Folha de S. Paulo
Os candidatos a substituir o golpista estão
muito distantes da moderação
Dificilmente voltaremos, a curto prazo, aos
tempos em que o centro conduzia a direita
Ele acabou de vez? O patético episódio da
tornozeleira mutilada parece ter precipitado o ocaso da liderança do
"mito" —como se derretiam em chamá-lo os seus seguidores—,
recém-condenado à prisão por tentativa de golpe.
Enquadrado pelas instituições democráticas, o ex-capitão se expôs agora ao ridículo. Tanto faz se a causa foi um surto psicótico; ou rematada estupidez política, como sugere João Pereira Coutinho em sua imperdível coluna publicada nesta semana; ou ainda por irremediável falta de dignidade e compostura.
É possível que a minoria formada pelos
bolsonaristas raiz continue a negar os fatos. Mas é difícil imaginar que,
depois de tudo, o seu ídolo mantenha a posição de centro de gravidade política
das forças direitistas no plano nacional. Esse lugar está vago e preenchê-lo é
desafio —nada trivial— para as hostes da direita.
A vitória de Jair
Bolsonaro, em 2018, destruiu a maneira como o campo antagônico ao PT
se organizou para fins eleitorais, a contar de 1994, e com que agenda entrou na
disputa pelo Executivo federal.
De um lado, o PSDB oferecia um candidato
presidencial de centro, vertebrando a coligação de partidos de vários tons de
direita, os quais, por sinal, se alinhavam em diferentes palanques estaduais.
No plano dos estados se acomodavam as ambições das legendas coligadas, ao se
definirem os postulantes ao Executivo subnacional; ao Senado;
à Câmara dos
Deputados e às Assembleias Legislativas. A eleição presidencial
em dois turnos afunilava a competição pelo poder, reduzindo as chances reais de
terceiras vias.
Por outro lado, o monopólio tucano da
candidatura ao Palácio do Planalto conferia coerência programática —social-liberal—
à disputa nacional, para além do conservadorismo dos partidos que formavam a
coligação antipetista.
A chegada de um populista extremado a Brasília significou
o fim desse arranjo no qual o centro organizava o campo da direita na
competição pela Presidência e lhe emprestava feição moderadamente liberal e
reformista. Sob os auspícios de Bolsonaro, direitistas radicais se mostraram
sem disfarces; apropriaram-se de partidos; trouxeram para a agenda política
valores reacionários; a contestação aos direitos à diversidade de
comportamentos e estilos de vida; o menosprezo pela questão ambiental. Alteraram
por completo o espaço da direita, mesmo que os pragmáticos do centrão continuem
aí em maioria.
Esse é o estado em que se encontram as forças
antipetistas quando Bolsonaro deixa de ser uma bússola funcional para guiá-las.
Dificilmente se poderá voltar, a curto prazo, aos tempos em que o centro
conduzia a direita. Os candidatos a substituir o golpista estão muito distantes
da moderação. A começar pelos governadores presidenciáveis, alguns dos quais
eleitos, em 2022, à sombra da popularidade do seu guia e mestre.
Não custa lembrar que, se as nossas
instituições democráticas são suficientemente robustas para enquadrar o
populismo autoritário, nem por isso este deixa de ser uma demanda latente de
grande parcela do eleitorado e, em consequência, uma recorrente tentação para
os políticos.

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