quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Maria Cristina Fernandes - A disputa pela vaga de resolvedor-geral

- Valor Econômico

Com a revelação do inconfessável impulso, Janot encheu a taça do rival Gilmar Mendes

O despautério do ex-procurador geral Rodrigo Janot deu prumo e velocidade a um processo iniciado com a posse do presidente Jair Bolsonaro, o da âncora deste governo em assentos do Supremo Tribunal Federal.

Esta ancoragem já havia sido buscada na gestão Michel Temer. Mas como se tratava de um governo parlamentar, nascido e mantido pelo Congresso, o Supremo teria um papel subsidiário. O chefe da nação que discutia procedimentos de corruptores noite adentro, só prestaria contas à justiça ao deixar o Planalto Central.

A equação não se repete com Bolsonaro. Primeiro porque a face mais exposta de sua vidraça, os vínculos do seu filho senador com a milícia do Rio, não depende de autorização parlamentar mas do Judiciário para trincar. Depois porque é um presidente sem base no Congresso ou capacidade de negociação política.

O pedágio cobrado pelo Congresso ameaça desmontar políticas públicas de um lado, e remontar benesses corporativas e gastanças de feudos políticos de outro. Sua ambiciosa pauta fiscal tornará o governo cada vez mais refém do Legislativo, o que reforça a necessidade de buscar blindagem no Judiciário.

Alvo dos desenfreados de Curitiba, o presidente da Corte se antecipou na ancoragem. Em sociedade com o ministro Alexandre de Moraes, Dias Toffoli abriu um inquérito sem precedentes que, inicialmente voltado contra a imprensa, ampliou seu escopo para dar curso a uma igualmente inédita busca e apreensão na casa de um ex-procurador geral da República.

Ao revelar seu inconfessável impulso em relação Gilmar Mendes, Janot o recolocou publicamente na arena. A Vaza-jato já havia posto fim ao voto de silêncio que vinha cumprindo neste governo, mas foi o surto do ex-procurador-geral que deu clareza ao seu papel no triunvirato ao lado de Toffoli e Moraes.

Mendes é, de longe, o ministro com mais longa carreira na prestação de serviços a governos de sua preferência. Sua condição de ministro palaciano da Corte começou a ser construída bem antes de nela ingressar. Ocupou, no governo Fernando Collor, a consultoria jurídica da Secretaria Geral da Presidência, e, no gestão Fernando Henrique Cardoso, a advocacia-geral da União.

Já ministro do Supremo, ocupou os espaços franqueados pelas ambiguidades do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Não gozou da mesma franquia na gestão Dilma Rousseff mas o impeachment, com sua colaboração, devolveu o ministro palaciano ao centro do poder como consultor jurídico informal do presidente Michel Temer.

Partilharam, na mesma época, a condição de anfitriões do empresário Joesley Batista - ex-presidente, no Alvorada, e o ministro na sede do IDP, o instituto montado ao longo de sua carreira pública em Brasília graças a patrocinadores como o grupo JBS. A ascensão de Bolsonaro na carona da Lava-Jato manteve Mendes a uma distância regulamentar. O divórcio do presidente das instituições que pariram a operação, porém, abriu uma janela para a aproximação.

O primeiro passo já foi dado. Depois de ter seu pedido de suspensão das investigações do Ministério Público do Rio sobre o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), acolhido por Dias Toffoli, a defesa voltou a recorrer ao Supremo sob a alegação de descumprimento da decisão.

Desta vez, foi o ministro Gilmar Mendes quem acolheu o recurso e determinou o congelamento das investigações até que o caso seja julgado pelo plenário do Supremo. A família presidencial respirou mais aliviada. O senador desistiu do habeas corpus em que pedia a anulação das provas obtidas na investigação da movimentação financeira de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Ao capitanear uma modulação para os efeitos da decisão do Supremo anulando sentença em que o delator falou por último, Mendes reforça o papel que pretende voltar a exercer. Não o fará sem concorrência. O futuro procurador-geral da República, Augusto Aras, já manifestou mais interesse em aprofundar as investigações sobre a facada de Adélio Bispo do que sobre a conta bancária de Queiroz.

O poder singular de denunciante do presidente da República faz do PGR um alvo permanente de sondagens para uma cadeira na Corte. No depoimento que deu aos jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin, “Nada menos que tudo” (Planeta, 2019), Janot relata sondagens indiretas recebidas tanto nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.

Único signatário das demandas da associação de juristas evangélicos, Aras terá, ao longo do mandato bolsonarista, inúmeras oportunidades para construir um currículo de candidato a uma das duas vagas a serem abertas. O Ministério Público comandado por Aras é o alvo predileto do ministro Gilmar Mendes. Se tiver o Supremo por meta, porém, o novo procurador-geral ganha mais compondo com o ministro do que exercendo um poder concorrencial.

Com a ajuda de uma família presidencial enrolada, de um ministério público desabrido no desrespeito ao Estado de direito, e de um ex-procurador-geral que, em 245 páginas, cita dez vezes a palavra ‘vinho’ e seis, a ‘Constituição’, Mendes volta a disputar seu papel preferido de resolvedor-geral da República.
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A queda do terceiro general do governo Jair Bolsonaro, o ex-presidente do Incra, está para o atraso na titulação de terras da reforma agrária quanto o cargo do secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, está para sua defesa dos assentados. A fritura do general João Carlos Jesus Corrêa, que teve a oposição da ministra Tereza Cristina, atendeu à pressão da base de Nabhan Garcia, produtores rurais que ocupam terras irregularmente e buscam títulos de propriedade para ter franqueado o acesso ao crédito rural. Na corrida do governo Jair Bolsonaro por estabelecer um novo recorde na regularização de terras são os grileiros e não os assentados quem puxa a fila.

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