A polêmica que explodiu no Congresso Nacional, na última quinta-feira, em torno da conturbada tentativa de votação de um novo Código Florestal, expôs mais uma vez as fragilidades de ordem programática e ideológica da Comissão Executiva, da bancada do PPS e, por extensão, do próprio partido e seu Diretório Nacional.Liberada para o voto em torno do tema, parte da bancada apoiou a pressão ruralista para votar o mais rápido possível as alterações no Código, enquanto outra parte, até onde pude me informar, apoiou o adiamento promovido pelos articuladores do governo em busca de um acordo que signifique menos retrocesso para a área ambiental.
A parte que apoiou a votação a qualquer custo, apresentou como justificativa para o seu posicionamento, através da palavra do líder, o fato do Governo ter quebrado acordo de lideranças e de não controlar sua base fisiológica, duas verdades de fato. Outras verdades, no entanto, bem como o mérito da questão, não foram levados em conta.
Tal comportamento é revelador de três questões importantes de fundo:
1. Que a bancada, a Comissão Executiva e, por extensão, razoável contingente do partido estão e continuam presos a uma visão maniqueísta de oposição;
2. Que no contexto da oposição a bancada e boa parte dos dirigentes – talvez a maior parte – não consegue entender a dialética da unidade e da diferença no campo da oposição;
3. Que à falta de uma identidade claramente definida e de um programa e uma visão estratégica nacionais, não consegue distinguir, em certas ocasiões decisivas, temas e embates de ordem conjuntural, daqueles temas e embates que são decisivos para o país e definidores do futuro da Nação e do povo brasileiros, independente de qualquer governo de plantão ou qualquer tática parlamentar habitual, por mais plausível que seja.
Nosso Diretório Nacional, nossa Comissão Executiva e nossa bancada parlamentar nunca discutiram na amplitude e profundidade que o assunto requer, a questão do Código Florestal. No que diz respeito à bancada, exceção se faça ao deputado Moreira Mendes que desde cedo explicitou a defesa aberta das teses do ruralismo conservador e atrasado, muito embora considere eu que seu ideário está cosmicamente distante daquilo que define a essência do PPS.
Como resultado dessa postura, e diferentemente do que está acontecendo na batalha pela reforma política, onde estamos nos conduzindo bem, priorizamos na última quarta e quinta-feiras o desejo de infligir uma pontual derrota parlamentar ao governo de quem somos oposição, em detrimento de uma posição clara e afirmativa em defesa da legislação ambiental brasileira naquilo que diz respeito a algumas políticas públicas que são de interesse absolutamente estratégico para o equilíbrio climático, a biodiversidade, a saúde dos recursos hídricos e a possibilidade de fazer a transição para uma nova economia sustentável, compatível com a era pós-carbono já em marcha internacionalmente.
Nossa miséria ideológica nos faz, assim, subalternos à liderança do DEM e de setores conservadores da oposição e da própria base do governo, tudo em nome de uma, sob todos os aspectos discutível, solidariedade oposicionista em questão onde a contradição governoXoposição é inteiramente secundária, porque o principal, aquilo que efetivamente define o mérito, a essência da questão, é o retrocesso absurdo que a agricultura e pecuária extensivas, subsidiadas, em boa escala de baixa produtividade, misturadas à grilagem das terras amazônicas e à lógica dos cartéis de exportação de commodities baratas querem impor ao país.
E nos faz subalternos também à visão ultrapassada de Aldo Rabelo que, ainda refém do nacionalismo das décadas de 1940 e 1950 – que à época tinha inegáveis virtudes – transformou-se no ícone do ruralismo atrasado e concentrador de renda, porque imagina que a maneira mais eficiente de defender a Amazônia de uma imaginária invasão de potências estrangeiras é liquidar com sua biodiversidade e continuar ocupando-a nos mesmos moldes agrícolas conservadores implementados desastrosamente pela Ditadura Militar.
A biodiversidade brasileira será em pouquíssimas décadas, talvez apenas anos, o mais valioso ativo comercial, científico, ambiental do planeta. No mundo multipolar, digitalmente conectado, densamente povoado, tecnologicamente revolucionário e globalizado que começamos a viver, a verdadeira defesa da Amazônia deverá ser feita através do alto compromisso moral de preservá-la e conservá-la propositivamente, com exércitos de pesquisadores, com manejo florestal avançado e responsável, com ciência, tecnologia, comunitarismo, inclusão social, agricultura intensiva, cooperação e integração sustentável com sua população e as atividades produtivas existentes e potencialmente possíveis.
Um partido que se propõe a protagonista da história, como é o caso do PPS, não pode hesitar quando a batalha que se apresenta é entre atraso e modernidade e não, essencialmente, entre o bloco do governo e o bloco da oposição.
Na votação do Código Florestal o próprio Governo e sua base estarão fragmentados. E mais: boa parte do esforço do Governo para barrar a ofensiva ruralista na mutilação do Código é muito mais fruto dos compromissos internacionais do Brasil na área ambiental, do que propriamente uma convicção firme– que aliás Dilma e a maioria do PT nunca tiveram – em torno da manutenção das conquistas da legislação ambiental no rumo da sustentabilidade.
O PPS e sua bancada não devem, portanto, vacilar nesta questão porque as trapalhadas ou incoerências do Governo nunca serão motivo justo para deixar o nosso partido na rabeira de uma batalha que nós temos o dever de ser vanguarda e não uma retaguarda míope e influenciável ao sabor das conjunturas.
Anivaldo Miranda é jornalista, membro do Fórum de Defesa Ambiental, membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e membro da direção nacional do PPS
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