domingo, 15 de maio de 2011

Reflexão do dia – Itamar Franco

Se continuarmos com esse processo de aviltamento do Legislativo... Todos sabem o que acontece. Nós estamos nos desmoralizando. Estamos sendo legisladores de brincadeira – de brincadeira!

Itamar Franco, senador (PPS-MG) e ex-presidente da República, O Globo,15/5/2011

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

Congresso abdica do poder e deixa de votar 30 mil leis

FOLHA DE S. PAULO

Palocci multiplica seu patrimônio por 20 em 4 anos

O ESTADO DE S. PAULO

BNDES já liberou R$ 1,9 bi para Copa

ESTADO DE MINAS

Como conviver com a inflação

CORREIO BRAZILIENSE

Brasília mais cara que Nova York ou Paris

ZERO HORA (RS)

Estudo mostra onde a reforma agrária vinga

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Hora de empresas declararem o Imposto de Renda

Congresso abdica do poder e deixa de votar 30 mil leis

Para zerar a pilha de projetos à espera de votação, o Congresso brasileiro precisaria de um século. Existem hoje na Câmara e no Senado cerca de 30 mil propostas em tramitação, constatou o repórter José Casado. Pela média histórica, só uma em cada dez tem chance de virar lei. O resto irá para o arquivo, mas, até lá, ajudará o Congresso a abdicar de sua função primordial, que é votar as leis do país. Nesse processo de asfixia legislativa, há 2.180 vetos presidenciais à espera da apreciação parlamentar, alguns na fila há uma década. Na análise das contas presidenciais, mais atraso: há contas pendentes de 12 exercícios financeiros. A mais antiga já está na lista de espera há 21 anos e é de 1990, ainda do governo Collor. O Código Florestal, motivo de polêmica na última semana, já está na pauta há 12 anos.

O Congresso parou

Legislativo precisaria de um século para votar mais de 30 mil projetos em tramitação

José Casado

Há duas semanas o Senado aprovou a Convenção sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, um dos pilares jurídicos da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre direitos humanos. Tornou-se crime no Brasil um agente do Estado usar as desculpasde “seguir ordens” ou “em missão militar” como razão para não ser punido por prender uma pessoa, não comunicar essa prisão e ainda privá-la de qualquer tipo de ajuda legal. As regras valem para todos os agentes públicos, mesmo em tempo de guerra. É fato relevante num país que há

três décadas convive com a busca de desaparecidos durante a ditadura militar. Mas passaram-se 17 anos desde a assinatura desse acordo, em 1994, até a sua aprovação no Congresso. Foram mais de 6.000 dias “em tramitação” legislativa. Estreante no Senado, Pedro Taques (PDT-MT) participou da votação, perplexo:

— O nosso processo legislativo é do século XIX.

Mais tarde, fez as contas e levou um susto: se os 81 senadores e 513 deputados federais decidissemvotar todos os projetos que estão pendentes no Congresso—semapresentar nenhum novo e mantendo o atual ritmo de trabalho —, atravessariam um século trancados em sessões de votação. Há quase três dezenas de milhares de propostas “em tramitação”. Pela

média histórica, somente uma em cada dez tem chance real de virar lei. As demais têm destino certo: o arquivo. Esse processo de asfixia legislativa se agrava a cada semana, principalmente porque o Congresso adotou apolítica de não decidir nas áreas definidas pela Constituição como de sua competência exclusiva. Simples e óbvia, a Carta manda o Legislativo legislar e fiscalizar ,o Executivo executar , eo Judiciário julgar . Não tem sido assim eo resultado é um visível desequilíbrio entre poderes, inédita desde a redemocratização há 26 anos: a supremacia do Executivo e um gradativo avanço do Judiciário no vácuo deixado por um Congresso cada vez mais enfraquecido. As evidências se multiplicam na pauta de pendências da Câmara e do Senado. Ocaso dos vetos presidenciais é exemplar. A Constituição permite ao presidente da República vetar projetos do Legislativo até 15 dias depois da aprovação. Eimpõe ao Congresso odever de decidir se mantém ou derruba oveto presidencial no prazo de 30 dias. Existem 2.180 vetos presidenciais à espera de decisão dos parlamentares. Alguns estão na fila há uma década. Abandonou-se também o julgamento de contas de governo. O Legislativo tem o poder , o dever e a competência exclusiva na análise e decisão sobre as contas do presidente da República. Mas permanecem contas presidenciais pendentes de 12 exercícios financeiros. A mais antiga é de 1990, do governo Fernando Collor .Passaram-se 21 anos e ainda não foi votada.

— O Parlamento não cumprea ordem constitucional — constata o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). — E aqui se revela uma das mais expressivas, discretas e proveitosas formas de poder político: o de não decidir .

No vácuo, o STF avança e decide

Não é por falta de tempo. O Código Florestal transita há 12 anos no Legislativo.Mais longo é o percurso da proposta sobreunião de casais gays: há 16 anos está pronto para votação. Em

vez de solução, surgiram outros 21 projetos similares. No vácuo, o Supremo Tribunal Federal avançou. E decidiu, “interpretando” a Constituição.

— Todo mundo tem na sua vida um exemplo de perda por causa dessa decisão do Legislativo de não decidir — lamenta o deputado. — O Executivo agora é quase o único poder , e a República virou ficção. Precisamos é de uma revolução pela lei. O senador Itamar Franco (PPS-MG), ex-presidente da República, não disfarça a irritação. Dias atrás ele recebeu o comando de uma comissão parlamentar para examinar uma Medida Provisória. Na primeira reunião, foi o único a aparecer . Esperou meia hora, desistiu e foi ao plenário onde fez um desabafo sobre sua frustração:

—Se continuarmos comesse processo de aviltamento do Poder Legislativo no País...Todos sabem o que acontece — protestou. — São situações como essa que acabam por fazer prosperar,nas ruas, dúvidas sobre a necessidade de um Parlamento. Nós estamos nos desmoralizando. Estamos sendo legisladores de brincadeira — de brincadeira! O governo legisla mais que o Congresso, e cada vez mais. Desde 1989 sucessivos presidentes editam, em média, uma Medida Provisória por semana (na administração Dilma Rousseff, até agora, amédia caiu para uma a cada duas semanas). Já somam 1.127. Amaioria encontra-se “em tramitação” no Legislativo. Entre essas, há 52 que, embora provisórias, “tramitam” há mais de uma década. No universo das MPs acontece um pouco de tudo. Por exemplo: uma delas, aprovada na semana passada, abrigava desde doações ao Haiti até uma completa reforma da Lei de Licitações Públicas, em caráter emergencial por causa da Copa doMundo —embora oBrasil tenha sido escolhido para sediar a Copa há exatos três anos e sete meses.

— Temos certa dose de culpa, tudo isso não acontece por acaso — criticou a senadora estreante Ana Amélia Lemos (PP-RS). — Há uma relação de subordinação e clientelismo com o governo. Enão é possível na democracia umpoder se sobrepor ao outro, como acontece hoje na relação Executivo-Legislativo. Sem cumprir as atribuições constitucionais básicas (legislar e fiscalizar), o Congresso se vê, também, cada vez mais limitado na capacidade de decidir sobreo Orçamento. Clássico símbolo da independência de poderes na democracia liberal, a autonomia do Legislativo sobre o orçamento tornou-se emblema da fragilidade institucional brasileira: quem decide quase tudo é ogoverno. A margem de manobra parlamentar atualmente é sobre uma fatia inferior a 1%da receita anual de impostos. Para o Executivo é o mundo ideal, porque pode usar essas emendas como instrumento para impor sua agenda ao Congresso. Em tese, cada parlamentar pode apresentar emendas para obras até a soma de R$ 13,5 milhões. São aprovadas, mas o investimento depende da vontade do governo, que, numa tática de pressão, libera cada vez menos: em 2007, autorizou 32% dos investimentos aprovados por emendas; no ano passado, apenas 15%. Nos plenários sobram desalento e autocrítica, como a do deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA) na semana passada:

— Quando os parlamentares vão olhar para os seus mandatos e enxergar que é preciso haver uma afirmação daquilo que é sua atribuição e que não pode ser terceirizado? ■

CONTAS PRESIDENCIAIS HÁ 21 ANOS SEM DECISÃO

O Congresso abandonou a votação das contas de governo. Há contas pendentes de 12 presidentes. A mais antiga é do governo Collor (1990) e está há 21 anos à espera de votação.

VETOS PRESIDENCIAIS: UMA DÉCADA NA FILA

Já são 2.180 vetos presidenciais aguardando a decisão dos congressistas. Alguns completaram uma década na fila de votação.

EMENDAS À CONSTITUIÇÃO: 16 ANOS DE ESPERA

Na Câmara e no Senado adormecem 975 Propostas de Emenda à Constituição (PEC). Algumas têm 16 anos de espera.

UM TRATADO APROVADO, 17 ANOS DEPOIS

Há meia centena de acordos internacionais na fila. Um deles levou 17 anos para ser votado, o que aconteceu há duas semanas.

PODER SOBRE O ORÇAMENTO É CADA VEZ MENOR

É cada vez mais limitada a capacidade do Congresso de decidir sobre o Orçamento. A margem se restringe às emendas parlamentares (menos de 1% do Orçamento anual).

“ Todo mundo tem na sua vida um exemplo de perda por causa dessa decisão de não decidir do Legislativo. O Executivo agora é quase o único poder, e a República virou ficção. Precisamos de uma revolução pela lei

Miro Teixeira, deputado federal (PDT-RJ)

“ Temos uma certa dose de culpa; tudo isso não acontece por acaso. Há uma relação de subordinação e clientelismo. Não é possível um poder se sobrepor ao outro como acontece hoje na relação Executivo/Legislativo

Ana Amélia Lemos, senadora (PP-RS)

“ O Legislativo está enfraquecido e não legisla nem fiscaliza. Temos um presidencialismo imperial. Estou no Senado há cem dias e já votei três medidas provisórias! Isso que está aí é um jogo de interesses

Pedro Taques, senador (PDT-MT)

“ Se continuarmos com esse processo de aviltamento do Legislativo... Todos sabem o que acontece. Nós estamos nos desmoralizando. Estamos sendo legisladores de brincadeira – de brincadeira!

Itamar Franco, senador (PPS-MG) e ex-presidente da República

FONTE: O GLOBO

Palocci multiplica seu patrimônio por 20 em 4 anos

Chefe da Casa Civil declarou bens de R$ 375 mil em 2006 e comprou apartamento de R$ 6,6 milhões no ano passado

Em novembro de 2010, pouco antes de assumir a Casa Civil do governo Dilma Rousseff, o ministro Antonio Palocci comprou, em São Paulo, um apartamento de luxo por R$ 6,6 milhões.

No ano anterior, ele já havia adquirido um escritório na cidade por R$ 882 mil, revelam Andreza Matais e José Ernesto Credendio.

Essas aquisições multiplicaram por 20 o patrimônio de R$ 375 mil que o petista declarou como candidato em 2006. Nos quatro anos como deputado federal, somou R$ 974 mil de salários.

Palocci multiplicou por 20 patrimônio em quatro anos

Chefe da Casa Civil comprou apartamento de R$ 6,6 milhões antes de assumir

Imóvel foi registrado em nome de empresa que ministro criou para dar consultoria quando era deputado federal

Andreza Matais e José Ernesto Credendio

BRASÍLIA - Semanas antes de assumir o cargo mais importante do governo Dilma Rousseff, o ministro Antonio Palocci (Casa Civil) comprou um apartamento de luxo em São Paulo por R$ 6,6 milhões.

Um ano antes, Palocci adquiriu um escritório na cidade por R$ 882 mil. Os dois imóveis foram comprados por uma empresa da qual ele possui 99,9% do capital.

Em 2006, quando se elegeu deputado federal, Palocci declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio estimado em R$ 375 mil, em valores corrigidos pela inflação. Ele tinha uma casa, um terreno e três carros, entre outros bens.

Com o apartamento e o escritório, Palocci multiplicou por 20 seu patrimônio nos quatro anos em que esteve na Câmara -período imediatamente posterior à sua passagem pelo Ministério da Fazenda, no governo Lula.

Nos quatro anos em que exerceu o mandato de deputado, Palocci recebeu em salários R$ 974 mil, brutos.

A quantia é insuficiente para pagar os dois imóveis que ele adquiriu. Os dois já foram quitados, de acordo com documentos aos quais a Folha teve acesso.

Procurado pela reportagem, Palocci disse que as compras foram feitas com recursos da sua empresa, a Projeto Administração de Imóveis. O ministro da Casa Civil não quis identificar seus clientes nem informou o faturamento da empresa.

Palocci abriu a Projeto com sua mulher, Margareth, no dia 21 de julho de 2006, duas semanas depois de encerrado o prazo que tinha para entregar sua relação de bens à Justiça Eleitoral. Por esse motivo, a empresa não apareceu na declaração.

CONSULTORIA

Segundo os registros da Junta Comercial, a Projeto foi criada como consultoria e virou administradora de imóveis dois dias antes de Palocci chegar à Casa Civil. O ministro disse que os dois imóveis que comprou são os únicos que a Projeto administra.

A empresa tem como sede o escritório que Palocci comprou antes do apartamento.

Ele foi adquirido em 11 de dezembro de 2009 e fica num prédio na região da avenida Paulista, uma das áreas mais valorizadas da capital.

O apartamento fica perto dali, nos Jardins, bairro nobre da zona sul. Ocupa um andar inteiro do edifício, tem quatro suítes e 502 metros quadrados de área útil, mais cinco vagas na garagem.

Palocci comprou o apartamento direto da construtora e pagou o imóvel em duas parcelas, uma de R$ 3,6 milhões e outra de R$ 3 milhões.

A propriedade foi registrada no nome de sua empresa em 16 de novembro de 2010.

Segundo vizinhos, Palocci mora atualmente no apartamento. Os moradores do prédio pagam taxa de condomínio de R$ 3.800 mensais.

"POUCOS BENS"

Ao assumir, todo ministro deve informar seus bens à Controladoria-Geral da União e ao Tribunal de Contas da União, além de autorizar o acesso às suas declarações de Imposto de Renda.

Palocci disse à Folha que encaminhou à Comissão de Ética da Presidência da República todas as informações sobre a Projeto e as propriedades que a empresa tem.

Na autobiografia "Sobre Formigas e Cigarras", lançada em 2007, Palocci se descreveu como um homem de "poucos bens" e manifestou "indignação" com "boatos" que circularam sobre suas finanças pessoais no passado.

Palocci deixou o cargo de ministro da Fazenda em março de 2006, depois de se envolver no escândalo da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, que trabalhou numa casa que Palocci frequentava com amigos e lobistas em Brasília.

Em 2006, o ministro vivia numa casa em Ribeirão Preto, no interior paulista. Em sua declaração à Justiça Eleitoral, ele estimou em R$ 56 mil o valor da casa, que ainda pertence a Palocci. Corretores da cidade calculam que o imóvel vale R$ 550 mil hoje.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

BNDES já liberou R$ 1,9 bi para Copa

Destinado aos estádios, valor é metade do previsto na carteira de financiamento para o evento; há casos de irregularidades e atraso

Mais da metade dos financiamentos programados pelo BNDES para reforma ou construção de estádios da Copa de 2014 já foi contratada, apesar de irregularidades em alguns projetos, informa Marta Salomon. Até agora, o BNDES assinou contratos para liberar R$ 1,9 bilhão dos R$ 3,7 bilhões previstos na carteira ProCopa Arenas. A assinatura dos contratos representa a conclusão da última fase de análise dos pedidos de financiamento. Mas, no caso dos financiamentos da Copa, alguns contratos foram assinados sob condição de saneamento de irregularidades. O BNDES informou que os interessados nos financiamentos têm de apresentar estudo de viabilidade econômica, “com foco na sustentabilidade financeira no longo prazo”.

Estádios já têm R$ 1,9 bi do BNDES

Repasse para arenas do Mundial é condicionado a solução de irregularidades nos projetos mostrados pelas cidades ao banco

Marta Salomon / BRASÍLIA

Mais da metade dos financiamentos programados pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para reforma ou construção de estádios da Copa do Mundo de 2014 já foi contratada, apesar de denúncias de irregularidades nos projetos.

A assinatura dos contratos representa a conclusão da última fase de análise dos pedidos de financiamento. Mas, no caso dos financiamentos da Copa, alguns foram assinados sob condição de saneamento de irregularidades.

Até agora, o banco público assinou contratos para liberar R$ 1,9 bilhão dos R$ 3,7 bilhões previstos na carteira de financiamentos batizada de ProCopa Arenas.

A Arena Amazônia, em Manaus, por exemplo, teve as obras iniciadas em julho do ano passado, com a demolição da estrutura de concreto do antigo estádio.

Na ocasião, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) constatou deficiências no projeto básico. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou problemas na licitação e preços acima dos de mercado.

O empréstimo foi aprovado, mas a liberação de dinheiro do BNDES para a obra está suspensa, informou o procurador Athayde Ribeiro Costa, que participa do grupo de trabalho do Ministério Público Federal (MPF) encarregado de acompanhar as obras da Copa. "O BNDES vem trabalhando em sintonia com a orientação do Ministério Público e, se houver irregularidade grave, vamos bloquear os repasses", disse Costa.

De acordo com o banco, trata-se de uma praxe nas operações impor condições para a liberação dos recursos.

O BNDES já fechou contrato para financiar quatro estádios da Copa - Cuiabá, Fortaleza, Recife e Salvador -, além da Arena Amazônia. A reforma do Maracanã já teve o financiamento de R$ 400 milhões aprovado, mas o contrato não foi assinado.

Os estádios de Natal e Belo Horizonte encontram-se em fase de análise pelo banco, que ainda não recebeu pedidos formais para financiar as arenas de Brasília, São Paulo e Curitiba, que ainda podem contar com empréstimos. Não há previsão de financiamento do BNDES para o Beira-Rio, de Porto Alegre.

Sem multa. Entre os estádios que já tiveram financiamento contratado, a Arena Pernambuco teria problemas na transferência de riscos financeiros e cambiais para o governo do Estado, segundo avaliação do Tribunal de Contas da União.

No caso da Arena das Dunas, de Natal, cujo financiamento de R$ 398,7 milhões está em análise no banco, o TCU recomendou que o empréstimo só seja concedido depois de resolvidas as irregularidades encontradas na contratação da Construtora OAS pelo governo do Rio Grande do Norte.

Por meio da assessoria, o BNDES informou que, na carteira do ProCopas Arenas, os interessados nos financiamentos têm de apresentar estudo de viabilidade econômica dos estádios, "com foco na sustentabilidade financeira no longo prazo e na solução de gestão"".

Ainda de acordo com o banco, a liberação da primeira parcela do crédito está condicionada à contratação de empresa independente para auditar a execução físico-financeira dos investimentos, entre outras condicionantes. Não há previsão de multa para eventuais atrasos nas obras. Mas o BNDES informa que, caso o objetivo do contrato não seja cumprido, pode suspender a operação de financiamento.

No rateio de responsabilidades pelos investimentos públicos bilionários na Copa, a carteira de empréstimos do banco destinados aos estádios só perde, em volume de dinheiro, para a Caixa Econômica Federal, os investimentos da Infraero (estatal responsável pelos aeroportos) e para a parcela de contrapartida dos governos estaduais.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Como conviver com a inflação

A alta mais acentuada do custo de vida nos últimos meses aperta os orçamentos, mas atinge de maneira diferente as famílias, dependendo do perfil de consumo de cada uma. Aprenda a calcular a inflação doméstica, para domar o dragão que mora em sua casa e impedir que ele engula todo o rendimento. É importante pôr no papel todas as despesas, cortar gastos e substituir mercadorias para não ser atropelado pelas contas do mês.

Ele está em casa

Escalada de preços afeta orçamento familiar e já exige adaptações por parte do consumidor. Colocar gastos no papel e calcular a inflação doméstica pode ajudar a não perder o controle

Marinella Castro e Zulmira Furbino

O encarecimento do custo de vida é sentido de forma imediata no orçamento doméstico. Mas perceber a inflação, que este ano vem apertando o bolso das famílias, nem sempre é simples para o consumidor, que, em tempos de pressão dos preços, tem a sensação que seus gastos galopam mais que os percentuais oficiais divulgados no país. Para saber exatamente em qual medida o dragão consome a renda, é preciso acompanhar os gastos na ponta do lápis. Com as anotações em mãos, cada grupo familiar pode montar o seu próprio Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é a inflação oficial do país, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE .

O IPCA avançou 0,77% em abril e, no acumulado do ano, a alta é de 3,23%. Especialistas acreditam que a inflação em 2011 deve fechar próxima ao teto da meta estipulada pelo Banco Central (BC) de 6,5%, maior que o índice apurado no ano passado, de 5,9%, e a mais forte elevação desde 2004.

Quando confere os preços no supermercado, ou no posto de gasolina, a impressão da administradora de empresas Jóia Lopes é que este ano a inflação do país já atingiu 20%, bem maior que os 3,23% apontados pelo IBGE. Isso porque a escola das duas crianças ficou 12% mais cara, o supermercado, incluindo o açougue, outros 20%. A elevação do salário mínimo reajustou o salário da babá e as viagens para a fazenda também encareceram, já que a gasolina avançou nos últimos 12 meses, contados a partir de abril, 11,68%, segundo o IBGE. Na ponta do lápis, a inflação da família de Jóia foi de 2,62% no último mês. O percentual é menos do que ela supunha, mas ainda assim, três vezes maior que a inflação do país, medida no mesmo período.

Para adequar o orçamento da família, que continua o mesmo diante da aceleração dos custos, Jóia faz substituições no cardápio e o lazer da família também ficou restrito às viagens no final de semana. “Tenho a sensação de que os preços estão subindo mais do que mostram os índices inflacionários. Em fevereiro, o lanche das crianças saía por R$ 3, hoje custa entre R$ 4,50 e R$ 5. Por isso, troquei o cardápio.” Ela também sentiu a aceleração no sacolão. “Para fugir da disparada de preços, compro frutas e verduras da época. Antes , comprava muito rabanete, mas o molho, que não dá para nada, está custando R$ 6. A alface americana também subiu de preço e já custa R$ 3. Passei a comprar couve ou repolho”, ensina.

Aperto no cinto O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) e também conselheiro do Conselho Federal de Economia, Roberto Piscitelli, diz que o momento é para apertar o cinto. Ele acredita que a inflação do ano fechará próxima ao teto da meta do BC (6,5%). Para o especialista, a criação de vagas deve perder o ritmo e o reajuste salarial, que no ano passado ficou acima da inflação para 88% das categorias profissionais, não deve se repetir este ano. “O crescimento da economia também deve ser menor, ficando entre 3,5% e 4%.” Para o professor, apesar de a inflação contar com alguns ingredientes para forçar a desaceleração dos preços, como a perda de ritmo das commodities que no início do ano, segundo índice da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), atingiram a maior alta em 21 anos, o momento é para o consumidor acompanhar bem os gastos. “Vale esperar para comprar o bem de consumo durável, optar por uma cesta mais barata, mudar de marcas.”

Antes mesmo de tomar conhecimento da perda de ritmo do crescimento econômico, a dona de casa Lilian Estevão vem tomando providências bem práticas. Com filhos de 7, 13 e 15 anos, Lilian tem que observar os gastos de perto para não extrapolar o orçamento mensal de R$ 600, que pode crescer um pouco dependendo de trabalhos extras do marido. “Em vez de quatro pacotes de arroz, estou levando dois. Já substituí os biscoitos e o açougue. Faço pesquisa em três supermercados diferentes, e roupa para os meninos, compro só uma ou no máximo duas vezes por ano”, revela. Para a dona de casa, a sensação é de que este ano os preços dobraram. “Antes, comprava muita coisa com R$ 200.”

A planilha mostra que os gastos da família de fato aceleraram, sendo que os principais vilões foram o gás de cozinha, a carne bovina e produtos de sacolão, além da conta de energia elétrica. A inflação da família no último mês ficou próxima a 1,4% , maior que o INPC, que mede a inflação das famílias entre um e seis salários mínimos, que atingiu em abril 0,72 ponto percentua l

FONTE: ESTADO DE MINAS

Brasília mais cara que Nova York ou Paris

Segundo os empresários locais, a culpa é da carga tributária, mas em tempo de economia aquecida e de alto poder aquisitivo, muitos jogam os preços para cima. Enquanto uma bolsa de luxo, por exemplo, custa R$ 2,3 mil na capital francesa, aqui ela sai por R$ 6 mil.

Brasília a preço de euro, libra, dólar...

Com a economia aquecida, lojistas aproveitam para ampliar as margens de lucro. Aliado aos altos impostos e à valorização do real, o fenômeno eleva preços de roupas e até de refeições a níveis semelhantes aos das cidades mais caras do mundo

Diego Amorim

A escalada dos preços em Brasília assusta e faz da capital do país uma cidade cada vez mais estigmatizada como um lugar caro. Produtos e serviços oferecidos por aqui, quando se faz a conversão da moeda, custam bem mais do que nas cidades mais caras do mundo, como Paris, Londres ou Nova York. A valorização do real ajuda a alargar essa diferença. Para voar de Brasília a São Paulo, por exemplo, é preciso desembolsar mais do que para fazer o trecho Londres-Paris. Um croissant em um famoso bistrô da cidade chega a valer cinco vezes mais do que na capital francesa, berço da iguaria. Brinquedos, perfumes, roupas, calçados: não faltam exemplos que ilustrem o fato de Brasília ter um custo de vida cada vez mais semelhante — e muitas vezes até superior — ao de uma cidade de primeiro mundo (veja mais exemplos no infográfico da página ao lado).

Para justificar as diferenças exorbitantes, empresários locais jogam a culpa principalmente no sistema tributário brasileiro. Especialistas, no entanto, alertam para o fato de que, diante do bom momento da economia e do alto poder aquisitivo dos moradores do Distrito Federal, muitos deles aproveitam para aumentar as margens de lucro com percentuais fora da realidade (leia Palavra de especialista). “Como o topo da pirâmide social é formado por ricos que estão cada vez mais ricos, o preço às vezes não faz muita diferença: quem paga R$ 1 mil paga R$ 2 mil”, define o economista e diretor de Gestão de Informações da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), Júlio Miragaya.

Em média, a produtora de moda Patrícia Vaz, 33 anos, vai ao exterior quatro vezes ao ano. Não são raras as vezes em que mais malas são necessárias para caber roupas, sapatos, perfumes, bolsas, carteiras, óculos... “Dou preferência para comprar lá fora porque a diferença de preços é gritante. Fica difícil acreditar que a culpa seja somente dos impostos”, afirma. Acostumado a viajar o mundo a trabalho, o publicitário Frank Andrew Rézio, 42, decidiu que só gastaria dinheiro em Brasília quando extremamente necessário. “Simplesmente não vale a pena comprar aqui. É uma diferença absurda. Não dá para entender, mesmo sabendo que os impostos são maiores”, afirma. Vestido dos pés à cabeça com artigos importados, ele conta que até remédios faz questão de comprar fora. “Pago 99 centavos de dólar em uma caixa com 100 aspirinas. Aqui, 20 comprimidos custam R$ 10.”

Êxodo

Quem viaja para fora do país volta com boas lembranças, fotos, suvenires para familiares e amigos e uma inquietação: por que os preços chegam a ser assustadoramente menores em relação ao Brasil? Nunca os brasilienses viajaram tanto para o exterior. Muitos têm programado viagens internacionais pelo menos uma vez ao ano. Moradores de Brasília só não vão mais ao exterior do que os paulistas, segundo as operadoras de turismo.

O consumo insano preocupa o governo, o comércio e instiga discussões sobre o sistema tributário brasileiro, os encargos trabalhistas, a qualificação da mão de obra e a margem de lucro aplicada pelos empresários. Este ano, a valorização do real aqueceu ainda mais as compras internacionais. De acordo com o Banco Central, os brasileiros gastaram, somente no primeiro trimestre, US$ 1.491,5 bilhão com turismo no exterior, 43% a mais do que no mesmo período do ano passado, quando o montante foi de US$ 1.037,30. Boa parte desse dinheiro é despejado em shoppings, outlets, bares e restaurantes.

A euforia no exterior começa a afetar os comerciantes locais, que se dizem vítimas da elevada carga tributária. Sem redução de impostos, sustentam, os preços continuarão desiguais. O presidente do Sindicato do Comércio Varejista do DF (Sindivarejista-DF), Antônio Augusto de Moraes, tem percebido nítida queda nas vendas de artigos importados na cidade. “Os brasilienses estão preferindo comprar for a”, reforça ele, recém-chegado de Nova Iorque e surpreso com os preços que encontrou por lá. “Realmente a diferença está cada vez maior. Não estamos conseguindo competir”, completa. Essa evasão de recursos tende a aumentar, na opinião do presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF (Fecomércio-DF), Adelmir Santana. “As lojas daqui estão perdendo clientes”, comenta.

Vencimentos

No último domingo, o Correio mostrou que, com base em números do Censo 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Brasília abriga uma população com rendimentos bem acima da média nacional. Em 19% dos domicílios, a renda familiar ultrapassa cinco salários: o percentual é o maior entre as unidades da Federação e supera em quatro vezes a média do país.

Os tributos

Confira a carga tributária de alguns produtos no Brasil:

Aparelho de MP3 - 49,45%
Bolsa - 39,95%
Brinquedos - 39,70%
Jeans - 38,53%
CDs - 37,88%
Cosméticos - 54,88%
Malas - 39,95%
Perfumes - 78,43%
Uísque - 61,22%
Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Estudo mostra onde a reforma agrária vinga

Humberto Trezzi

Ao revelar balanço do Incra sobre 25 anos de assentamentos, ZH retrata casos de colonos bem-sucedidos ao aproveitar a terra.

As receitas para um assentamento próspero

Zero Hora mostra como se constroem casos de reforma agrária bem-sucedida no país, com exemplos encontrados no interior do Estado

Meio século após virar bandeira de sucessivos governos, a reforma agrária no Brasil ainda está longe de ser uma maravilha. Quase a metade dos beneficiados – 42% deles – convive com estradas péssimas. A maioria conta com energia em períodos insuficientes ou sequer dispõe dela. São grandes entraves, mas eles não impedem que a situação dos assentados esteja muito melhor do que antes de ganharem seu quinhão de terra.

A maior parte dos colonos planta em terras férteis, conta com água em abundância e crédito. As benesses são ainda mais visíveis no Rio Grande do Sul, onde uma em cada três famílias assentadas possui carro, algo impensável há duas décadas – e onde a maioria tem renda familiar superior a cinco salários mínimos.

É o que mostra, em síntese, a pesquisa Avaliação da Qualidade dos Assentamentos, Produção e Renda, que acaba de ser elaborada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O levantamento, realizado em 2010, analisou 1.164 assentamentos brasileiros e traçou um retrato das 3,6 milhões de pessoas assentadas pelos programas de reforma agrária desde 1985 (embora os primeiros projetos do gênero datem do início da década de 60).

O estudo foi feito a partir de entrevistas com os agricultores e ainda não está totalmente concluído. Falta tabular dados relativos à produtividade – e o Incra não cogita confrontá-los com os de não assentados. O argumento é que as experiências desses dois tipos de produtores são incompatíveis, devido às diferenças de custo na aquisição e trato do solo, bem como origens diversas e dificuldades de quem se instala em região onde não está acostumado.

Um dos maiores especialistas brasileiros em agricultura familiar, o gaúcho Ivaldo Gehlen, professor de Sociologia Rural na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera inegáveis os impactos positivos gerados pela reforma agrária – mesmo que aquém do esperado e desejado.

Renda maior, mas insuficiente

Um exemplo é a renda, via de regra superior à anterior ao assentamento, porém insuficiente para que os assentados possam se enquadrar no que poderia se classificar como “classe média” em ascensão. Ele ressalta que os assentados também carecem de serviços de saúde e de lazer, além de exibir baixa qualificação e escolaridade.

– Me parece que isso evidencia algum nível de desleixo, dos assentados ou dos responsáveis pelos assentamentos. A reforma agrária cumpre papel relevante, mas nas perspectivas de produção, poder político e relação com o ambiente ainda se ressente de melhores resultados – conclui Gehlen.

FONTE: ZERO HORA (RS)

O PPS e o código florestal:: Anivaldo Miranda

A polêmica que explodiu no Congresso Nacional, na última quinta-feira, em torno da conturbada tentativa de votação de um novo Código Florestal, expôs mais uma vez as fragilidades de ordem programática e ideológica da Comissão Executiva, da bancada do PPS e, por extensão, do próprio partido e seu Diretório Nacional.Liberada para o voto em torno do tema, parte da bancada apoiou a pressão ruralista para votar o mais rápido possível as alterações no Código, enquanto outra parte, até onde pude me informar, apoiou o adiamento promovido pelos articuladores do governo em busca de um acordo que signifique menos retrocesso para a área ambiental.

A parte que apoiou a votação a qualquer custo, apresentou como justificativa para o seu posicionamento, através da palavra do líder, o fato do Governo ter quebrado acordo de lideranças e de não controlar sua base fisiológica, duas verdades de fato. Outras verdades, no entanto, bem como o mérito da questão, não foram levados em conta.

Tal comportamento é revelador de três questões importantes de fundo:

1. Que a bancada, a Comissão Executiva e, por extensão, razoável contingente do partido estão e continuam presos a uma visão maniqueísta de oposição;

2. Que no contexto da oposição a bancada e boa parte dos dirigentes – talvez a maior parte – não consegue entender a dialética da unidade e da diferença no campo da oposição;

3. Que à falta de uma identidade claramente definida e de um programa e uma visão estratégica nacionais, não consegue distinguir, em certas ocasiões decisivas, temas e embates de ordem conjuntural, daqueles temas e embates que são decisivos para o país e definidores do futuro da Nação e do povo brasileiros, independente de qualquer governo de plantão ou qualquer tática parlamentar habitual, por mais plausível que seja.

Nosso Diretório Nacional, nossa Comissão Executiva e nossa bancada parlamentar nunca discutiram na amplitude e profundidade que o assunto requer, a questão do Código Florestal. No que diz respeito à bancada, exceção se faça ao deputado Moreira Mendes que desde cedo explicitou a defesa aberta das teses do ruralismo conservador e atrasado, muito embora considere eu que seu ideário está cosmicamente distante daquilo que define a essência do PPS.

Como resultado dessa postura, e diferentemente do que está acontecendo na batalha pela reforma política, onde estamos nos conduzindo bem, priorizamos na última quarta e quinta-feiras o desejo de infligir uma pontual derrota parlamentar ao governo de quem somos oposição, em detrimento de uma posição clara e afirmativa em defesa da legislação ambiental brasileira naquilo que diz respeito a algumas políticas públicas que são de interesse absolutamente estratégico para o equilíbrio climático, a biodiversidade, a saúde dos recursos hídricos e a possibilidade de fazer a transição para uma nova economia sustentável, compatível com a era pós-carbono já em marcha internacionalmente.

Nossa miséria ideológica nos faz, assim, subalternos à liderança do DEM e de setores conservadores da oposição e da própria base do governo, tudo em nome de uma, sob todos os aspectos discutível, solidariedade oposicionista em questão onde a contradição governoXoposição é inteiramente secundária, porque o principal, aquilo que efetivamente define o mérito, a essência da questão, é o retrocesso absurdo que a agricultura e pecuária extensivas, subsidiadas, em boa escala de baixa produtividade, misturadas à grilagem das terras amazônicas e à lógica dos cartéis de exportação de commodities baratas querem impor ao país.

E nos faz subalternos também à visão ultrapassada de Aldo Rabelo que, ainda refém do nacionalismo das décadas de 1940 e 1950 – que à época tinha inegáveis virtudes – transformou-se no ícone do ruralismo atrasado e concentrador de renda, porque imagina que a maneira mais eficiente de defender a Amazônia de uma imaginária invasão de potências estrangeiras é liquidar com sua biodiversidade e continuar ocupando-a nos mesmos moldes agrícolas conservadores implementados desastrosamente pela Ditadura Militar.

A biodiversidade brasileira será em pouquíssimas décadas, talvez apenas anos, o mais valioso ativo comercial, científico, ambiental do planeta. No mundo multipolar, digitalmente conectado, densamente povoado, tecnologicamente revolucionário e globalizado que começamos a viver, a verdadeira defesa da Amazônia deverá ser feita através do alto compromisso moral de preservá-la e conservá-la propositivamente, com exércitos de pesquisadores, com manejo florestal avançado e responsável, com ciência, tecnologia, comunitarismo, inclusão social, agricultura intensiva, cooperação e integração sustentável com sua população e as atividades produtivas existentes e potencialmente possíveis.

Um partido que se propõe a protagonista da história, como é o caso do PPS, não pode hesitar quando a batalha que se apresenta é entre atraso e modernidade e não, essencialmente, entre o bloco do governo e o bloco da oposição.

Na votação do Código Florestal o próprio Governo e sua base estarão fragmentados. E mais: boa parte do esforço do Governo para barrar a ofensiva ruralista na mutilação do Código é muito mais fruto dos compromissos internacionais do Brasil na área ambiental, do que propriamente uma convicção firme– que aliás Dilma e a maioria do PT nunca tiveram – em torno da manutenção das conquistas da legislação ambiental no rumo da sustentabilidade.

O PPS e sua bancada não devem, portanto, vacilar nesta questão porque as trapalhadas ou incoerências do Governo nunca serão motivo justo para deixar o nosso partido na rabeira de uma batalha que nós temos o dever de ser vanguarda e não uma retaguarda míope e influenciável ao sabor das conjunturas.

Anivaldo Miranda é jornalista, membro do Fórum de Defesa Ambiental, membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e membro da direção nacional do PPS

Obama por Osama:: Merval Pereira

Trocar os nomes Obama e Osama nos noticiários, especialmente no rádio e na televisão, tornou-se tão comum ao redor do mundo — eu não fugi à regra e várias vezes tive que ser alertado por um bem-humorado Carlos Alberto Sardenberg na CBN — que passou a ser motivo de investigação jornalística.

O blog de notícias Salon, dos Estados Unidos, ouviu linguistas e estudiosos da comunicação para tentar entender o que se passa. Eu fui ouvir uma neurocientista e um psicanalista, e a dúvida persiste: é um erro mecânico de linguagem ou um ato falho que quer dizer alguma coisa? A explicação mais comum é a mecânica. Adam Buchwald, professor assistente de ciências comunicativas da Universidade de Nova York (NYU), lembra que, quanto mais similares ou relacionadas são duas palavras, mais provável é que sejam substituídas uma pela outra. Asimilaridade pode ser baseada no som (fonológica) ou no sentido (semântica). Matt Goldrick, professor associado de linguística da Universidade Northwestern, diz que Osama-Obama é a “tempestade perfeita” para um processo mental de recuperação. Quando recordamos os sons das palavras, inconscientemente lembramos outras que têm o som similar. O fato de os dois serem figuras políticas importantes, cada qual à sua maneira, também contribuiria para o erro, diz ele.

Harriet Klein, também especialista da NYU, inclui um aspecto psicológico na questão, que seria o seguinte: trocar Osama por Obama tem uma explicação fisiológica, que é a antecipação do “B” de Bin Laden, transformando o“S” em um “B”, que inclusive é um som menos complexo do que o “S”. Já trocar Obama por Osama teria um caráter derrogatório. A neurocientista brasileira Lúcia Willadino Braga, presidente e diretora executiva da Associação das Pioneiras Sociais e coordenadora do CentroInternacional de Neurorreabilitação e Neurociências da Rede Sarah, no Rio de Janeiro, considerada uma das maiores especialistas do mundo, diz que essa troca é perfeitamente explicável pela neurociência e tem origem nas conexões neuronais.

“Os efeitos do estresse no cérebro são exatamente desse tipo”, diz ela, explicando que existe no cérebro uma rede neuronal de leitura e escrita que se interliga com arede de linguagem do ponto de vista semântico, fonológico e mesmo ortográfico.

“Quando a pessoa está sob estresse, as conexões cerebrais são afetadas, e aumenta a probabilidade de trocas, nesse caso, a questão ortográfica (s ou b) eventualmente pode não ser acionada.” A doutora Lúcia Braga lembra que no Brasil, frequentemente, vemos a troca dos nomes “Cleusa” e “Creusa”, entreoutros, que são menos similares que “Osama” e “Obama”, “que, além da troca de uma só letra (na questão ortográfica), começam e terminam com o mesmo som (a questão fonética), dobrando a probabilidade de troca, pois já permite outro tipo de falha nas conexões cerebrais em outra região do hemisfério esquer-do, responsável pela fonética da linguagem.” Além do mais, lembra Lúcia Braga, existem áreas cerebrais responsáveis por associações, e Obama e Osama são nomes que pertencem a um mesmo contexto, conhecidos por todos no cenário internacional. “Assim, a probabilidade de associação e troca aumenta ainda mais.” Os jornalistas em geral trabalham sob a pressão do tempo, o estresse, o que favorece esse tipo de falha, ressalta. “Pensando do ponto de vista da neurociência, aprobabilidade de um jornalista fazer essa troca é altíssima. Eu nunca havia parado para pensar nisso,mas na verdade um jornalista na frente da TV ou no rádio deve fazer um esforço cerebral importante para evitar essa troca, éuma tarefa difícil para océrebro em estresse. Imagino que esses erros aconteçam principalmente por jornalistas em situação de estresse, mas podem acontecer ,com menos frequência, também com outras pessoas.”

Joel Birman, psicanalista, doutor em Filosofia pela USP e professor do Instituto de Psicologia da UFRJ e do Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj, com pós-doutorado em Paris, acha que a razão básica para as trocas é o popular “ato falho”, identificado por Freud como “lapso”, quando oin- consciente se manifesta explorando as possibilidades de enganos mecânicos que a língua favorece. Para ele, aexplicação de que são dois líderes políticos com nomes semelhantes já sai do campo mecânico e entra no campo semântico, a identidade funcional ligada ao poder político. Já o estresse coloca uma participação psíquica no caso. “Eu acho que as explicações não mecânicas entram no campo do lapso, a troca de uma letra de maneira inesperada dá uma dimensão política ao fato”. Joel Birman vai mais além e vê diferenças entre o lapso interno e o acontecido fora da sociedade americana. “No caso europeu, acho que o lapso tem o significado de relacionar Obama com um ato terrorista.”

Birman ressalta que nos Estados Unidos já havia uma tentativa de fazer ironia com a troca das letras para ressaltar que Barack Hussein Obama não seria confiável, pelo “fato de ele ter um sobrenome de origem supostamente muçulmana, no contexto de um quadro político em que, uma semana antes (da morte de Bin Laden), ele fora obrigado a apresentar sua certidão de nascimento para provar que não era muçulmano”. O fato de ter havido uma repetição do erro em diversos países, em vez de banalizar o erro, reforça, para Joel Birman, a tese do lapso.

“Freud, quando falava do lapso, falava exatamente dessa dimensão aparentemente mecânica que é a justificativa habitual de quem comete o lapso.Mas o que é mais significativo é que, ao trocar uma letra, troca-se um contexto todo.”

FONTE: O GLOBO

Supremacia:: Dora Kramer

O governo já conseguiu fazer com que o valor do salário mínimo seja estabelecido anualmente por decreto, pondo fim ao debate de todos os anos no Congresso.

Agora, na proposta do novo Código Florestal, quer estabelecer que as permissões de plantio em área de preservação permanente nas margens dos rios sejam também decididas por decreto.

Para as obras necessárias à realização da Copa o Mundo de 2014, tenta aprovar uma legislação específica para fugir dos rigores da Lei de Licitações, alegando urgência depois de ter tido quatro anos desde a indicação do Brasil para dar início aos trabalhos pelo processo normal.

O controle dito "social" dos meios de comunicação só poderá ser considerado fora da agenda, como prometeu a presidente Dilma Rousseff, depois de divulgado o texto do projeto de regulação em exame no Ministério das Comunicações.

Já cooptou os movimentos sociais, desmontou a autonomia das agências reguladoras, manda na maioria dos partidos (cuidadosamente desmoralizados), influencia na redistribuição de forças dissidentes do campo adversário, estimula as lideranças que lhe parecem mais convenientes na oposição, trabalha para adaptar a reforma política aos seus interesses (por que Lula cuidaria pessoalmente do assunto?) e por aí vão os exemplos.

São fatos, não visões de fantasmas ao meio-dia.

O governo caminha, devagar e no uso dos instrumentos disponíveis na democracia, para conquistar o controle das instituições construindo uma hegemonia político, social, legislativa, cultural e mais o que puder açambarcar até consolidar-se na posição de suprema instância de decisão.

Faz isso nas barbas de uma sociedade inerte e de uma oposição cúmplice que parecem ter dificuldades para decodificar sinais e ligar os pontos.

O avanço do Executivo sobre as instituições é esperto, pois não se dá a partir de um projeto explícita e assumidamente autoritário: acontece de maneira sub-reptícia, por meio de movimentos isolados que, no entanto, têm sempre como pano de fundo o objetivo da dominação, da prevalência absoluta de uma força política sobre as demais.

A aparência é democrática, mas a intenção é francamente impositiva, considerando-se que não se vê um só gesto plural, que aceite o contraditório como algo natural. Só o pensamento alinhado ao governismo é tido como democrático e a divergência, tachada de antipatriótica, "perdedora", indigna de atenção.

O raciocínio segundo o qual quem ganhou as eleições é quem tem razão está disseminado em todos os setores: na política, no mundo dos negócios, na sociedade e, um pouco menos, também na imprensa.

A discussão e as tentativas de votação do novo Código Florestal encerram demonstrações de sobra a respeito do acima exposto: o governo não tem maioria para aprovar o ponto que para ele é crucial - o poder de mando discricionário sobre as áreas de proteção - e, no lugar de compor, procura impor. É a lógica de sua atuação.

Não há crise na base. O que existe são interesses conflitantes que permeiam todas as bancadas no tema específico do uso produtivo da terra e da preservação ambiental.

O impasse se dá justamente porque o governo não administra divergências. Simplesmente quer vê-las extintas.

Mal parado. Em um ambiente que se pretendesse decente, a acusação do deputado Aldo Rebelo ao marido da ex-senadora Marina Silva - "contrabandista de madeira" -, seguida da confissão de que como líder do governo ajudou a abafar o caso, não poderia terminar com o dito pelo não dito.

Mas, como a conjuntura não se pretende decente, prevalecerá o deixa-disso.

Resumo da ópera. Em entrevista ao jornal Valor, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, resumiu no que consiste o poder de atração do PSD: "O conjunto de forças que sempre esteve no governo, ao cabo de oito anos fora dele, resolveu mudar para ser o que sempre foi: base de governo".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Nordeste cresce e aparece:: Eliane Cantanhêde

A Telecom Italia fechou as portas na Alemanha, na Espanha e na Turquia, assim como no Chile, na Venezuela, no Peru, na Bolívia e em Cuba. Mas, em vez de sair ou de reduzir seus negócios no Brasil, só faz aumentá-los. Com um detalhe: 40% dos novos investimentos até 2013, de R$ 8,5 bi, vão para Norte e Nordeste.

Não é um fato isolado. Há meio século, Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília no Planalto Central pensando na integração física, política e econômica do país. O Nordeste, porém, manteve os estigmas, o flagelo da seca e os paus-de-arara rumo ao "sul maravilha".

Isso está mudando. Norte e Nordeste não escapam do ciclo virtuoso nacional de quase 20 anos. Com taxas de crescimento superiores à média, tornam-se mercados apetitosos e atraem investimentos.

A impressão é que o mundo está descobrindo um Brasil para além de Rio e São Paulo e mirando o Nordeste. Quem conversar com um, dois, três embaixadores, se prepare. Todos vão comentar o crescimento sobretudo nordestino e fazer mil e uma perguntas sobre a região.

O da Itália acaba de voltar do Pará e do Maranhão. O da Coreia do Sul, de uma maratona com empresários do seu país ao Nordeste. E, segundo o da Alemanha, boa parte dos 60 executivos que vieram com o presidente Christian Wulff tinham como foco projetos de infraestrutura no Nordeste.

Além disso, a Embaixada dos EUA teve ação decisiva para a abertura de voos entre capitais nordestinas e norte-americanas. E não só por causa do trânsito de turistas.

Se algum desavisado chegar a Fortaleza, Recife, João Pessoa... pode repetir o vexame de Lula na Namíbia: "Tão limpinho, nem parece o Brasil!". Isso é só um reflexo.

Atacada a desigualdade regional, é hora de aprofundar o combate estruturante à desigualdade social. Esta continua uma vergonha, não do Norte e do Nordeste, mas nacional. A luta continua!

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Inimigo astuto:: Míriam Leitão

A inflação temrazões que o governo desconhece. Nos próximos meses as autoridades vão comemorar o bomresultado da taxamensal. Ela vai cair, e o governo cantará vitória na sua briga de diagnósticos travada comos analistas.Mas o risco não diminuirá, porque a inflação em 12 meses em alta vai continuar elevando o grau de indexação da economia e há muitos riscos pela frente.

A taxa subiu porque era entressafra. Isso é apenas uma das causas. A safra agora derrubará o número nosso de cada mês comparado ao mês anterior. Em 12 meses, oíndice vai caminhar para 7% e quando a taxa estiver no pico ocorrerão as grandes negociações salariais. Os empresários precisando de mão de obra qualificada deve ceder e depois repassar aos preços. O aperto do crédito feito até agora não foi suficiente, e o consumidor aceitará pagar mais porque está se endividando com facilidade. O maior risco virá no começo do ano que vem, quando entrar em vigor o salário mínimo com a nova fórmula de reajuste indexada ao crescimento de dois anos antes e a inflação do ano anterior.

Essa fórmula foi um erro que revelou ograu de desconhecimento que o atual governo tem da natureza complexa da inflação brasileira. O Plano Real conseguiu desindexar em grande parte aeconomia, mas permaneceram resquícios que ficam fortalecidos quando há um conjunto de ingredientes como o que o Brasil está vivendo neste momento: o governo gastou demais no ano passado e ainda não fez o ajuste, a demanda continua forte, o diagnóstico que ogoverno faz do problema é parcial, as declarações lembram tempos passados, preços como os de energia elétrica sobem conforme a inflação passada, os formadores de preços não sabem como será o amanhã. Em contexto assim, a tendência é cada agente econômico garantir que seu preço não perca da inflação. E há ainda o perigo do impacto do aumento do salário mínimo de 14% no início de 2012.

O Banco Central admite os problemas atuais, mas diz que no final do ano que vem o país estará com a inflação no centro dameta. Ainda não explicou como pulará o obstáculo criado pelo salário mínimo na fórmula superindexada pelo governo. O reajuste produzirá um choque de custos nas contas públicas e no setor de serviços, cuja taxa está há muito tempo acima de 8%. No combustível, ogoverno escalou uma empresa pública para forçar um preço para baixo. Isso é mais um sinal que revela como se flerta atualmente com as velhas práticas de controle da inflação que pareciam enterradas após 1994. O álcool está emqueda porque a safra começou a ser colhida e a cana, moída.

Não precisava de mais uma demonstração de interferência estatal na economia de mercado, com o governo mandando aBR forçar a queda. A inflação de combustível está sendo tratada com instrumental velho: intervenção estatal, controle, subsídios. A escolha mostra que ogoverno não tem visão sistêmica do problema. Acotação do petróleo oscila,mas permanecerá, segundo a Agência Internacional de Energia, na faixa de US$ 110 o barril. O preço que a Petrobras fornece às distribuidoras éo mesmo que cobrava quando o petróleo estava em US$ 60. O congelamento éum subsídio e estímulo ao consumo de um produto que oBrasil está importando, e a estatal vive a estranha situação de pagar mais pela gasolina importada do que cobra das empresas que distribuem.

E o governo já avisou que se precisar subsidiará mais ainda retirando oimposto dos combustíveis. Com truques, intervenções, artificialismos e subsídios ogoverno tenta reduzir ainflação de combustíveis. Como ele é um preço importante nos índices, essa ação ajudará a baixar a taxa mensal, mas não impedirá que em 12 meses o índice continue asubir , porque no ano passado a inflação foi zero em junho, julho e agosto. Quando os números do ano passado saírem da conta e entrarem os de 2011 a taxa continuará na altura dos 7%.

A inflação se combate com coerência na política econômica, controle de gastos públicos, competição nos mercados evisão estratégica. Tudo isso está em falta. O governo decidiu fechar o mercado de automóveis porque está em briga comercial com a Argentina. Isso recria a reserva de mercado para os produtores locais de automóveis. Como a importação estava crescendo a 40%, e no ano passado o déficit comercial do setor foi US$ 6 bilhões, parece a solução perfeita. O mercado fechado, a demanda aquecida, o crédito ainda farto aumentará a demanda por carros nacionais. Ainda mais porque as montadoras japonesas ainda enfrentam falta de peças. O cenário é perfeito para os metalúrgicos pediram grandes aumentos de salários e as montadoras concordarem para repassar o custo das bondades ao consumidor . Uma velha coalizão inflacionária vai se formar com uma ajudinha do governo.

Os gastos públicos serão mais altos este ano do que em 2010, quando subiram de forma exorbitante por razões eleitorais.Ogoverno pensa que engana quandocorta no orçamento, mas se endivida para dar mais dinheiroao BNDES. O dinheiro vira crédito barato para empresas escolhidas, mas não entra na conta do resultado primário nem na dívida líquida. Parece não existir, mas a economia não se deixa enganar.Passei a maior parte dos meus mais de 30 anos de jornalismo econômico tentando entender a lógica dos vários tentáculos desse velho inimigo. Sei da astúcia da inflação brasileira em encontrar mecanismos de autoreprodução. Aprendi que a inflação tem razões múltiplas. Todas as causas têm que estar no campo de visão das autoridades. O maior risco é subestimar os riscos.

FONTE: O GLOBO

A volta da igualdade:: Rubens Ricupero

O debate político sobre a igualdade está se reatualizando em quase toda a parte menos no Brasil. A causa principal é a perversidade da crise financeira. Desde 1980, com a cumplicidade dos governos Reagan e Thatcher, os financistas elevaram a desigualdade a níveis estratosféricos nos EUA e na Inglaterra.

Quando a crise desabou, os banqueiros saíram mais ricos do que nunca e cobraram das vítimas a conta da destruição.

Não admira que, abandonadas pelos governos que deveriam defendê-las, as massas desempregadas e empobrecidas engrossem a direita delirante nos Estados Unidos e xenófoba na Europa.

Talvez o único efeito benéfico dessa colossal injustiça seja o renascimento do debate sobre a igualdade. Livros e estudos originais alimentam a discussão e fornecem base para arrependimentos que se multiplicam entre os socialistas europeus. O exemplo mais espetacular foi o do New Labour, de Tony Blair, que acaba de suprimir o New do seu endereço eletrônico.

Repudia, desse modo, a indiferença diante da desigualdade, uma das marcas da chamada "revolução" de Blair. Um dos coautores do manifesto ideológico do então líder trabalhista chegou a declarar em 1998 que o partido se sentia à vontade com a ideia de que alguns sejam imundamente ("filthy") ricos, desde que paguem impostos!

Na tentativa de reencontrar o compasso moral e readquirir a razão de existir, os partidos progressistas passaram a tomar a sério a possibilidade de recuperar a paixão pela igualdade. Apanágio dos escandinavos e mito criador, essa paixão, e somente ela, poderá restituir às sociedades ocidentais o senso dos valores afogado no naufrágio das finanças globais.

Tenciono examinar em alguns artigos as obras que merecem divulgação entre nós, mas antes gostaria de registrar a estranha ausência de tendência similar no Brasil. Não é que nos tenhamos tornado alheios à desigualdade brasileira que tanto nos angustiou e envergonhou até data recente.

O motivo será até de boa índole: estonteados pela glorificação dos incipientes resultados colhidos na redução da pobreza e da desigualdade, muitos são levados a crer que o problema está resolvido ou em vias de solução.

Cabe, portanto, precisar melhor as coisas. Os ganhos são reais, significativos e visíveis: redução da pobreza absoluta de 34% e da extrema em 50% em menos de 15 anos.

O problema é que se parte de tão baixo -o critério da pobreza absoluta é menos da metade do salário mínimo e o da extrema, menos de um quarto- que as conquistas são muito insuficientes. O mesmo ocorre com a desigualdade, com declínio médio anual de 1,2%, o que coloca o Brasil entre os 16 países de maior redução. Nesse ritmo, no entanto, levaremos mais de 25 anos para chegar ao índice dos americanos!

No aniversário da Abolição não se pode deixar de sentir alegria com a notícia de que os autodeclarados pretos avançaram 43% na renda e os pardos 48,5% na década passada, contra 20% dos brancos, segundo o estudo "Desigualdade de Renda na Década" da FGV (fgv.br/ cps/dd).

Não é razão, porém, para alimentar a autocomplacência, pois muito resta a fazer como indica o debate mundial que pretendo cobrir nesta série.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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PSDB quer candidatura própria no Rio

Expectativa do partido é recuperar a relevância que teve no Estado na época do governador Marcello Alencar

Presidente estadual diz que o desafio da sigla será atrair a parcela da população insatisfeita com a gestão de Cabral

Rodrigo Rötzsch

RIO - Depois de perder representatividade no Congresso Nacional, na Assembleia Legislativa, nas prefeituras e câmaras municipais entre 1994 e 2010, o PSDB decidiu que o caminho para a recuperação passa por uma candidatura própria à Prefeitura do Rio no ano que vem.

Apesar de viver uma crise em São Paulo, o partido detém a hegemonia no poder do maior Estado do país. Nacionalmente, discute o melhor modelo de oposição, mas não vê ameaçada sua posição de polo anti-PT.

No Rio, no entanto, terceiro maior colégio eleitoral do país, o partido está muitas casas atrás: luta para recuperar a relevância que teve na época do ex-governador Marcello Alencar (1995-1998).

O preferido da direção do partido para concorrer à prefeitura é o deputado federal Otávio Leite, 49, nono mais votado na cidade do Rio nas últimas eleições. A vereadora Andréa Gouvêa Vieira, 11ª mais votada em 2008, também pleiteia a candidatura.

Embora defenda a candidatura de Leite, o próprio presidente estadual do PSDB, Luiz Paulo Corrêa, se mostra cético quanto às possibilidades de vitória.

"Quanto maior o número de candidatos, melhor, para levarmos as eleições para o segundo turno. Aí, no segundo turno, quem for discute as alianças", afirmou.

Nas últimas eleições na cidade e no Estado, o PSDB apostou na aliança com Fernando Gabeira (PV). Ironicamente, ele acabou derrotado por dois ex-tucanos -Eduardo Paes, na disputa pela prefeitura, e Sérgio Cabral, na corrida pelo governo. Ambos estão hoje no PMDB.

Corrêa vê a cooptação de quadros do PSDB pelo PMDB como parte da "mexicanização" da política do Estado -numa referência à hegemonia de 71 anos na política do México do PRI (Partido Revolucionário Institucional), encerrada em 2000.

"Tentam se perpetuar no poder, botar todos os partidos no mesmo barco e aniquilar a oposição", diz.

Para ele, o desafio do PSDB-RJ é conseguir capitalizar a insatisfação de grande parte da sociedade com o domínio do grupo de Cabral.

"O caminho é cada vez mais tentar adquirir quadros novos da sociedade. Pessoas que não concordem com esse projeto de perpetuação do poder que está se desenvolvendo no Estado. Um volume imenso de pessoas está discordando desse projeto. Cabe a nós tentar catalisar essas posições", afirma Corrêa.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Rebeldes do PMDB se unem para tomar o poder de Sarney e Renan

Christiane Samarco / BRASÍLIA

Antes reduzida a três rebeldes geralmente ignorados pela cúpula do PMDB no Senado - Jarbas Vasconcelos (PE), Pedro Simon (RS) e Mão Santa (PI), que não foi reeleito -, a bancada dos contrariados da sigla ganhou adeptos com a posse do novo Congresso e não parou de crescer. Ela se amplia a cada dia, por conta de questões regionais e dos problemas na relação com o governo e com o PT, embora o alvo principal seja a cúpula do Senado.

Hoje, os insatisfeitos e independentes são majoritários no PMDB. Somam uma dezena entre os 18 senadores peemedebistas, o que pode complicar a vida do Palácio do Planalto, mesmo estando a mira voltada para a dupla que comanda a Casa e a liderança do partido: José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL). A atuação desse grupo deve ficar mais clara a partir da votação do Código Florestal, que terá como relator no Senado o independente Luiz Henrique da Silveira (SC).

Luiz Henrique fez questão de mostrar a que veio logo na chegada, sinalizando que daria trabalho a Sarney. Na segunda semana de mandato, ele organizou uma reunião dos velhos companheiros de MDB que já vinham manifestando desconforto com a crise ética que desgastara a imagem do Senado e a liderança política de Renan e Sarney.

Participaram desse primeiro encontro outros quatro senadores "históricos" do PMDB: Pedro Simon (RS), Jarbas Vasconcelos (PE), Roberto Requião (PR) e Casildo Maldaner (SC), que segue a liderança de Luiz Henrique no Estado. Começaram aí as críticas à dupla e os planos de reunir uma frente para tomar-lhes o poder no partido.

Reação. Para tentar abortar esse movimento, a Comissão Executiva nacional do partido reagiu. Menos de um mês depois da reunião dos históricos, prorrogou por mais 12 meses os mandatos das atuais direções nacional e estaduais, que venceria no fim do ano. O grupo dos contrariados acusou o golpe. Os atuais dirigentes é que vão comandar as eleições municipais em 2012, o que está sendo interpretado por eles como uma forma de garantir o atrelamento do PMDB ao PT.

A frase síntese das queixas dos contrariados é de que, na bancada do peemedebista, são 14 senadores trabalhando para apenas quatro. A ironia faz referência ao quarteto que detém os postos de poder: o senador Valdir Raupp (RO), que assumiu a presidência do partido, e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), além de Renan e Sarney.

Isto ficou claro no enfrentamento direto entre o senador Eduardo Braga (AM) e Renan, em reunião da bancada. "Quero saber por que só o senhor e o Sarney têm tudo aqui na bancada", questionou o amazonense, que já vinha reclamando nos bastidores que não serviria de massa de manobra para as reivindicações da dupla junto ao governo.

A temperatura voltou a subir na última reunião da Mesa Diretora, na semana passada, quando Eunício Oliveira (CE) reclamou da falta de uma sala para receber as autoridades que são sabatinadas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por ele. "Então o senhor vai reclamar ao Niemeyer", sugeriu Sarney, ao que Eunício retrucou: "Sou seu eleitor e me sinto no direito de cobrar isto do presidente do Senado".

Para complicar mais a vida de Sarney, o relator do projeto de reforma administrativa do Senado também é um dos contrariados com os desmandos na Casa. Sarney foi contra, mas a CCJ criou uma subcomissão especial para tratar da reforma e Ricardo Ferraço (PMDB-ES) foi escalado para relatar a proposta.

Perda de poder. Além disso, os principais líderes do PMDB avaliam que o partido só perdeu poder para o PT no governo Dilma. A composição entre as duas legendas na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) - vendida na base aliada como solução para pacificar a relação desgastada entre o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (RN), e o ministro da Saúde, o petista Alexandre Padilha - não agradou a bancada.

No sistema elétrico, que sempre foi tido como feudo do PMDB, a situação também não é boa. Primeiro, perderam a presidência da Eletrobrás. Depois, o comando de Furnas Centrais Elétricas. Apesar dos apelos para acolher ali o candidato derrotado ao governo de Minas, Hélio Costa, Dilma fez questão de escolher o técnico Flávio Decat.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PSDB nacional age para evitar nova crise

Entre os 213 delegados tucanos que elegerão a Executiva no final deste mês estão representantes ligados a Aécio, Serra e Alckmin

Julia Duailibi

Discretamente, o PSDB começou a costurar a composição da nova direção nacional do partido com o objetivo de evitar que o embate entre serristas e aecistas, atualmente silencioso, cresça a ponto de se tornar um racha, a exemplo da disputa entre os tucanos paulistanos há cerca de um mês.

Na semana passada, sem alarde, o PSDB fechou uma chapa única para concorrer ao diretório nacional, na qual foram contemplados os grupos ligados ao senador Aécio Neves (MG), ao ex-governador José Serra (SP) e ao governador Geraldo Alckmin (SP). Os 213 nomes escolhidos elegerão na convenção nacional, no dia 28, em Brasília, os 23 tucanos da Executiva, a nata do partido responsável por conduzir a eleição presidencial de 2014.

Na tentativa de evitar polêmicas e inflamar a disputa interna, as conversas, que se arrastam há mais de um mês, têm ocorrido discretamente na ponte aérea São Paulo-Brasília. O presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), que será reconduzido, encontrou-se neste período com Alckmin e emissários de Serra. Semana passada, esteve com o ex-governador no Congresso.

Apesar do consenso na composição do diretório nacional, ainda não há acordo na formação da Executiva, principalmente na indicação para um dos postos mais cobiçados da hierarquia partidária, a secretaria-geral - foi justamente a disputa por este cargo nas estruturas do PSDB estadual e municipal que alimentou a discórdia entre os grupos tucanos em São Paulo e resultou na saída de seis vereadores paulistanos.

A ala do partido ligada a Aécio, que trabalha para ser o candidato do PSDB à Presidência em 2014, quer reconduzir o deputado mineiro Rodrigo de Castro na secretaria-geral. Há, no entanto, resistência dos tucanos paulistas, que veem com bons olhos a indicação de alguém mais próximo de Serra. Um dos cotados é o ex-governador Alberto Goldman, sucessor do tucano no governo de São Paulo em 2010.

Do lado mineiro, há a tese de que 70% da Executiva deve ser reconduzida. "Acredito que nós teremos apenas uma chapa, aliás para o diretório já é uma chapa. Vamos ter apenas uma Executiva, vamos fazer uma grande festa e iniciar um novo ciclo onde o partido tenha como prioridade se comunicar com a sociedade", comentou Aécio sobre a convenção nacional na sexta-feira.

Para tucanos ligados a Serra, a candidatura de Guerra ficou associada a Aécio, daí a necessidade de um "reequilíbrio" na Executiva. Em fevereiro, parlamentares próximos ao mineiro promoveram abaixo-assinado defendendo a reeleição do deputado, articulação interpretada por serristas como um golpe.

No entender deles, naquele momento, Serra ainda poderia pleitear a presidência do PSDB, assim como ocorreu após a derrota na eleição de 2002. Um ano depois, o ex-governador assumiu o comando do PSDB.

Uma Executiva "equilibrada", na visão dos paulistas, passaria por uma mudança na secretaria-geral, responsável por tocar o dia a dia do partido. Também é bem vista a manutenção do atual tesoureiro, Márcio Fortes, que trabalhou na arrecadação de recursos da campanha de Serra.

Com a definição dos 213 nomes do novo diretório nacional, os tucanos conseguiram fechar uma chapa única. Foram mantidos os números dos delegados de São Paulo (44) e de Minas (23). Houve mudanças em alguns outros Estados, como Maranhão e Pará, que ganharam mais delegados por terem eleito mais um deputado federal e um governador, respectivamente.

Integrantes. Também devem entrar na Executiva tucanos que perderam a eleição de 2010. O ex-senador Tasso Jereissati (CE), por exemplo, é cotado para dirigir o Instituto Teotônio Vilela (IT V). O ex-deputado Gustavo Fruet, derrotado na disputa pelo Senado, também deve fazer parte da nova cúpula. Sem espaço no PSDB do Paraná, Fruet já foi convidado a trocar o partido por legendas da base governista.

O ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima é outro cotado para compor a Executiva.

O mandato na Executiva do partido vale pelos próximos dois anos, sendo possível a recondução por mais um ano.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O condomínio peemedebista :: Marcos Nobre

As polarizações artificiais que travam o debate público

RESUMO. Herança da polarização criada pela ditadura militar, o PMDB fez de sua eterna permanência no poder a condição da política brasileira na era democrática. Antigo eixo de transformações sociais, o PT aderiu a essa lógica com o escândalo do mensalão, tornando-se "síndico" do condomínio peemedebista, essencialmente conservador.

NÃO FAZ MUITO TEMPO, uma pessoa podia dizer que não tinha posição política ou preferência partidária definida. Mas sabia responder com rapidez à pergunta se era "contra" ou "a favor" do PT. Mesmo que as coisas hoje não se passem exatamente assim, isso diz muito sobre a história política recente.

Engenheiros políticos sempre desenham paraísos partidários em que o país ganha, afinal, um sistema nacional e polarizado. A mais recente tentativa foi obra da ditadura militar (1964-1985), que, de cima e na marra, pretendeu produzir um sistema bipartidário de tipo "oposição" versus "situação", MDB versus Arena, nas siglas vigentes até o final da década de 1970. Esses reformadores de gabinete e de caserna pretenderam, com isso, superar a fragmentação de interesses e as desigualdades regionais e criar algo como a verdadeira unidade de uma nação.

O resultado ruinoso é conhecido. O que é bem menos conhecido é o papel que teve esse projeto autoritário na moldagem da cultura política brasileira a partir da democratização dos anos 1980. Uma cultura que, no seu todo e em sua história, chamo de "peemedebismo". Não porque esteja restrita ao PMDB simplesmente, mas porque foi esse partido que primeiro, ainda nos anos 1980, a moldou e consolidou.

DItadura Apoiando-se na unidade contra o inimigo externo dada pela ditadura, o MDB (depois PMDB) produziu, por vocação e por necessidade, um modelo de gerenciamento de interesses adaptado à desigualdade e à fragmentação regionais. Não foi o sonhado partido uniforme e homogêneo dos reformadores ditatoriais, mas aquele que trouxe para dentro de si a diversidade e a fragmentação. Em suma, um partido nacional à brasileira.

A coisa funcionou mais ou menos assim. Todo e qualquer grupo de interesse tem entrada franqueada no partido. Se conseguir se organizar e se fortalecer como grupo organizado, ganha o direito de pleitear o seu quinhão dos fundos públicos. E, ao mesmo tempo, ganha direito de veto sobre questões que afetem diretamente seus interesses.

Com o declínio da ditadura, o pressuposto do modelo passa a ser, evidentemente, que o partido esteja permanentemente no poder, seja qual for o governo. E a consequência é a de uma política de conchavo, de gabinete, ou, quando muito, exclusivamente partidária. O debate público deve ser evitado ao máximo e, se for inevitável, deve conduzir a "clinchs" políticos, no qual prevaleçam os direitos de veto dos diferentes grupos de interesses encastelados no partido.

PT Se o domínio do peemedebismo tivesse sido completo, era assim que as coisas teriam se passado. Mas não foi isso exatamente o que se passou nas décadas de 1980 e de 1990. E só não foi assim porque, nos estertores da ditadura, surgiu o PT, um partido que não aceitava operar com base nessa lógica.

O PT pretendia ser um partido nacional. Pretendia unificar o país a partir de baixo, dos movimentos sociais e sindicais que combatiam a desigualdade em suas diversas formas. A ideia era simples e direta: a unidade própria de um país só pode ser alcançada se forem eliminadas as desigualdades. E isso inclui combater um sistema político que busca apenas acomodar e gerenciar as desigualdades, como é o caso de um sistema dominado pelo peemedebismo.

Foi assim que uma transição morna para a democracia, dirigida pelo condomínio ditatorial e pactuada de cima por um sistema político excludente, deu de cara com movimentos e organizações sociais, sindicatos e manifestações populares que não cabiam nos canais estreitos da "abertura política" de então. Como não conseguiu administrar todos esses movimentos segundo a estrita cartilha peemedebista, o sistema político encontrou uma outra maneira de neutralizá-los.

Confrontada, por exemplo, com um volume inédito de participação da sociedade organizada, a Constituinte recebeu e aceitou muitas das demandas e as inscreveu na Constituição de 1988. Mas, ao mesmo tempo, fez com que esses dispositivos constitucionais dependessem de leis complementares para serem efetivamente implementados. Ou seja, com uma ou outra exceção notável (a criação do SUS à frente), tomou de volta para si o poder de decisão de fato.

ENERGIAS REPRESADAS Porém, mais uma vez, a história não acabou aí. Com o acesso ao sistema político severamente limitado ou simplesmente bloqueado pelo peemedebismo dominante, as energias de transformação social represadas foram se acumulando e, progressivamente, passaram a se concentrar no PT.

No momento em que, com apenas 16,08% da votação, Lula conseguiu ir para o segundo turno na eleição presidencial de 1989, esse movimento de concentração de forças no PT se intensificou ainda mais. É verdade que, depois disso, ocorreu um relativo declínio da militância de base característica dos anos 1980, mas a "profissionalização" do PT da década de 1990 substituiu, de certa maneira, a militância espontânea de massa da década anterior, com a fixação, na cultura do partido, das mais destacadas demandas históricas de movimentos sociais e populares.

Nesse momento, o PT se tornou o líder inconteste e exclusivo da esquerda. E o fiel depositário das energias utópicas de transformação em larga medida barradas pela peemedebização do sistema político.

Com o declínio do PMDB, no final da década de 1980, o país flertou primeiro com o seu oposto, com o cesarismo alucinado de Fernando Collor. Se, no entanto, depois do impeachment, em 1992, voltou à lógica peemedebista dominante desde a democratização, a partir dali, o modelo inaugurado pelo PMDB já não pertencia mais somente àquele partido, mas tinha se tornado o padrão de organização e de ação de todos os partidos brasileiros.

EXCEÇÃO Todo partido brasileiro pretende, no fundo, ser um grande PMDB. (Dando um salto na história em direção ao momento atual, basta ver -para falar apenas dos exemplos mais vistosos- como se comportam exatamente segundo essa lógica partidos aparentemente tão diferentes como o PSB ou como o novo PSD). A exceção da história naquele momento foi, mais uma vez, o PT.

Olhando assim as coisas, a reorganização política do Plano Real funcionou porque e enquanto a oposição era liderada pelo PT. A acumulação de energias utópicas de transformação social fez do PT o único polo do sistema político capaz de sobreviver à margem do peemedebismo dominante.

Um importante ministro do primeiro governo FHC, Sérgio Mota, disse que a coalizão do Plano Real tinha um projeto de poder para 20 anos. Como se sabe, esse projeto não vingou, e Lula foi eleito presidente em 2002. (Aliás, o próprio Lula repetiu recentemente a frase azarada de Sérgio Mota, prevendo 20 anos de poder para o PT). Mas, no fundo, o projeto pressupunha que o PT, pela sua própria história, estaria impedido de realizar o pacto com o peemedebismo.

MENSALÃO Estava longe de ser uma suposição sem fundamento. Mesmo depois de ter chegado à presidência, em 2002, Lula não conseguiu assumi-la de fato antes que o episódio do mensalão, em 2005, tivesse afastado figuras históricas do PT, deixando-lhe o caminho livre para moldar o governo à sua maneira e feição.

Foi apenas após o mensalão que Lula realizou de fato o pacto com o peemedebismo. Mas foi também nesse momento que ficou claro que o sistema político em dois polos instaurado depois do Plano Real só poderia funcionar se um partido como o PT estivesse na oposição. Apesar de ter conseguido se colocar, durante o período FHC, como vanguarda do peemedebismo, o PSDB mostrou que sua lógica não difere, no essencial, dessa cultura política dominante.

O país queimou toda a energia de transformação que se acumulou no PT em décadas de luta social. Inicialmente, para organizar o sistema político em dois polos, deixando ao PT o papel de sustentar a oposição com base na sua sólida organização social e sindical.

NOVO CONSENSO Em um segundo momento, com a chegada do PT ao poder, para incluir no novo consenso social o princípio de que o crescimento econômico não deve deixar pessoas para trás, sem um mínimo de proteção social universal e sem um mínimo de efeitos de redistribuição de renda em favor dos mais pobres.

Essa é uma diferença considerável com relação ao consenso social anterior, chamado habitualmente por "nacional-desenvolvimentismo" e que se diz ter vigorado entre as décadas de 1930 e 1980, a maior parte do tempo sob regimes ditatoriais. Era um modelo de desenvolvimento e de sociedade que se sustentava na ideia de um crescimento econômico contínuo, com o qual se alcançava uma melhoria igualmente contínua de padrões de vida, mas, em suas versões autoritárias pelo menos, sem preocupações redistributivas.

Em vista das injustiças históricas do país, certamente não foi pouco fincar no novo consenso brasileiro cláusulas de solidariedade social e de ampliação da participação e da representação políticas. Conjugadas a uma conjuntura internacional extremamente favorável e a taxas de crescimento econômico significativas durante o período Lula, repetidas em anos consecutivos, essas novidades trouxeram também o ressurgimento no horizonte de um país com algum futuro, com a perspectiva de que a geração seguinte viverá melhor ou pelo menos tão bem quanto a anterior.

Mas esse processo já se realizou. O pacto do PT com o peemedebismo já está consolidado. E não há, de fato, oposição.
DIREITA E ESQUERDA Traduzido em termos da divisão política em posições de direita e de esquerda, o panorama resulta no seguinte. A diluição transformadora do PT marcou de tal forma o novo consenso social que as bases do discurso e da prática da direita democrática se perderam, pelo menos por ora. Como a peemedebização historicamente sempre jogou a seu favor, a direita perdeu inteiramente o pé diante de uma ocupação pela esquerda dessa cultura política. Ainda não conseguiu fincar posição para além de setores do mercado financeiro.

Do lado da luta por um aprofundamento das transformações sociais iniciadas pelo período Lula, a situação é difícil pela razão oposta: toda a energia de transformação acumulada parece já ter sido gasta. Se a ocupação pela esquerda do peemedebismo permitiu avanços, é essa mesma cultura política que tende, a partir de agora, a travar novas conquistas democráticas.

As alternativas políticas e as perguntas que se colocam hoje são bem pouco simples. E as possibilidades de ação dependem em muito de uma boa compreensão da complexidade do momento atual. Por exemplo: a atual posição de síndico do condomínio peemedebista ocupada pelo PT é suficiente para manter e aprofundar as conquistas sociais do governo Lula?

Ou, ao contrário, tende com o tempo a se diluir por completo? O que, por sua vez, pressupõe que já se tenha uma resposta à pergunta: há alternativa ao peemedebismo? Ou a política estaria limitada à sua ocupação, seja pela esquerda, seja pela direita? Ou ainda: é possível, em condições como essas, não só crescer economicamente com alguma diminuição da desigualdade, mas fazer avançar a democracia?

GUERRA POLÍTICA Por mais difícil que seja responder a essas perguntas, há pelo menos algumas constatações incontornáveis. Começando por um debate público e por um sistema político que não produzem diferenciações reais, mas tão somente uma guerra política de posições em que ninguém sai de fato do lugar.

Uma guerra em que a eventual conquista de uma trincheira significa ganhar poder de mando sobre seu pequeno território e poder de veto sobre iniciativas alheias que ameacem essa trincheira.

Essa é também a razão pela qual a presidente é vista como alguém que "toca o expediente". Por mais que o jogo seja complicado e esteja longe de estar ganho para a coalizão no poder, o governo Dilma lida agora com alternativas de gerenciamento do novo consenso brasileiro e não mais com sua transformação.

Um contexto em que se torna difícil até mesmo caracterizar o voto dado a José Serra ou a Marina Silva nas eleições presidenciais de 2010 como um voto de "oposição". Um contexto em que à "oposição" não resta senão aguardar, impotente, que um fracasso do governo lhe faça cair no colo o poder federal.

Não é à toa, portanto, que a sensação de um divórcio entre sociedade e sistema político é generalizada. O sistema político fechou-se para a invenção e para a inovação. Só um sistema político poroso à sociedade é levado a elaborar demandas de novo tipo, reivindicações e formas de representação que não constem do rol hoje determinado por ele mesmo como aceitável.

ILUSÃO GERENCIAL Alcançar uma democracia melhor do que se conseguiu construir até agora não pode ser um problema que se limite ao fracasso ou ao sucesso do governo em conseguir produzir crescimento econômico com inflação sob controle. Ao contrário da ilusão gerencial que tem o PT de ter sob sua supervisão e controle os movimentos sociais, novas energias sociais estão sendo produzidas e mobilizadas, sem que tenham o grau de organização que se está acostumado a ver, sem que estejam sendo devidamente processadas pelo sistema político.

Um potencial em larga medida invisível e que se manifesta em episódios que não cabem nos quadros gerenciais habituais, como se pode dizer de um acontecimento tão surpreendente e até hoje tão mal explicado como a revolta dos trabalhadores no canteiro da usina de Jirau, em meados de março.

Ao contrário do que acredita o condomínio peemedebista, crescimento econômico e melhoria dos padrões de vida não são garantia de que não surgirão protestos de importância fora dos enquadramentos habituais. E tentar reduzir sem mais a complexidade da situação a um posicionamento a favor ou contra um governo, a favor ou contra um partido, é optar por manter tudo como está. É aceitar a armadilha do condomínio do peemedebismo.

SÍNDICO Porque o peemedebismo é, na sua essência, conservador em todos os âmbitos. E opera com base em uma máxima que lhe garantiu a longa sobrevivência: sempre que algo dá errado, joga toda a responsabilidade da administração do condomínio nas costas do síndico. Por isso, o peemedebismo se deu mal no final da década de 1980: porque era síndico de seu próprio condomínio.

É justamente para não cair na tentação de querer ser novamente síndico que, depois do rearranjo do Plano Real, o PMDB nunca tem candidato a presidente e sempre está no poder, seja qual for o governo. O PT, como atual síndico do condomínio peemedebista, se apresenta como garantia e vanguarda de um processo que, em grande medida, não está de fato em suas mãos.

Não deixa de ser paradoxal que as polarizações pareçam tanto mais acirradas quanto menos o sistema político está de fato polarizado. A própria campanha presidencial de 2010 foi expressão de polarizações artificiais, cujo efeito foi simplesmente o de reforçar uma guerra de posições montada em trincheiras que ficam longe dos campos onde se travam hoje as batalhas decisivas.

Se o novo modelo de desenvolvimento e de sociedade hoje consolidado representa um inequívoco avanço relativamente à histórica iniquidade do país, a democracia brasileira só alcançará novos avanços a partir de agora se, de alguma maneira, começar a acertar contas com o peemedebismo. Com que forças e com que meios, só a invenção democrática poderá dizer. O que é possível dizer é que o primeiro passo para isso é destravar o debate público das polarizações artificiais e encontrar novas, reais e acirradas polarizações.

Com o acesso ao sistema político limitado pelo peemedebismo, as energias de transformação social represadas passaram a se concentrar no PT

O modelo inaugurado pelo PMDB já não pertencia mais somente àquele partido, mas tinha se tornado o padrão de organização e de ação de todos os partidos

O país queimou toda a energia de transformação do PT, deixando a este o papel de sustentar a oposição com base na sua sólida organização social e sindical

Como a peemedebização historicamente sempre jogou a seu favor, a direita perdeu o pé diante da ocupação pela esquerda dessa cultura política

A democracia brasileira só alcançará novos avanços se começar a acertar contas com o peemedebismo; para isso, é preciso achar novas polarizações

FONTE: ILUSTRÍSSIMA/ FOLHA DE S. PAULO