Folha de S. Paulo
Apostou na impunidade, na imortalidade e na
invencibilidade, e se deu mal
Via-se como onipresente, onisciente e onipotente, mas não combinou com a vida real
Lembra-se da frase de Bolsonaro na Presidência? "Só saio daqui preso, morto ou vitorioso." E completou, com ponto de exclamação: "Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso!". Pois, desapontando os canalhas a quem prometeu sua eternidade no Planalto, Bolsonaro está preso, vivo e derrotado. Marcou palpite triplo e conseguiu errar os três. Para quem se julgava senhor de um latifúndio de 8.509.379 quilômetros quadrados, terá de se contentar agora com um três por quatro —12 metros quadrados— e ainda lamber os beiços.
Vista do nosso atual e delicioso ponto de
vista, aquela era uma afirmação intrigante. O que o levava a ter tanta certeza
da impunidade,
da imortalidade e da invencibilidade? Hoje sabemos. A impunidade se devia a
Augusto Aras, seu salivante procurador-geral. A imortalidade, à exuberância que
exibia em palanques, jet-skis e motocicletas. E a invencibilidade, aos votos de
papel, às injeções ilegais de dinheiro no eleitorado, aos serviços exclusivos
da Polícia Rodoviária e, se preciso, à intervenção do Exército, que ele julgava
ter na manga.
As sucessivas derrotas nas urnas, nos tribunais e
nas pesquisas de opinião não têm feito bem a Bolsonaro. Ativaram-lhe uma crise
de soluços e vômitos que, até então, nunca se manifestara e, na semana passada,
provocaram-lhe um confesso surto de alucinação.
Por sorte, um surto benigno —é o único alucinado que consegue realizar uma
operação tão delicada como manobrar um ferro em brasa contra um pequeno objeto
acoplado ao seu tornozelo e cortar a fogo esse objeto sem se ferir
horrivelmente.
Bolsonaro julgava-se onipresente (num único
dia, podia ser visto em dez cenários diferentes, exceto na mesa de trabalho),
onisciente (para isso montara seu serviço particular de informações) e
onipotente (seu ego vivia permanentemente ereto). Mas esqueceu-se de combinar
com a vida real.
Um dia, fará jus a uma estátua equestre —só
que, como dizia Nelson Rodrigues, equestre ao contrário, com ele montado por um
relinchante cavalo.

Nenhum comentário:
Postar um comentário