes comuns – à exceção, por óbvio, daqueles delitos cobertos pela Lei da Anistia, de 1979.

A prisão preventiva de Braga Netto, portanto, quebra essa rotina de leniência, para dizer o mínimo, com a apuração de crimes comuns envolvendo militares, fardados ou não, em que pese se tratar – e é fundamental frisar isso – de uma prisão cautelar, ou seja, decretada em sede de investigação, e não de antecipação de culpa nem muito menos de cumprimento de pena. Mas só isso, porém, já é algo inédito ao menos desde a redemocratização do País.

Se a prisão de outros militares de alta patente suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe já não foram triviais, a de Braga Netto é histórica, na mais estrita acepção do vocábulo. Afinal, além de ele ser um general com quatro estrelas nos ombros a ir para a cadeia, sobretudo por suspeita de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado, Braga Netto foi chefe do Estado-Maior do Exército, ministro da Casa Civil e da Defesa no governo Bolsonaro, candidato a vice na chapa do ex-presidente e, ademais, interventor na Segurança Pública do Rio de Janeiro, uma elevada posição de poder, malgrado o fiasco operacional da intervenção militar.

A prisão de um personagem como Braga Netto, alguém que, além de possuir o currículo acima, foi uma figura central na política brasileira nos últimos anos, é reveladora do desassombro com que membros do alto escalão do governo anterior parecem ter agido para se manter no poder a despeito da derrota eleitoral. Como sublinhamos nesta página há algumas semanas, o Brasil só terá paz quando todos os suspeitos de ter urdido o golpe de Estado forem julgados de acordo com as leis do mesmo Estado Democrático de Direito que tentaram abolir (ver Traidores da Pátria, 20/11/2024).

Desde a manhã de ontem, o general da reserva Walter Braga Netto viu consideravelmente reduzida a distância que o separa desse inevitável acerto de contas com a Justiça.

O mundo encantado do Judiciário

O Estado de S. Paulo

Ao justificar a alta remuneração de juízes, o presidente do Supremo diz que o Judiciário brasileiro, o mais caro do mundo, ‘não tem responsabilidade sobre a crise fiscal’

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou há poucos dias que “o Judiciário não tem participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal” do País. Essa foi a espantosa resposta do ministro a um questionamento de jornalistas sobre os salários dos magistrados, que não raro estão muito acima do teto que a Constituição fixa para a remuneração dos servidores públicos. Além de se tratar de incrível demonstração de alheamento à realidade do País, a declaração ignora olimpicamente que o Judiciário, como qualquer parte da estrutura do Estado, é financiado com o dinheiro dos impostos e que, por isso, deve participar dos esforços para conter os gastos públicos.

É evidente para qualquer cidadão de boa-fé que o Judiciário pode não ser tido como o principal responsável pelo desequilíbrio das contas públicas. Mas ofende a inteligência negar o peso excessivo que esse Poder representa para o contribuinte, sobretudo quando comparado ao Judiciário de outras nações no mesmo patamar de desenvolvimento do Brasil ou até mais avançadas.

Apenas em 2023, o Judiciário brasileiro custou quase R$ 133 bilhões, o que representou 1,2% do PIB daquele ano, segundo o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Já a arrecadação correspondeu a pouco mais da metade das despesas (52%) no mesmo período.

Um estudo do Tesouro Nacional mostrou que o Judiciário brasileiro custa três vezes mais que a média dos países emergentes e está muito à frente dos países desenvolvidos, que gastam apenas 0,3% do PIB com a Justiça.

Por óbvio, não se espera que o Judiciário “dê lucro”, nem mesmo que empate a sua balança de pagamentos, por assim dizer. Não é essa, afinal, a métrica de avaliação da prestação jurisdicional. Mas é igualmente indiscutível que, para onde quer se olhe no Judiciário – e em outras carreiras jurídicas do Estado, como as do Ministério Público, por exemplo –, pululam oportunidades de racionalização de custos que já seriam obscenos ainda que o Judiciário brasileiro fosse, além do mais caro, o mais eficiente do mundo – coisa que nem remotamente é.

Muitos sabem onde está o foco do problema, mas poucos ousam enfrentá-lo. É preciso acabar com a farra dos pagamentos fora do teto constitucional, com as tais “verbas indenizatórias”, penduricalhos que engordam os vencimentos de Suas Excelências em muitos milhares de reais além do que permite a Constituição de forma expressa.

Naquele mesmo ano de 2023, segundo um relatório da Transparência Brasil publicado pelo Estadão em setembro deste ano, o Judiciário pagou aos seus juízes nada menos que R$ 4,5 bilhões fora do teto constitucional, valor sobre o qual, é fundamental frisar, não é recolhido um mísero centavo de Imposto de Renda. O valor pode ser ainda bem maior, pois o relatório teve como base a folha de pagamento de 18 dos 27 Tribunais de Justiça do País. Vale dizer, não entrou no cálculo o que eventualmente pode ter sido pago fora do teto aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça Militar e de tribunais superiores.

O ministro Barroso insiste no argumento segundo o qual é preciso tornar a magistratura “atraente” para os profissionais do Direito com uma boa remuneração, sob risco de haver uma evasão de juízes País afora e, no limite, um colapso da Justiça. Em primeiro lugar, os servidores do Judiciário já fazem parte da elite do funcionalismo público. Ademais, não se tem notícia de juízes que tenham abandonado a carreira por insatisfação salarial nessa proporção apocalíptica apresentada pelo presidente do STF. Em segundo lugar, ninguém defende que juízes ganhem mal nem menos do que ganham atualmente, o que seria absurdo, mas sim que se cumpra o mandamento da Constituição. O mínimo que se pode esperar do Judiciário, um Poder já muitíssimo abonado, é que deixe de engendrar manobras para driblar o teto constitucional.

A declaração de Barroso vocaliza um sentimento que se espraia por todo o Judiciário. Em última análise, são privilegiados defendendo seus privilégios. A grande questão é o que a sociedade fará com essa informação.

A inconstitucional castração química

O Estado de S. Paulo

Câmara aprova proposta para castrar pedófilos, trocando a Constituição pela lei de talião

Em sua mais recente manifestação de populismo penal, a Câmara aprovou a castração química de condenados por pedofilia. A iniciativa se deu por meio de uma emenda inserida de última hora em um projeto de lei para instituir um cadastro nacional de pedófilos na internet, igualmente absurdo. De autoria do deputado Ricardo Salles (Novo-SP), ex-ministro do governo Jair Bolsonaro, ela determina que o infrator terá de usar medicamentos inibidores da libido.

Aprovada por 267 votos a 85, com 14 abstenções, a proposta foi apreciada em uma sessão marcada por tumulto entre deputados da direita e da esquerda. Para integrantes da tropa de choque bolsonarista, quem rejeita a proposta estaria “protegendo pedófilos e estupradores”, enquanto os críticos questionaram a eficácia da castração.

A proposta fere o inciso XLIX do artigo 5.º da Constituição, segundo o qual “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Parece claro que a castração química afeta a integridade física do apenado, razão pela qual deveria ter sido engavetada ainda na fase de avaliação de sua constitucionalidade. Ademais, esse procedimento pode ser considerado cruel, por gerar uma série de efeitos colaterais, além de invadir a privacidade e ferir a dignidade do preso, violando garantias expressas na Constituição.

Ou seja, a castração química afronta a ordem constitucional em diversos pontos e, sendo uma imposição evidentemente desproporcional, mais dura do que a reservada a outros crimes tão ou mais hediondos, parece inspirar-se mais na lei de talião do que na Constituição. É por esse motivo que, no passado, quando o Congresso ainda não estava tomado de reacionários, iniciativas legislativas semelhantes ao menos atribuíam ao condenado por pedofilia a possibilidade de escolher voluntariamente a castração, em troca de redução de pena.

Ademais, não há consenso sobre a eficácia da terapia em impedir que um pedófilo continue a abusar de crianças, sobretudo porque há muitas maneiras de cometer esse crime além da relação sexual propriamente dita. O abuso, hoje em dia, pode-se dar até mesmo no ambiente virtual das redes sociais. Portanto, a castração química não serve, na prática, para impedir que um pedófilo continue a molestar crianças. Serve, somente, para satisfazer um desejo de vingança de parte da sociedade.

Não se combate pedofilia com demagogia, muito menos com a imposição de penas inconstitucionais. São necessárias ações de prevenção, intervenção das escolas para identificar situações de risco e vulnerabilidade das crianças, uma polícia com capacidade de investigação e o uso de mais inteligência.

Agora, a proposta vai ao Senado, onde se espera que seja rejeitada. Caso seja lá também aprovada, caberá ao presidente Lula da Silva vetar essa anomalia. Se sancionada, que seja então questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). Justiçamento não é sinônimo de justiça.

Cenário difícil na economia em 2025

Correio Braziliense

É possível ver pontos positivos, como a redução da miséria e do desemprego, mas o presidente Lula e sua equipe têm o dever de implementar uma política econômica mais austera e de credibilidade

A economia brasileira caminha para encerrar o ano com sinais preocupantes para 2025. E uma parte significativa desse diagnóstico desfavorável está diretamente relacionada ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A duas semanas de completar a primeira metade do mandato, a administração petista ainda não executou uma política robusta de contenção de gastos, condição primária para alcançar o equilíbrio fiscal. A inoperância do governo obriga sobremaneira o Banco Central a apertar a política de juros e agrava a deterioração do real frente ao dólar, como se viu ao longo da última semana. 

O ministro Fernando Haddad anunciou o tal conjunto de medidas fiscais em 27 de novembro. Até o momento, contudo, não se viu uma articulação governista no Congresso Nacional capaz de garantir nem mesmo as metas estabelecidas pelo Ministério da Fazenda — entre outras, uma economia de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. Convém lembrar que o pronunciamento de Haddad ocorreu após ele ter cancelado uma viagem ao exterior — por ordem do presidente — e uma sequência de reuniões ruidosas e pouco esclarecedoras com ministros ameaçados de cortes orçamentários. Tudo com muito improviso e pouca transparência.   

Além de insuficiente, o pacote anunciado pelo Ministério da Fazenda embute ideias eleitoreiras, como a isenção do IR para contribuintes com renda até R$ 5 mil. Até as emas do Alvorada sabem que essa medida será discutida no parlamento quando chegar a distante etapa da reforma tributária que tratará de renda. Consta ainda na proposta fiscal do governo petista a malfadada e renitente tentativa de golpear o Fundo Constitucional do Distrito Federal, repasse legitimado pela Carta Maior para custear a manutenção da capital da República.

Ante tanta tibieza proveniente de Brasília, o mercado deu sinais contundentes de insatisfação. Tornou-se o novo normal o dólar cotado a R$ 6, patamar cambial inédito. E frise-se que o valor da moeda norte-americana manteve-se praticamente inalterado apesar de o Banco Central, na última sexta-feira, ter vendido US$ 800 milhões em leilão. Novas intervenções estão previstas para esta semana. 

Há mais. Na última reunião de 2024, concluída na quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) emitiu outro sinal de alerta. O aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros, elevando-a para 12,25% ao ano, e o anúncio de outras duas altas da mesma magnitude em janeiro e março indicam que o Banco Central está disposto a adotar um choque monetário para conter a insistente inflação acima do teto da meta. Como se sabe, os efeitos amargos desse remédio serão sentidos por toda a sociedade brasileira pelos próximos meses.

Tudo somado, fica evidente que o governo federal terá de trabalhar muito para reverter o cenário difícil que se apresenta para 2025. É possível ver pontos positivos, como a redução da miséria e do desemprego, mas o presidente Lula e sua equipe têm o dever de implementar uma política econômica mais austera e de credibilidade. Considere-se ainda nessa conta a intercorrência de fatores externos desestabilizadores, como a chegada de Donald Trump à Casa Branca em 20 de janeiro.


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