sábado, 30 de janeiro de 2010

Merval Pereira :: O futuro do país

DEU EM O GLOBO

DAVOS. O Brasil continua sendo o país do futuro, ou o futuro já chegou? Embora não tenha sido nem mesmo um dos principais temas do 40oFórum Econômico Mundial, que, ao contrário de anos anteriores, divide sua atenção entre a ascensão irrefreável da China e o papel dos Estados Unidos no mundo pós-crise, chancelando o surgimento do G-2, que marcou sua presença ostensiva na reunião de Copenhague sobre o clima no final do ano, o Brasil esteve em debate em alguns momentos, inclusive pelo prêmio concedido ao presidente Lula como a primeira personalidade internacional a receber o título de Estadista Global

A tendência generalizada no Fórum de discutir a influência do G-2 no mundo pós-crise, especialmente a necessidade de regulamentação do sistema financeiro, não impediu, no entanto, que os líderes dos países emergentes marcassem posição com diversas demonstrações de insatisfação com o papel que lhes é reservado na tomada de decisões.

Esse também foi o sentido geral do discurso do presidente Lula, lido em português pelo chanceler Celso Amorim. O de chamar os países desenvolvidos à responsabilidade no momento em que o mundo pede inovações na sua governança, com os países emergentes reivindicando seu lugar nos organismos internacionais.

A ausência de Lula retirou da homenagem a carga política que permitiria ao país tornar-se o protagonista do dia ontem em Davos, mas mesmo assim o novo papel do Brasil esteve em discussão num almoço que reuniu investidores, especialistas em América Latina e autoridades brasileiras.

A visão glamourizada do país, revelada tanto no discurso do presidente Lula, quanto nas falas do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não impediu que alguns contrapontos fossem colocados nas discussões.

A perspectiva de crescimento por volta de 6% este ano do PIB brasileiro, número oficial apontado pelas autoridades, foi relativizado pelo dirigente do Instituto Ethos, Ricardo Young, que chamou a atenção para nossa fragilidade educacional, sobretudo no que se refere ao ensino superior, insuficiente para uma competição em pesquisa, ciência e tecnologia com países como a Coreia e a China.

Não há dúvida de que o Brasil está em evidência no mundo, embora seja exagerado dizer, como o ministro Celso Amorim afirmou, que o país precisa agora se acostumar com os problemas que o “protagonismo internacional” traz.

O Brasil não tem ainda uma palavra decisiva na arena internacional, embora tenha se tornado relevante como líder regional e seja uma das lideranças dos países emergentes, especialmente no G-20, que reúne os países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio.

No outro G-20, que reúne os presidentes dos países desenvolvidos e os em desenvolvimento mais importantes, o Brasil começa a ter papel relevante, embora não decisivo.

Mas há questões a serem lembradas quando se fala do estágio de desenvolvimento do Brasil, que são deixadas de lado pelas autoridades brasileiras.

Ontem, no almoço em que o futuro da economia brasileira era o tema central, tanto o ministro Guido Mantega quanto Henrique Meirelles destacaram os fatos positivos: crescimento provável em torno de 6% do PIB este ano, inflação sob controle, melhoria nos investimentos, especialmente em infraestrutura, com vistas aos grandes eventos esportivos à frente, Olimpíadas em 2016 e Copa do Mundo em 2014.

Assim como Lula em seu discurso ressaltou que o principal fator que ajudou o Brasil no combate à crise foi a atuação direta do governo, que incentivou o crédito e o consumo interno, base da recuperação da economia, também o ministro Guido Mantega ressaltou a importância do Estado no combate a crise financeira, especialmente o papel dos bancos estatais BNDES e Banco do Brasil.

A presença maciça do Estado na economia, defendida pelos ministros como fundamental para que o Brasil enfrentasse a crise, já está sendo, no entanto, questionada nos fóruns internacionais, inclusive aqui em Davos.

A crise internacional obrigou que governos como o dos Estados Unidos e outros da Europa, como o da Inglaterra, usassem métodos heterodoxos de intervenção estatal para salvar o sistema financeiro e estimular a economia.

A revista inglesa “The Economist”, por exemplo, atribui a derrota dos democratas na eleição para o Senado em Massachusetts a uma reação do eleitorado contra o crescente poder do Estado sobre Barack Obama. E prevê que essa reação se espalhará pelos países em que o Estado, aproveitando-se da crise, é maior do que deveria.

As consequências desse movimento de fortalecimento da presença do Estado, longe de serem consensuais, estão ainda para serem sentidas, podem provocar novas crises, e a preocupação agora é retirar o excesso de presença do Estado da economia.

O ministro Mantega, justificou as manobras fiscais que foram usadas para conseguir o superávit primário — utilização de depósitos judiciais, pagamento de dividendos de estatais, utilização de investimentos do PAC na redução da meta — como medidas compreensíveis diante da crise financeira sem precedentes.

Mas o equilíbrio das contas públicas brasileiras começa a ser colocado em risco, e a relação dívida/PIB, que aumentou com a crise, só é prevista retornar a patamares menos perigosos no ano que vem.

Foram lembrados também vários fatores que impedem um crescimento maior da economia, como a alta carga tributária, a falta de reformas estruturais na legislação trabalhista, na Previdência e a burocracia em excesso.

Como Lula chamou a atenção no seu discurso, estar na moda pode ser uma situação passageira. Dependerá do próximo presidente confirmar que o desenvolvimento econômico e social do país é um processo em progresso, que não será alterado.

(Continua amanhã)

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