quinta-feira, 27 de novembro de 2025

A batalha por 41 votos, de Moraes a Messias, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Governo escolhe as armas de Alcolumbre para enfrentar a votação de Messias sem garantia de sucesso

Depois de assistir o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), aprovar uma aposentadoria especial dos agentes de saúde com impacto de muitos bilhões sobre os caixas da Federação e pautar a derrubada dos vetos presidenciais à Lei de Licenciamento Ambiental, o “PL da devastação”, o Palácio do Planalto retrucou.

O nome do ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, foi enviado para a publicação no Diário Oficial da União em 20 de novembro. Com base nisso, Alcolumbre, cinco dias depois, marcou a sabatina para 10 de dezembro, prazo impraticável para o tradicional beija-mão nos 81 gabinetes.

Descobriu-se, então, que não havia sido enviada a mensagem presidencial com a indicação. O presidente do Senado já avisou que vai imprimir o DOU para que a Comissão de Constituição e Justiça proceda a sabatina, mas o governo se vale do regimento do Senado que prevê a apreciação de autoridades mediante o recebimento da mensagem.

Ou seja, fez um samba em homenagem ao malandro federal. Usou seu aparato, mas não tem garantia de que vai ganhar a viagem. Destemido ante desdobramentos das operações da Polícia Federal “Overclean”, “Carbono Oculto” e “Compliance Zero” parece improvável que Alcolumbre recue num terreno que lhe é familiar.

Messias começou ontem mesmo a maratona de visitas a senadores, mas interlocutores com muita sola de sapato gasta na Casa veem ampliação do desgaste governista. Numa semana em que o maior adversário eleitoral do lulismo, incapaz de fugir, começou a cumprir uma pena de 27 anos de prisão, o uso de um recurso como este não deveria ser necessário. Força, certamente, não está a demonstrar. Tampouco cria um clima favorável para um encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Alcolumbre, que, sem chances de emplacar o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), agora se fixou no ministro do TCU, Bruno Dantas.

No governo, a avaliação é que a fritura de quatro meses a que o ministro André Mendonça foi submetido em 2021, lhe deu tempo de cabalar votos, e que, por isso, o presidente do Senado quis inverter a estratégia com Messias. O anúncio da sabatina sem estar de posse da mensagem é um açodamento incomum para o personagem em questão, mas, nesta matéria, não há monopólio do erro.

Corria o ano de 2005 e Alcolumbre exercia seu primeiro mandato de deputado pelo PFL, numa Câmara presidida por Severino Cavalcanti, quando a Casa aprovou o nome do então procurador Alexandre de Moraes para ocupar uma vaga no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os governistas tinham apresentado o nome de Sérgio Renault, que havia sido secretário da reforma do Judiciário nomeado por Márcio Thomaz Bastos ministro da Justiça do primeiro mandato de Lula, mas foram derrotados.

Moraes, que havia sido secretário de Justiça e presidente da Fundação Casa do governo Geraldo Alckmin, enfrentaria a resistência da bancada governista do Senado que era liderada por Aloizio Mercadante, hoje presidente do BNDES. Três anos antes, Mercadante havia sido derrotado por Alckmin na disputa pelo governo paulista.

Como a vaga no CNJ era da cota da Câmara, o Senado não teria a prerrogativa de indicar outro nome se derrotasse Moraes, como acabou acontecendo. Era necessário se chegar à maioria absoluta, 41 votos, mas o procurador paulista só alcançou 39 e teve 16 votos contrários. A votação foi secreta, mas o número de votos contrários coincidiu com os votantes do núcleo duro governista (PT, Psol, PSB e PPS).

O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) não custou a apontar o dedo: “Foi despeito dos petistas derrotados na Câmara.” O senador Demóstenes Torres (PFL-GO) reservou ao procurador rejeitado todos os elogios (jurista ilibado e homem decente) e à votação, todos os impropérios (molecagem e canalhice). Sete anos depois, Torres seria cassado pela ligação com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, e, duas décadas depois daquela votação no Senado, seria advogado do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, condenado por Moraes a 20 anos de prisão.

O senador Magno Malta (PL-ES) uniu-se à bancada pefelista no desagravo a Moraes: “Esse rapaz é íntegro, de bem, está a serviço da nação e presta um dos maiores serviços ao Estado de São Paulo”. Vinte anos depois, o mesmo rapaz, na definição do mesmo senador, virou um “tirano da toga”. O clima, à época, estava acirrado pela perspectiva da CPI dos Correios que levaria à primeira grande crise do governo petista.

Mercadante, contra quem todos os dedos estavam apontados, atribuiu o resultado à abertura do painel com quórum baixo e aderiu à sugestão do decano, José Sarney (MDB-AP), para que a votação fosse refeita: “Com quórum mais elevado, seguramente há condições de ser aprovado”. Vinte anos depois, é seu ex-assessor nos Ministérios da Educação, da Ciência e Tecnologia e da Casa Civil, onde Messias foi Secretário de Assuntos Jurídicos, que está na berlinda.

O regimento não permite que se repita uma votação por inconformidade com o resultado, mas, 20 anos atrás, foi isso que acabou acontecendo. Como a sugestão tinha vindo de um ex-presidente da República, o presidente do Senado, Renan Calheiros, acatou. Desta vez, Moraes foi aprovado por 48 x 7, a demonstrar que não havia rejeição ao seu nome, mas embate político ou falha na articulação. Vinte anos depois, em meio a tantos sinais trocados, o sarrafo de 41 votos se repete.

 

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