Estatal deficitária deve ser vendida ou liquidada
O Globo
Não faz sentido querer dar sobrevida a
empresas que custarão só neste ano R$ 3,7 bilhões ao contribuinte
O governo continua andando em círculos em torno das estatais deficitárias. Em mais uma tentativa, que se revelará infrutífera, por não tratar a questão da forma devida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou três decretos com o objetivo de modernizar a gestão dessas empresas, reduzindo ou eliminando sua dependência do Tesouro. Nos dois governos anteriores, de Michel Temer e Jair Bolsonaro, as empresas públicas federais passaram por saneamento e deixaram de pesar tanto nos cofres públicos. Foi só Lula voltar ao Planalto, e elas voltaram a fechar no vermelho. Nos oito primeiros meses do ano, acumularam déficit de R$ 3,4 bilhões. A projeção é um prejuízo de R$ 3,7 bilhões em 2024, o pior resultado em dez anos.
Em vez de considerar a possibilidade de
privatizar empresas e liquidar aquelas sem condição de sobreviver desconectadas
do Tesouro, o governo prefere lançar um “programa” para tentar salvá-las. Os
decretos presidenciais lançam o Programa de Governança e Modernização das
Estatais Federais, chamado de Inova, para ajudar as deficitárias a encontrar
novos modelos de negócio. Ora, para isso não seria necessário lançar nenhum
programa. Bastaria uma consultoria técnica séria sobre a viabilidade de cada
estatal, cujo desfecho poderia ser a privatização ou a liquidação.
Há 17 estatais que só não fecham as portas
porque o Tesouro lhes transfere disciplinadamente dinheiro do contribuinte. Não
faz sentido achar que todas precisam continuar a ser empresas públicas, muito
menos que sejam imprescindíveis. É o caso do Centro Nacional de Tecnologia
Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal criada para produzir semicondutores
destinados a sistemas de identificação e rastreamento, cuja liquidação foi
suspensa por Lula ao assumir. Trata-se de projeto sem sentido nem futuro, que
já drenou perto de R$ 1 bilhão dos cofres públicos. Outras estatais vivem
situação semelhante.
O Ministério de Gestão e Inovação atribui-se
a missão de, junto às estatais, mapear novas fontes de receita. É tarefa
difícil. Consta que estudos para a ampliação dos serviços dos Correios,
empresa deficitária, foram interrompidos quando ela entrou na lista de
privatizações. Devem ser retomados. É verdade que o comércio eletrônico
transformou a entrega de compras em um negócio grande, porém fragmentado. Os
Correios já se beneficiam desse mercado. O melhor caminho pode ser uma forte
redução de custos, enquanto se retoma o projeto de privatização.
Ideologia e política se misturam na defesa
das estatais, mesmo daquelas que não têm condições de sobreviver. Não se
discute que a Embrapa, responsável em grande parte pelo êxito da agricultura
brasileira, deva se manter estatal, pois é um modelo que deu resultado. Mas que
dizer da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), criada para modernizar o
transporte de massa, hoje atuante em pequeno número de capitais num setor em
que as concessões ao setor privado se revelaram o meio mais eficaz de atender às
necessidades da população? Desfazer-se de estatais que pesam no Orçamento
libera recursos para setores vitais como segurança, educação e saúde, em
benefício da maioria dos brasileiros, e não apenas dos funcionários dessas
empresas deficitárias.
Títulos do Botafogo reforçam sucesso do
modelo empresarial no futebol
O Globo
Time venceu Brasileiro e Libertadores três
anos depois de virar SAF — mas nem todos ganham como empresas
Apesar da eliminação da Copa
Intercontinental, a trajetória vitoriosa do Botafogo neste
ano — com intervalo de apenas uma semana, o clube conquistou a Copa
Libertadores da América e o Campeonato Brasileiro — pôs em evidência o modelo
de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), adotado pelo alvinegro carioca a partir
de dezembro de 2021. A SAF, que impõe ao clube gestão empresarial, lhe abriu
perspectivas, como demonstram os resultados.
Em 2020, o Botafogo fora rebaixado para a
Série B depois de uma campanha medíocre. Como SAF, passou por profundas
transformações. Elas incluíram reforço do elenco com algumas das contratações
mais caras da história do futebol nacional. A estratégia se mostrou
bem-sucedida. Em 2023, o clube fez uma campanha arrebatadora, liderando 31 das
38 rodadas do Brasileirão. Perdeu fôlego na reta final, acabando num frustrante
quinto lugar (pelo menos pôde disputar a Libertadores). Neste ano, protagonizou
campanhas exemplares, conquistando os títulos continental (inédito) e nacional
(que não vencia desde 1995).
O modelo clube-empresa, da SAF, é adotado com
sucesso nas principais ligas da Europa. Times como Manchester City, Bayern de
Munique e Paris Saint-Germain funcionam dessa forma, com apoio de grandes
investidores. No Brasil, existem hoje mais de 60 SAFs em diferentes divisões.
Na Série A, além do Botafogo, Fortaleza — que, embora seja SAF, mantém o
controle do futebol internamente — e Bahia (do grupo que administra o inglês
Manchester City) também fizeram campanhas notáveis. O Fortaleza chegou em
quarto, o Bahia em oitavo, à frente de equipes tradicionais como Fluminense ou
Grêmio. Na elite do futebol, também são SAFs Cruzeiro e Atlético-MG.
Claro que o sucesso de Botafogo e outras SAFs
não se estende a todas. Há casos em que o modelo não deu certo. Um dos exemplos
é o Vasco da Gama, que chegou em décimo lugar no Brasileiro depois de uma
campanha de altos e baixos. A parceria com os investidores da 777 fracassou,
levando o clube a travar uma batalha judicial contra o grupo. Como toda
empresa, uma SAF pode sofrer de má gestão e fracassar. A SAF cruz-maltina está
agora à venda.
Implantada no Brasil em 2021, a SAF se mostra
interessante aos clubes sem capacidade de investimento. O modelo melhora a
governança e reforça o profissionalismo em times que viviam no atoleiro. Não há
dúvida de que, com mais dinheiro e gestões mais eficientes, eles podem reforçar
seus elencos com jogadores de nível internacional e se credenciar aos
principais títulos.
Mas, mesmo nos casos bem-sucedidos, o modelo
não serve como receita única. Há outras alternativas. Palmeiras e Flamengo, que
conquistaram seis dos últimos dez Brasileiros, são clubes com finanças
saneadas, bem administrados, com grande capacidade de contratação. Cada time
deve avaliar o melhor para o próprio perfil. O importante é deixar de lado o
amadorismo que há anos caracteriza o futebol brasileiro e buscar administrações
eficientes. É bom para os clubes e para o futebol.
Para subir, salário mínimo deve se desligar
da Previdência
Folha de S. Paulo
Governo Lula é forçado a rever sua norma
inviável de reajuste; alta contínua de aposentadorias esgarça contas públicas
Inviável desde a concepção, a regra de
reajustes do salário
mínimo acima da inflação restabelecida
pelo governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
não chegou a resistir por dois anos.
Com o crescimento galopante de gastos
obrigatórios, que jogou o país em turbulência financeira, a administração
petista tenta agora um paliativo —em vez de elevar o mínimo conforme a variação
do PIB, adotar a
mesma taxa da regra fiscal para a despesa total, entre 0,6% e 2,5% a
cada ano, o que ainda depende do Congresso. Problemas persistirão.
Nas últimas décadas, o dispêndio federal
aumentou, em média, 5% ao ano acima da inflação, sendo 6% desde o ano passado.
A principal razão para isso é a expansão continuada de encargos previdenciários
e benefícios sociais, que corrói parcelas crescentes do Orçamento e engessa a
atuação do Estado.
Hoje, quase 90% das
despesas são obrigatórias e cerca de metade do Orçamento é
consumida com Previdência e assistência social. Nesse ritmo, sobrará cada vez
menos para outros setores.
Não resta dúvida de que a prioridade do setor
público brasileiro deve ser combater a pobreza e a desigualdade social. Fazê-lo
sem respeitar limites fiscais, no entanto, cedo ou tarde acaba por prejudicar
os mais carentes com inflação, juros e
desemprego.
O maior obstáculo à valorização do salário
mínimo é sua vinculação ao piso previdenciário, que deveria ser descontinuada.
O mínimo está relacionado a contratos de trabalho sob as regras da CLT e deve
se alinhar ao avanço da produtividade e às condições gerais da economia.
É preciso separar as duas coisas —contratos
de trabalho privado e valores pagos pelo INSS a
aposentados e pensionistas.
Na aposentadoria,
há conexão entre o benefício e as contribuições de cada trabalhador ao longo de
sua vida, que guardam relação com a realidade do país no momento em que ocorre
a passagem para a inatividade. A partir de sua obtenção, a correção deve
preservar o poder de compra, como ocorre na maioria dos países.
O argumento de que valorizar o mínimo
impulsiona o consumo e a atividade econômica pode valer em certas condições,
quando há ociosidade na economia e espaço no Orçamento. Com pleno emprego e
déficit público, os resultados são inflação e juros maiores, com impactos
sociais negativos.
O IPCA de serviços deve terminar 2024 em
5,6%, quase 1 ponto percentual acima do ano passado e em trajetória de
aceleração adiante. Nesse quadro, sobem os juros no mercado, que já apontam
para a taxa básica acima de 15% ao ano. Acelera-se a expansão da dívida
governamental, agora projetada em 85% do PIB em 2026, cerca de 13 pontos
percentuais a mais do que no fim de 2022.
A desvinculação conteria o avanço do gasto do
INSS, o maior da União e menos eficiente do combate à pobreza. A insistência na
regra atual só
apressará uma nova reforma previdenciária ou uma nova crise
fiscal.
A advocacia não está imune a críticas dos
clientes
Folha de S. Paulo
Recusando pedido autoritário da OAB, Justiça
agiu certo ao permitir reclamações de contratantes de advogados na Internet
Essencial ao funcionamento da Justiça, como
dispositivo que garante o direito à defesa dos cidadãos, a advocacia de fato
desfruta de prerrogativas. Estar imune a críticas, contudo, não é uma delas.
No final de novembro, a 6ª Turma do Tribunal
Regional Federal de São Paulo agiu de maneira correta, portanto, ao rejeitar
pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para
censurar o site Reclame Aqui, onde consumidores relatam insatisfações sobre
empresas, produtos e serviços —como os advocatícios.
O argumento da entidade foi o de que caberia
a ela apurar, de modo sigiloso, eventuais infrações éticas e disciplinares.
Trata-se de uma tese frágil e, pior, com laivos autoritários.
Não se pode confundir o direito ao
contraditório de advogados em investigações internas com a liberdade dos
clientes de expressar insatisfação com os profissionais por eles contratados.
Assim entendeu o desembargador Souza Ribeiro,
relator do processo: "Qualquer pessoa pode expor sua vida na internet e
contar uma história dissaborosa envolvendo o trabalho prestado por advogado,
assim como expor qualquer relação contratual com outros prestadores de
serviço".
A classe dos causídicos não deve se
encastelar contra críticas, já que outros prestadores de serviço não possuem
tal privilégio.
A advocacia já goza, de maneira justificável,
de prerrogativas inacessíveis a outras profissões, em razão de ser
"indispensável à administração da Justiça", nos termos da Constituição.
Entre elas, a inviolabilidade de escritórios,
o ingresso livre em dependências do sistema de justiça, o acesso a processos
judiciais de qualquer natureza, entre outras. Nenhuma inclui o direito a
censurar reclamações de clientes.
Há outras práticas recentes da OAB igualmente
condenáveis. Em 2023, o órgão
elaborou um cadastro interno, sem acesso ao público, de autoridades
consideradas "violadoras de prerrogativas" da advocacia, que inclui
magistrados, membros do Ministério
Público, delegados de polícia e
servidores da Receita. A falta de transparência e do devido processo legal na
formulação da lista deveria justificar sua anulação.
Algumas das benesses da advocacia não são
essenciais à função, como regime tributário mais favorável a sociedades de
advocacia e o direito à prisão especial.
Faria bem à OAB separar prerrogativas
indispensáveis à promoção da justiça de meros privilégios, além de direcionar
esforços para coibir más práticas de seus integrantes, em vez de tentar
silenciar clientes insatisfeitos.
Um general quatro estrelas na cadeia
O Estado de S. Paulo
Seja qual for o destino penal do general
Braga Netto, sua prisão preventiva mostra a extensão da vergonha que o
bolsonarismo causou às Forças Armadas
O País acordou ontem com a notícia da prisão
de um general quatro estrelas da reserva, um desdobramento dramático do caso da
suposta trama golpista contra o presidente Lula da Silva, investigada pela
Polícia Federal (PF). É evidente que tudo ainda carece de maiores
esclarecimentos, mas o episódio em si mesmo ilustra com clareza meridiana a
dimensão da vergonha causada pelo bolsonarismo às Forças Armadas.
Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), após consulta à Procuradoria-Geral da República
(PGR), a Polícia Federal (PF) prendeu preventivamente o general de Exército da
reserva Walter Braga Netto. O militar, segundo a PF, é suspeito de ser um dos
líderes da tentativa de golpe de Estado urdida nos estertores do governo de
Jair Bolsonaro para impedir a posse de Lula da Silva, plano que teria envolvido
até o assassinato do atual mandatário, entre outras autoridades.
Moraes decretou a prisão preventiva de Braga
Netto porque, ainda de acordo com a PF, ele estaria destruindo provas e,
principalmente, coagindo testemunhas para tomar conhecimento do teor sigiloso
do acordo de colaboração premiada firmado pelo tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
A serem verdadeiras essas acusações, haja
vista que a prisão de Braga Netto foi ordenada por Moraes em grande medida
pelos supostos novos elementos de prova que Mauro Cid teria fornecido ao STF em
seu depoimento mais recente, prestado no dia 21 de novembro, está-se diante, de
fato, de condutas típicas para a decretação da prisão preventiva. Por essa
razão, Braga Netto foi mantido no cárcere após ser submetido à audiência de
custódia, ocasião em que são verificadas as eventuais ilegalidades de uma
prisão.
De todos os suspeitos de participar da
intentona, Braga Netto, sem dúvida alguma, é o mais graduado a ser preso até
agora. Acima dele só haveria o golpista maior, Jair Bolsonaro, o grande
beneficiário do eventual sucesso daquele plano nefasto que teria sido colocado
em marcha após sua derrota nas urnas em 2022, como aponta a PF. A regra no
Brasil, como o passado demonstra, sempre foi o acobertamento de militares, da
ativa e da reserva, suspeitos de terem cometido crimes comuns – à exceção, por
óbvio, daqueles delitos cobertos pela Lei da Anistia, de 1979.
A prisão preventiva de Braga Netto, portanto,
quebra essa rotina de leniência, para dizer o mínimo, com a apuração de crimes
comuns envolvendo militares, fardados ou não, em que pese se tratar – e é
fundamental frisar isso – de uma prisão cautelar, ou seja, decretada em sede de
investigação, e não de antecipação de culpa nem muito menos de cumprimento de
pena. Mas só isso, porém, já é algo inédito ao menos desde a redemocratização
do País.
Se a prisão de outros militares de alta
patente suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe já não foram triviais,
a de Braga Netto é histórica, na mais estrita acepção do vocábulo. Afinal, além
de ele ser um general com quatro estrelas nos ombros a ir para a cadeia,
sobretudo por suspeita de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado, Braga
Netto foi chefe do Estado-Maior do Exército, ministro da Casa Civil e da Defesa
no governo Bolsonaro, candidato a vice na chapa do ex-presidente e, ademais, interventor
na Segurança Pública do Rio de Janeiro, uma elevada posição de poder, malgrado
o fiasco operacional da intervenção militar.
A prisão de um personagem como Braga Netto,
alguém que, além de possuir o currículo acima, foi uma figura central na
política brasileira nos últimos anos, é reveladora do desassombro com que
membros do alto escalão do governo anterior parecem ter agido para se manter no
poder a despeito da derrota eleitoral. Como sublinhamos nesta página há algumas
semanas, o Brasil só terá paz quando todos os suspeitos de ter urdido o golpe
de Estado forem julgados de acordo com as leis do mesmo Estado Democrático de Direito
que tentaram abolir (ver Traidores da Pátria, 20/11/2024).
Desde a manhã de ontem, o general da reserva Walter Braga Netto viu consideravelmente reduzida a distância que o separa desse inevitável acerto de contas com a Justiça.
O mundo encantado do Judiciário
O Estado de S. Paulo
Ao justificar a alta remuneração de juízes, o
presidente do Supremo diz que o Judiciário brasileiro, o mais caro do mundo,
‘não tem responsabilidade sobre a crise fiscal’
O presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou há poucos dias que “o Judiciário
não tem participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal” do País. Essa
foi a espantosa resposta do ministro a um questionamento de jornalistas sobre
os salários dos magistrados, que não raro estão muito acima do teto que a
Constituição fixa para a remuneração dos servidores públicos. Além de se tratar
de incrível demonstração de alheamento à realidade do País, a declaração ignora
olimpicamente que o Judiciário, como qualquer parte da estrutura do Estado, é
financiado com o dinheiro dos impostos e que, por isso, deve participar dos
esforços para conter os gastos públicos.
É evidente para qualquer cidadão de boa-fé
que o Judiciário pode não ser tido como o principal responsável pelo
desequilíbrio das contas públicas. Mas ofende a inteligência negar o peso
excessivo que esse Poder representa para o contribuinte, sobretudo quando
comparado ao Judiciário de outras nações no mesmo patamar de desenvolvimento do
Brasil ou até mais avançadas.
Apenas em 2023, o Judiciário brasileiro
custou quase R$ 133 bilhões, o que representou 1,2% do PIB daquele ano, segundo
o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Já
a arrecadação correspondeu a pouco mais da metade das despesas (52%) no mesmo
período.
Um estudo do Tesouro Nacional mostrou que o
Judiciário brasileiro custa três vezes mais que a média dos países emergentes e
está muito à frente dos países desenvolvidos, que gastam apenas 0,3% do PIB com
a Justiça.
Por óbvio, não se espera que o Judiciário “dê
lucro”, nem mesmo que empate a sua balança de pagamentos, por assim dizer. Não
é essa, afinal, a métrica de avaliação da prestação jurisdicional. Mas é
igualmente indiscutível que, para onde quer se olhe no Judiciário – e em outras
carreiras jurídicas do Estado, como as do Ministério Público, por exemplo –,
pululam oportunidades de racionalização de custos que já seriam obscenos ainda
que o Judiciário brasileiro fosse, além do mais caro, o mais eficiente do mundo
– coisa que nem remotamente é.
Muitos sabem onde está o foco do problema,
mas poucos ousam enfrentá-lo. É preciso acabar com a farra dos pagamentos fora
do teto constitucional, com as tais “verbas indenizatórias”, penduricalhos que
engordam os vencimentos de Suas Excelências em muitos milhares de reais além do
que permite a Constituição de forma expressa.
Naquele mesmo ano de 2023, segundo um
relatório da Transparência Brasil publicado pelo Estadão em setembro
deste ano, o Judiciário pagou aos seus juízes nada menos que R$ 4,5 bilhões
fora do teto constitucional, valor sobre o qual, é fundamental frisar, não é
recolhido um mísero centavo de Imposto de Renda. O valor pode ser ainda bem
maior, pois o relatório teve como base a folha de pagamento de 18 dos 27
Tribunais de Justiça do País. Vale dizer, não entrou no cálculo o que
eventualmente pode ter sido pago fora do teto aos magistrados da Justiça
Federal, da Justiça Militar e de tribunais superiores.
O ministro Barroso insiste no argumento
segundo o qual é preciso tornar a magistratura “atraente” para os profissionais
do Direito com uma boa remuneração, sob risco de haver uma evasão de juízes
País afora e, no limite, um colapso da Justiça. Em primeiro lugar, os
servidores do Judiciário já fazem parte da elite do funcionalismo público.
Ademais, não se tem notícia de juízes que tenham abandonado a carreira por
insatisfação salarial nessa proporção apocalíptica apresentada pelo presidente
do STF. Em segundo lugar, ninguém defende que juízes ganhem mal nem menos do
que ganham atualmente, o que seria absurdo, mas sim que se cumpra o mandamento
da Constituição. O mínimo que se pode esperar do Judiciário, um Poder já
muitíssimo abonado, é que deixe de engendrar manobras para driblar o teto
constitucional.
A declaração de Barroso vocaliza um
sentimento que se espraia por todo o Judiciário. Em última análise, são
privilegiados defendendo seus privilégios. A grande questão é o que a sociedade
fará com essa informação.
A inconstitucional castração química
O Estado de S. Paulo
Câmara aprova proposta para castrar
pedófilos, trocando a Constituição pela lei de talião
Em sua mais recente manifestação de populismo
penal, a Câmara aprovou a castração química de condenados por pedofilia. A
iniciativa se deu por meio de uma emenda inserida de última hora em um projeto
de lei para instituir um cadastro nacional de pedófilos na internet, igualmente
absurdo. De autoria do deputado Ricardo Salles (Novo-SP), ex-ministro do
governo Jair Bolsonaro, ela determina que o infrator terá de usar medicamentos
inibidores da libido.
Aprovada por 267 votos a 85, com 14
abstenções, a proposta foi apreciada em uma sessão marcada por tumulto entre
deputados da direita e da esquerda. Para integrantes da tropa de choque
bolsonarista, quem rejeita a proposta estaria “protegendo pedófilos e
estupradores”, enquanto os críticos questionaram a eficácia da castração.
A proposta fere o inciso XLIX do artigo 5.º
da Constituição, segundo o qual “é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral”. Parece claro que a castração química afeta a
integridade física do apenado, razão pela qual deveria ter sido engavetada
ainda na fase de avaliação de sua constitucionalidade. Ademais, esse
procedimento pode ser considerado cruel, por gerar uma série de efeitos
colaterais, além de invadir a privacidade e ferir a dignidade do preso,
violando garantias expressas na Constituição.
Ou seja, a castração química afronta a ordem
constitucional em diversos pontos e, sendo uma imposição evidentemente
desproporcional, mais dura do que a reservada a outros crimes tão ou mais
hediondos, parece inspirar-se mais na lei de talião do que na Constituição. É
por esse motivo que, no passado, quando o Congresso ainda não estava tomado de
reacionários, iniciativas legislativas semelhantes ao menos atribuíam ao
condenado por pedofilia a possibilidade de escolher voluntariamente a
castração, em troca de redução de pena.
Ademais, não há consenso sobre a eficácia da
terapia em impedir que um pedófilo continue a abusar de crianças, sobretudo
porque há muitas maneiras de cometer esse crime além da relação sexual
propriamente dita. O abuso, hoje em dia, pode-se dar até mesmo no ambiente
virtual das redes sociais. Portanto, a castração química não serve, na prática,
para impedir que um pedófilo continue a molestar crianças. Serve, somente, para
satisfazer um desejo de vingança de parte da sociedade.
Não se combate pedofilia com demagogia, muito
menos com a imposição de penas inconstitucionais. São necessárias ações de
prevenção, intervenção das escolas para identificar situações de risco e
vulnerabilidade das crianças, uma polícia com capacidade de investigação e o
uso de mais inteligência.
Agora, a proposta vai ao Senado, onde se espera que seja rejeitada. Caso seja lá também aprovada, caberá ao presidente Lula da Silva vetar essa anomalia. Se sancionada, que seja então questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). Justiçamento não é sinônimo de justiça.
Cenário difícil na economia em 2025
Correio Braziliense
É possível ver pontos positivos, como a
redução da miséria e do desemprego, mas o presidente Lula e sua equipe têm o
dever de implementar uma política econômica mais austera e de credibilidade
A economia brasileira caminha para encerrar o
ano com sinais preocupantes para 2025. E uma parte significativa desse
diagnóstico desfavorável está diretamente relacionada ao governo de Luiz Inácio
Lula da Silva. A duas semanas de completar a primeira metade do mandato, a
administração petista ainda não executou uma política robusta de contenção de
gastos, condição primária para alcançar o equilíbrio fiscal. A inoperância do
governo obriga sobremaneira o Banco Central a apertar a política de juros e
agrava a deterioração do real frente ao dólar, como se viu ao longo da última
semana.
O ministro Fernando Haddad anunciou o tal
conjunto de medidas fiscais em 27 de novembro. Até o momento, contudo, não se
viu uma articulação governista no Congresso Nacional capaz de garantir nem
mesmo as metas estabelecidas pelo Ministério da Fazenda — entre outras, uma
economia de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. Convém lembrar que o
pronunciamento de Haddad ocorreu após ele ter cancelado uma viagem ao exterior
— por ordem do presidente — e uma sequência de reuniões ruidosas e pouco
esclarecedoras com ministros ameaçados de cortes orçamentários. Tudo com muito
improviso e pouca transparência.
Além de insuficiente, o pacote anunciado pelo
Ministério da Fazenda embute ideias eleitoreiras, como a isenção do IR para
contribuintes com renda até R$ 5 mil. Até as emas do Alvorada sabem que essa
medida será discutida no parlamento quando chegar a distante etapa da reforma
tributária que tratará de renda. Consta ainda na proposta fiscal do governo
petista a malfadada e renitente tentativa de golpear o Fundo Constitucional do
Distrito Federal, repasse legitimado pela Carta Maior para custear a manutenção
da capital da República.
Ante tanta tibieza proveniente de Brasília, o
mercado deu sinais contundentes de insatisfação. Tornou-se o novo normal o
dólar cotado a R$ 6, patamar cambial inédito. E frise-se que o valor da moeda
norte-americana manteve-se praticamente inalterado apesar de o Banco Central,
na última sexta-feira, ter vendido US$ 800 milhões em leilão. Novas
intervenções estão previstas para esta semana.
Há mais. Na última reunião de 2024, concluída
na quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) emitiu outro sinal de
alerta. O aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros, elevando-a
para 12,25% ao ano, e o anúncio de outras duas altas da mesma magnitude em
janeiro e março indicam que o Banco Central está disposto a adotar um choque
monetário para conter a insistente inflação acima do teto da meta. Como se
sabe, os efeitos amargos desse remédio serão sentidos por toda a sociedade
brasileira pelos próximos meses.
Tudo somado, fica evidente que o governo
federal terá de trabalhar muito para reverter o cenário difícil que se
apresenta para 2025. É possível ver pontos positivos, como a redução da miséria
e do desemprego, mas o presidente Lula e sua equipe têm o dever de implementar
uma política econômica mais austera e de credibilidade. Considere-se ainda
nessa conta a intercorrência de fatores externos desestabilizadores, como a
chegada de Donald Trump à Casa Branca em 20 de janeiro.
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