O Globo
Em entrevista exclusiva, presidente da COP30,
André Côrrea do Lago, explica que texto final faz referência ao consenso de
Dubai, que propõe a transição para o fim dos fósseis
A COP terminou
melhor do que se interpretou inicialmente. Não houve, como se sabe, referência
direta ao fim dos combustíveis fósseis. Mas na declaração final apareceu uma
expressão que, na prática, aponta para isso. Em dois trechos, foi mencionado o
consenso de Dubai, que nada mais é que a proposta da transição para longe dos
combustíveis fósseis. Este destaque foi feito pela jornalista britânica Fiona
Harvey, na The Guardian. Entrevistei ontem o embaixador André Corrêa do Lago na
GloboNews e perguntei se essa era uma interpretação correta. “Ela tem toda
razão. Foi um elemento essencial colocar essa referência. Foi muito
importante”.
O embaixador prometeu trabalhar para que haja um “mapa do caminho para a transição para longe dos combustíveis fósseis” nos próximos 11 meses, período em que ele ocupará a presidência da COP. Quis saber se a referência ao acordo de Dubai no texto final aumenta a força dessa negociação.
— Sim, sem a menor dúvida. A presidência
brasileira vinha dizendo que a negociação do clima é uma parte do esforço mundial
pelo clima. É essencial porque é a parte legislativa, mas, desde o início, a
presidência brasileira pensou em coisas paralelas. Sempre dissemos que há três
etapas: a cúpula, que é a parte política, a negociação, que é a parte formal e,
em paralelo, há a agenda de ação, em que os atores da sociedade civil trabalham
para que tudo aconteça.
Ao fim de cada COP, leva-se um tempo para que
sejam feitas todas as interpretações, disse Corrêa do Lago. Muitas vezes, os
países só começam a analisar o que foi acordado após o encerramento da
conferência. No caso da COP28, dos Emirados Árabes, os países produtores de
petróleo ficaram preocupados com o que foi escrito na declaração final:
“transição para longe dos combustíveis fósseis”. Na de Baku, os europeus
entenderam que o texto ampliava a base de doadores, mas não foi a compreensão
dos países em desenvolvimento. Reafirmar o consenso é a forma de garantir que o
assunto continuará. O embaixador sustenta que houve vários avanços em Belém.
—Nos comprometemos a avançar na prospecção do
mapa do caminho da transição para longe dos combustíveis fósseis, a zerar o
desmatamento, a continuar buscando o mapa do caminho da transição financeira
para chegar aos US$ 1,3 trilhão de financiamento climático.
Neste caso, os presidentes das COPs 29 e 30
receberam o mandato para apresentar uma proposta para chegar a este montante.
Eles apresentaram um documento chamado “De Baku a Belém”. Só que, na declaração
final da COP30, se diz que as partes “tomaram nota” da proposta. Em
“diplomatês”, quer dizer “nada”. O embaixador concordou. Contou que o documento
não foi recebido pela declaração final, e as discussões continuam.
O presidente da COP está convencido de que
ocorreu uma vitória política em Belém. Embora o mapa do caminho dos
combustíveis fósseis não esteja no documento final, a ideia foi vitoriosa e
pode acabar entrando no acordo geral, através do esforço diplomático que se
fará daqui em diante. O mapa do caminho para os US$ 1,3 trilhão, mesmo tendo um
mandato explícito não foi aceito no acordo geral.
Corrêa do Lago estava na Blue Zone quando
houve o incêndio, mas longe do local do fogo. Ele classifica como “incidente” o
que aconteceu. Na mesa de negociação, nada foi fácil. O embaixador admite que
várias vezes temeu que não houvesse acordo em Belém pelo enfrentamento da União
Europeia e Arábia Saudita. No round final, eram os negociadores dos dois lados
se enfrentando, trancados numa sala. Os europeus ameaçaram não destinar
recursos para adaptação se não houvesse o mapa do caminho. Em Joanesburgo, na
reunião do G20, o presidente Lula trabalhou para reverter esta situação. Não
era apenas a Arábia Saudita, a adversária do fim dos fósseis, relata o
embaixador. Houve uma reunião com 40 a 50 países sustentando a mesma opinião,
garantindo que 80 países estavam nessa posição. A favor do mapa, havia 82
países. Ele reconhece que a solução para o clima é urgente.
—Acordo de manhã, passo a tarde, e vou dormir
à noite, pensando neste elemento de urgência. A urgência mudou completamente a
maneira como a gente deve olhar a mudança do clima — disse o embaixador, que
até novembro de 2026 comandará esse processo negociador da ONU sobre as medidas
de combate às mudanças climáticas.

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