quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Opinião do dia - Gilmar Mendes*

Não parece haver dúvida de que Moro era o chefe da Força-Tarefa de Curitiba. Em diversos momentos, ele direcionou a instrução probatória nas ações penais e aconselhou a acusação, inclusive indicando testemunhas e sugerindo a juntada de provas documentais.

Usava prisão provisória como forma de tortura. E quem defende tortura não pode ter assento na Corte Constitucional

*Gilmar Mendes, ministro do STF, ontem na sessão da Corte

Maria Hermínia Tavares de Almeida* - A Lava Jato faz água

- Folha de S. Paulo

Desfecho melancólico da operação só servirá para alimentar o desalento e o cinismo

A Lava Jato naufraga sob o peso de atitudes de procuradores justiceiros, de um juiz vaidoso e politicamente comprometido e de um ex-procurador-geral destemperado —todos dispostos a colocar suas paixões e interesses acima do devido processo legal. Caberá ao Conselho Nacional do Ministério Público e ao Supremo Tribunal Federal resgatar a operação das águas turvas.

Até lá, permanecerá no mínimo duvidoso o seu potencial de robustecer o controle da corrupção política. A Lava Jato poderá ser apenas o mais vistoso dos espetáculos do gênero que se sucederam desde a redemocratização, com limitadas consequências para o fortalecimento da moralidade pública. Como foram o escândalo da Ferrovia Norte-Sul, no governo Sarney; a revelação do esquema de PC Farias que resultou na renúncia do presidente Collor; a armação dos “anões do Orçamento”, em 1993; a tentativa de beneficiar o grupo Opportunity na privatização das teles, a compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição e o “mensalão mineiro”, todos no governo Fernando Henrique; o caso Bancoop, o escândalo dos bingos, o mensalão e o caso dos dossiês falsos no governo Lula.

Em artigo publicado na revista Dedalus, em 2018, o cientista político Matthew Taylor, professor da American University, em Washington, sustentou que esforços bem-sucedidos para reduzir a corrupção política são sempre processos de longo prazo antecedidos por fracassos. O êxito pode vir tanto de iniciativas destinadas a tal, como ser um resultado imprevisto de medidas com outras finalidades.

Fernando Schüler* - Normalidade à brasileira

- Folha de S. Paulo

O que falta ao governo Bolsonaro é exatamente um 'projeto nacional'

Dias atrás fiz uma análise do discurso de Bolsonaro na ONU e recebi um comentário interessante. O sujeito dizia que minha avaliação estava OK, mas tinha um problema.

Eu parecia supor que o Brasil vivia uma situação de “normalidade democrática”. Terminava dizendo achar completamente “anormal” qualquer pessoa que havia gostado daquele discurso.

Curiosa visão de pluralismo político contida nesta ideia: quem discorda de mim não é apenas alguém que pensa e defende valores diferentes dos meus. É simplesmente anormal.

O que poderia ser apenas mais uma besteira, típica da internet, me pareceu um sintoma do Brasil atual. Na outra semana, escrevi algo sobre as relações entre Executivo e Congresso e fui repreendido, por um velho amigo, dizendo que o simples fato de fazer analise política, no Brasil de hoje, sem “denunciar e tomar posição”, era uma “rendição à barbárie”. Seria o mesmo que analisar o quadro partidário na Alemanha à época da ascensão do Führer, nos anos 1930.

É isso. Fácil, fácil, escorregamos para a mesmíssima intolerância que imaginamos combater. Nos tornamos uma peça do tribalismo vazio que marca nossas democracias. As guerras culturais dão o tom, o nível de participação dos cidadãos explodiu e com ele a organização de interesses e visões de mundo, no que antes chamávamos de “sociedade civil”.

O fato é que vivemos um dualismo. No mundo da retórica e das redes sociais, reina a fantasia sobre a crise brasileira. A própria palavra “crise”, de tão abusada, perdeu o sentido.

Bruno Boghossian – O preço da antipolítica

- Folha de S. Paulo

Governo tropeça na reta final da Previdência e perde controle da própria pauta

O governo achou que estava fazendo um baita negócio ao terceirizar para o Congresso a aprovação da reforma da Previdência. Abriu mão de fazer articulações e conquistar votos, mas conseguiu fazer avançar uma matéria difícil, mesmo assim. Agora, a fatura da omissão chegou.

O Planalto paga um preço alto por sua retórica antipolítica, com juros e correção monetária. Decidido a não montar uma base de partidos aliados, Jair Bolsonaro decidiu negociar emendas no varejo para abastecer deputados e senadores em troca de votos. Num período de sufoco orçamentário, a conta ficou salgada.

O presidente realmente cumpriu a promessa de campanha de acabar com o loteamento de ministérios para siglas governistas, mas não se envergonhou de abrir um balcão de cargos de segundo escalão. A partilha de poder, diga-se, é comum para formar coalizões no Congresso, mas Bolsonaro só aderiu ao método porque tenta mimar senadores dispostos a aprovar o filho Eduardo para a Embaixada do Brasil nos EUA.

O erro de cálculo fica claro na reta final da votação da reforma. Mesmo se valendo de expedientes que costuma criticar, o governo sofre tropeços que tendem a aumentar os custos de sua relação com o Congresso. Bolsonaro achou que poderia ceder protagonismo à Câmara e ao Senado sem correr riscos, mas agora se vê sem controle de sua própria pauta.

Mariliz Pereira Jorge - A burrice e o atraso

- Folha de S. Paulo

Governo adora se espelhar em políticas de EUA e Israel, mas não quando assunto é legalizar a maconha

O Brasil foi o último na América Latina a abolir a escravidão, em 1888. Quase um século separa a mudança iniciada nas sociedades mais desenvolvidas, como a Dinamarca, que proibiu em 1792 o comércio de escravos. Pelo andar da carruagem, o mesmo vai acontecer com outros temas que já passaram a ter o entendimento revisado, como a legalização da maconha.

Não temos mais as barreiras de informação, comunicação e tecnologia, que sempre contribuíram para nos deixar na lanterninha do desenvolvimento. Mas a chance de a Anvisa debater o assunto com seriedade e acompanharmos os avanços e as transformações pelas quais o mundo passa esbarra no pior tipo de combinação: o conservadorismo e a burrice de nossos governantes.

De um lado, o ministro da (falta de) Cidadania, Osmar Terra, insiste numa epidemia de drogas inexistente e acusa o "lobby maconheiro" para melar a regularização do uso medicinal da maconha. Do outro, o titular da Saúde se posicionou contra o plantio mesmo para as necessidades terapêuticas, porque "seria uma droga a mais para lutar."

Luiz Carlos Azedo - A Previdência possível

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O Palácio do Planalto precisa se mexer para aprovar a reforma em definitivo. A reclamação é grande por causa do não cumprimento de acordos, sobretudo a divisão dos bônus do leilão do pré-sal”

O Senado aprovou ontem, em primeiro turno, a reforma da Previdência. Os senadores rejeitaram três destaques que poderiam ampliar o impacto do texto nos cofres da União (tratavam da idade mínima para mulheres, da pensão por morte e da aposentadoria especial), reduzindo a economia em R$ 201,3 bilhões em dez anos. Com isso, estima-se que a reforma representará uma economia de R$ 800 bilhões no período. O governo tinha uma expectativa de quebra do interstício para a segunda votação, mas não houve articulação suficiente para isso, e a segunda votação somente deverá começar na próxima semana. Segundo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a reforma deve ser aprovada somente após o dia 15 de outubro.

Nos bastidores do Senado, ficou evidente a queda de braço entre os partidos que garantiram a aprovação da reforma em primeira votação e o Palácio do Planalto. A reclamação é grande por causa do não cumprimento de acordos, sobretudo em relação à divisão com estados e municípios dos recursos provenientes do leilão da cessão onerosa do pré-sal, estimados em R$ 106 bilhões. O leilão deve se realizar neste ano.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em negociação com o Congresso, havia prometido dividir os recursos do bônus do leilão da cessão onerosa igualitariamente, ou seja, um terço para cada um dos entes federados – União, estados e municípios. Os senadores querem garantir esses recursos antes da aprovação definitiva da reforma e, para isso, pedem que o governo envie uma medida provisória com a partilha. Além disso, existe a promessa de pagamento de R$ 4 bilhões a estados e municípios referentes ao FEX (auxílio para fomento das exportações) e à Lei Kandir.

O recado de que o Palácio do Planalto precisa se mexer para aprovar a reforma em definitivo foi dado na madrugada de quarta-feira, quando os senadores aprovaram uma alteração sobre abono salarial, que reduziu em R$ 76,4 bilhões a previsão de economia em dez anos com a reforma. O abono é pago para quem recebe até dois salários mínimos (R$ 1.996,00). O texto aprovado pela Câmara previa que o pagamento do abono salarial ficaria restrito aos trabalhadores de baixa renda, que ganham até R$ 1.364,43, porém essa limitação foi derrubada com a aprovação do destaque da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

Mas tudo poderia ser ainda pior. A retirada de outros destaques, em negociação com o governo, evitou que a reforma sofresse mais uma perda de R$ 274,7 bilhões. Comentando o resultado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), elogiou a condução dada por Alcolumbre e disse que o resultado da reforma é muito superior às expectativas iniciais do mercado, que esperava uma economia de R$ 500 bilhões em 10 anos. O relator da Previdência no Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), também gostou do desfecho: “Não é um resultado ótimo, mas, como diz o ditado, o ótimo é inimigo do bom.”

Na Câmara, começa a discussão da Previdência dos militares. O relator do projeto de lei que altera a aposentadoria das Forças Armadas, Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), quer incluir na reforma policiais militares e bombeiros, garantindo paridade (aposentadoria no valor do último salário) e integralidade (reajuste igual ao dos ativos) às duas categorias. O relatório foi apresentado ontem na comissão especial. O lobby de policiais militares e bombeiros no Congresso é fortíssimo. A inclusão de policiais militares e bombeiros na reforma vai gerar economia de R$ 29 bilhões em dez anos, segundo o relator. A previsão inicial era de que o possível impacto da reforma da Previdência das Forças Armadas seria de R$ 10,4 bilhões em dez anos, e de R$ 33 bilhões em vinte anos.

William Waack - Virou a maré

- O Estado de S.Paulo

Como fenômeno político e social a Lava Jato perdura, mas dentro de novos limites

A Lava Jato foi colocada na casinha, com coleira e tudo. Perdura como fenômeno político e social, mas o ímpeto, o alcance e a abrangência foram severamente limitados. Não se trata de aplaudir ou detestar esse fato. Apenas, reconhecê-lo.

Os limites são sobretudo políticos, assim como a atuação da Lava Jato foi, desde sempre, uma atuação política. O embate jurídico e doutrinário sobre a conduta de juízes e procuradores – se cometeram crimes ao combater crimes – é um importante capítulo em si. Ocorre que a complexidade e o lado “técnico” desse relevante debate às vezes ofuscam o principal.

O fundamento político da atuação da Lava Jato nasce de uma ideia: a de que a sociedade brasileira é hipossuficiente, isto é, não consegue se defender sozinha dos abusos cometidos contra ela por corruptos, malfeitores ou mesmo agentes do Estado. Ela precisa da proteção exercida por gente “de fora”, pois o sistema político é intrinsecamente corrupto, seus integrantes têm escassa representatividade e só pensam em seus interesses próprios, ainda que lícitos.

Essa narrativa descrevendo a sociedade brasileira já circulava há décadas, mas foi sobretudo a ascensão do PT ao poder que deu a ela um caráter evidente e objetivo nos fatos da realidade. Outros partidos corruptos já haviam ocupado posições de mando e controle, mas foi a pretensão hegemônica do lulopetismo que reforçou nos expoentes da Lava Jato a convicção de que estavam diante não só de crimes pontuais, mas, sim, da perpetuação da podridão.

Eliane Cantanhêde - STF se meteu numa enrascada

- O Estado de S.Paulo

Não há votos para as soluções colocadas e não há outras para substituí-las

A verdade nua e crua é que o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu adiar a decisão sobre regras para as alegações finais de réus delatados por um único motivo: um impasse. Não há votos para as soluções colocadas e não há outras para substituí-las.

Mais ou menos como o Reino Unido se meteu numa enrascada ao decidir pelo Brexit sem ter articulado as regras para a saída da União Europeia, os ministros se meteram também numa grande confusão ao diferenciar o réu delatado do réu delator, definir que o delatado tem a última palavra e criar mais uma interrogação sobre a extensão da decisão e sobre o futuro da Lava Jato.

O presidente da Corte, Dias Toffoli, tentou articular uma solução mista para reduzir o impacto, juntando duas regras: a primeira é a de que só terá direito à anulação de sentença o delatado que tiver reclamado desde a primeira instância para falar por último; a segunda é a de que haja comprovação de “prejuízo” do réu com a manifestação final do delator.

Zeina Latif* - O bom debate

- O Estado de S.Paulo

Os gestores devem perseguir as boas práticas e basear-se na melhor evidência disponível

Com frequência se assiste a divergências entre economistas nas recomendações de política pública. Ainda que cause confusão ao cidadão atento, que fica sem saber qual lado está “correto”, o debate saudável contribui para o aprimoramento da ação estatal, sendo elemento importante para o funcionamento da democracia.

A ausência do bom debate contribuiu para o desastre da gestão Dilma. Um governo refratário a críticas. Adotou seu próprio manual de política econômica - a nova matriz macroeconômica (NMM), termo cunhado pelo então secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland –, desqualificando os críticos e ignorando os alertas, alguns dentro do próprio PT. A NMM consistia em expansão fiscal, via gastos públicos e renúncias tributárias, crédito público abundante e taxas de juros do Banco Central baixas, enquanto a experiência acumulada e a literatura econômica consolidada recomendavam cautela naquelas prescrições. 

Em 2012, muitos acadêmicos e pesquisadores defenderam que havia espaço para redução dos superávits fiscais, pois os juros baixos e a suposta retomada do crescimento impediriam o crescimento da dívida pública como porcentagem do PIB. Eram tempos em que os nacionais-desenvolvimentistas dominavam o pensamento econômico do País. Os críticos que defendiam a disciplina fiscal eram apontados como defensores de interesses escusos de rentistas ou dos bancos.

Merval Pereira – Nulidade relativa

- O Globo

Gilmar Mendes aproveitou para tratar do assunto a que mais se dedica, falar mal dos procuradores de Curitiba e de Sergio Moro

Mesmo sem entrar no mérito da decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) vier a tomar, na conclusão do julgamento sobre qual o alcance da nova regra que exige que o réu delator fale antes dos demais réus nas alegações finais dos julgamentos, houve na sessão de ontem momentos que são definidores da posição de vários ministros, não sem frequência discordantes entre si, mas ontem com algumas concordâncias heterodoxas.

O ministro Marco Aurélio Mello tirou o presidente Dias Toffoli do sério ao classificar a decisão de “jeitinho brasileiro”, pois não existe nada que indique na legislação em vigor que réus são diferentes entre si.

Para Marco Aurélio, que se orgulha de estar quase sempre na contramão de seus pares, o STF está legislando sobre um tema que não lhe compete, que deveria ficar a cargo do Legislativo. Ele também foi contra que o plenário definisse uma orientação a ser seguida pelo sistema judiciário como um todo.

Bernardo Mello Franco - Amor à primeira vista

- O Globo

Augusto Aras começou como Bolsonaro queria. No dia da estreia, o novo PGR defendeu a reabertura do caso Adélio. O presidente definiu a relação dos dois como “amor à primeira vista”

Augusto Aras começou como Jair Bolsonaro queria. O novo procurador-geral da República tomou posse ontem. No dia da estreia, defendeu a reabertura do caso Adélio Bispo.

O homem que esfaqueou o presidente está num presídio de segurança máxima. Em julho, a Justiça concluiu que ele é incapaz de responder por seus atos. Laudos de três psiquiatras, indicados pela defesa e pela acusação, apontaram um quadro de transtorno delirante.

Os advogados de Bolsonaro não quiseram recorrer, e o processo foi encerrado. Mesmo assim, o presidente continua a alimentar teorias conspiratórias sobre o atentado. Ele se refere a Adélio como “militante de esquerda”, insinuando uma trama política para matá-lo.

Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o novo chefe da Procuradoria deu corda ao discurso presidencial. Na contramão da Polícia Federal, Aras disse não acreditar que Adélio tenha agido sozinho. Ele acrescentou que ainda é tempo de “buscar a verdade real” sobre o caso. Não foi a única piscadela a quem o nomeou.

Míriam Leitão – Reforma encolhe mas tem impacto

- O Globo

Com perdas e ganhos, esta é a primeira reforma da Previdência que muda o sistema de pensões dos setores público e privado ao mesmo tempo

A reforma aprovada ontem em primeiro turno no Senado permitirá uma economia em torno de R$ 700 bilhões em 10 anos, mas é a mais ampla já feita.

Não será suficiente para resolver a equação da Previdência, assunto que voltará a nos incomodar no próximo governo. Ela tem o avanço da idade mínima, mas reduziu muito menos as desigualdades do que dizia. E manteve diferenças e privilégios, como para os policiais federais e os funcionários que têm mais de 16 anos de serviço público.

O Itaú prevê uma economia de R$ 688 bilhões em dez anos sem contar o aumento da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), que a rigor não é redução de despesa mas sim aumento de receita. Se contar com a CSLL que incidirá sobre o setor financeiro, o ganho subirá para R$ 738 bilhões. A consultoria MB Associados repete o que já vinha dizendo, que ficaria entre R$ 700 bilhões e R$ 800 bilhões.

A maior perda no Senado foi a do abono salarial. Alguém pode pensar que isso é justo já que atinge apenas quem recebe até dois salários mínimos. O governo havia proposto até um salário mínimo. Foi para 1,4. E o Senado retornou a regra vigente, anulando qualquer mudança. Um integrante do governo explica assim a situação criada.

—Você esquece o informal, esquece o desempregado e gasta R$ 20 bilhões por ano com quem está empregado, com todos os direitos, e recebendo até dois salários mínimos. Esse valor é mais da metade do que o governo gasta com o Bolsa Família —diz.

O economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, afirma que a melhor métrica não é a economia em dez anos, como o governo faz, mas sim a projeção de déficit primário num prazo longo.

Ricardo Noblat - Lambança encomendada

- Blog do Noblat | Veja

Onze ministros e nenhuma decisão
Por incapacidade de decidir, ficará para mais tarde, em data ainda não sabida, o desfecho da sessão do Supremo Tribunal Federal que poderá restringir ou ampliar a brecha por onde passarão sentenças da Lava Jato sujeitas a anulação. Até o momento, duas sentenças já foram para o brejo.

Era para terminar hoje no final da tarde. Se não desse tempo, poderia se estender pela tarde de amanhã. Mas os ministros não se entenderam sobre o que fazer. Alguns até ameaçaram faltar. Então o ministro Dias Toffoli, presidente do tribunal, preferiu deixar tudo para quando der bom tempo.

O que parece ter ficado certo, embora sujeito a mudanças, é que por 7 votos contra 4 está assegurado ao réu delatado falar só depois do réu delator na fase das alegações finais de um processo. Por 8 a 3, os ministros concordaram em aprovar uma tese para orientar juízes das demais instâncias na aplicação da medida.

Isso significa que os juízes serão obrigados a respeitar a tese que ainda não foi sequer discutida pelos ministros? Não. Ela não produz efeito vinculante. Então – diabos! – por que aprovar uma tese? Bem, pelo menos para três dos 11 ministros, a tese seria perfeitamente dispensável por inútil. A ver.

Se depender de Toffoli, o autor da proposta, a tese se resumirá a dois pontos: só poderão pedir a anulação de sentenças os réus delatados que tenham reclamado ainda na primeira instância do fato de terem sido ouvidos antes dos réus delatores; e também aqueles cuja defesa comprove que foram prejudicados.

O filtro sugerido por Toffoli foi responsável pelo cancelamento da sessão marcada para hoje. Não há maioria formada para aprová-lo nos termos sugeridos por Toffoli nem maioria para rejeitá-lo. A passar pelo vexame de expor o racha da Corte, Toffoli decidiu empurrar o problema com a barriga.

Não foi a primeira vez. Não será a última. Não há um Supremo. Existem onze. Cada um por si. É a fogueira das vaidades.

Lula ganha uma

Maria Cristina Fernandes - A disputa pela vaga de resolvedor-geral

- Valor Econômico

Com a revelação do inconfessável impulso, Janot encheu a taça do rival Gilmar Mendes

O despautério do ex-procurador geral Rodrigo Janot deu prumo e velocidade a um processo iniciado com a posse do presidente Jair Bolsonaro, o da âncora deste governo em assentos do Supremo Tribunal Federal.

Esta ancoragem já havia sido buscada na gestão Michel Temer. Mas como se tratava de um governo parlamentar, nascido e mantido pelo Congresso, o Supremo teria um papel subsidiário. O chefe da nação que discutia procedimentos de corruptores noite adentro, só prestaria contas à justiça ao deixar o Planalto Central.

A equação não se repete com Bolsonaro. Primeiro porque a face mais exposta de sua vidraça, os vínculos do seu filho senador com a milícia do Rio, não depende de autorização parlamentar mas do Judiciário para trincar. Depois porque é um presidente sem base no Congresso ou capacidade de negociação política.

O pedágio cobrado pelo Congresso ameaça desmontar políticas públicas de um lado, e remontar benesses corporativas e gastanças de feudos políticos de outro. Sua ambiciosa pauta fiscal tornará o governo cada vez mais refém do Legislativo, o que reforça a necessidade de buscar blindagem no Judiciário.

Alvo dos desenfreados de Curitiba, o presidente da Corte se antecipou na ancoragem. Em sociedade com o ministro Alexandre de Moraes, Dias Toffoli abriu um inquérito sem precedentes que, inicialmente voltado contra a imprensa, ampliou seu escopo para dar curso a uma igualmente inédita busca e apreensão na casa de um ex-procurador geral da República.

Ao revelar seu inconfessável impulso em relação Gilmar Mendes, Janot o recolocou publicamente na arena. A Vaza-jato já havia posto fim ao voto de silêncio que vinha cumprindo neste governo, mas foi o surto do ex-procurador-geral que deu clareza ao seu papel no triunvirato ao lado de Toffoli e Moraes.

Ribamar Oliveira - Diminuiu o tamanho do ajuste fiscal necessário

- Valor Econômico

Simulações do Ibre indicam que “é possível e provável” que a dívida pública se estabilize nos próximos anos até mesmo com déficits primários

Um fenômeno brasileiro recente ainda não foi devidamente explicado pelos economistas. Hoje, existe quase um consenso de que houve uma mudança estrutural da taxa de juros no Brasil. Três anos atrás, a taxa básica (Selic) estava em 14,25% ao ano. Hoje, está em 5,5% ao ano, com perspectiva de cair ainda mais.

No mesmo período, o setor público brasileiro continuou registrando elevados déficits primários em suas contas, com crescimento da dívida bruta, que chegou perto de 80% do Produto Interno Bruto (PIB). A perspectiva é de que a dívida continuará em elevação e o setor público com déficit primário nos próximos anos. Como foi possível os juros caírem tanto com este dramático quadro fiscal?

A mudança dos juros no Brasil está sendo considerada estrutural porque ninguém acredita que a Selic voltará ao patamar de dois dígitos em horizonte previsível. Pelo menos até agora não houve manifestação contrária, embora alguns desconfiem que taxa de juros tão baixa no Brasil não deve perdurar por muito tempo.

O fenômeno ainda não explicado e impressionante, pelo curto prazo em que ocorreu e pelas condições fiscais, terá consequências notáveis. Ele tem levado a uma taxa muito baixa de financiamento da dívida pública. O Tesouro Nacional está vendendo títulos com taxa de juro real de 2,6% ao ano (NTNB), com prazo de cinco anos, o que era inimaginável há pouco tempo.

Como resultado do atual fenômeno de queda dos juros, o setor público brasileiro pagará, neste ano, possivelmente, uma conta de juros semelhante ao que pagava quando a dívida pública era de 51% a 53% do PIB, estimou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, na semana passada, quando comentou o resultado fiscal de agosto. No fim daquele mês, a dívida bruta do setor público estava em 79,8% do PIB, de acordo com o Banco Central.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Revés na reforma – Editorial | Folha de S. Paulo

Senado reduz economia com texto da Previdência em favor de programa duvidoso

Terminada a votação em primeiro turno da reforma da Previdência no Senado, o resultado até aqui é um tanto decepcionante.

Desde que o texto chegou à Casa, a economia esperada com a urgente mudança nas regras das aposentadorias já teve redução de 14% —de R$ 933 bilhões em dez anos, na versão votada pela Câmara, para R$ 800 bilhões agora estimados.

Verdade que os deputados também desidrataram a proposta original do Executivo. Naquela primeira etapa, porém, as intervenções legislativas se concentraram em aspectos mais polêmicos e menos essenciais do projeto.

A tarefa básica do Senado deveria ser apenas recolocar estados e municípios na reforma. Entretanto os parlamentares, em busca de dividendos políticos, afrouxaram normas já no processo de elaboração do relatório a ser votado.

No exame da matéria em plenário, mais perda para o erário. Depois de aprovado o texto-base por ampla margem, de 56 a 19, os senadores decidiram criar embaraços para o Palácio do Planalto na análise em separado dos destaques.

Frágil nos embates congressuais, o governo Jair Bolsonaro (PSL) não reuniu os 49 votos necessários para manter as alterações no abono salarial, um benefício pago hoje a trabalhadores com renda até 2 salários mínimos (R$ 1.996) —esse limite cairia a R$ 1.364 mensais.

Poesia | Charles Baudelaire - A uma passante

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho… e a noite depois! – Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

Música | David Garrett - Toca Beethoven'