sábado, 19 de julho de 2008

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


GOVERNO TENTA REEDITAR A CLÁUSULA DE BARREIRA
Daniel Pereira Da equipe do Correio


Regra que condiciona a liberação de recursos públicos ao número de votos conquistados pelos partidos é um dos itens da reforma política

Na ofensiva que promete deflagar, depois das eleições, pela aprovação da reforma política, o governo tentará ressuscitar a chamada cláusula de barreira em seu formato original. A regra condiciona a liberação de recursos públicos e o direito a tempo de televisão e rádio ao desempenho dos partidos nas urnas. Na prática, tenta reduzir o número de legendas existentes no país e, assim, tornar mais fácil a governabilidade — ou seja, a relação entre o presidente da República e as siglas com mandatos no Congresso. Hoje, são 27 os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Do total, 14 estão aliados de forma oficial a Luiz Inácio Lula da Silva.


Segundo o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, a aprovação da cláusula de barreira é uma meta de curto prazo. A idéia do governo é incluí-la na Constituição. Assim, seria mais difícil o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubá-la, como fez em dezembro de 2006 ao analisar uma lei sobre o assunto. Na época, o STF julgou ações protocoladas por partidos de pequeno e médio portes, que alegavam ser prejudicados pela regra. A tendência é que reajam da mesma maneira quando a proposta voltar ao Congresso. Para vencer a disputa, o governo conta com o apoio das maiores siglas do país, as quais serão beneficiadas com a iniciativa.


Múcio nega que o objetivo seja facilitar a governabilidade. Afirma que a cláusula de barreira, associada à fidelidade partidária, dará identidade às legendas. “Não é nem para negociar, é para saber o pensamento do partido. Eu acho os partidos hoje muito parecidos, e o eleitor não se vincula a eles”, diz o ministro. “O clube de futebol, por ter bandeira, hino, camisa, forma de jogar, quando o jogador sai a torcida lamenta, mas fica. O partido é como se fosse uma torcida por jogadores isolados. Quando o jogador sai, a torcida vai atrás. Precisamos fortalecer os partidos.”
Primeiro round

Aprovada em 1995 com vigência plena a partir das eleições de 2006, a lei sobre cláusula de barreira dizia que só os partidos que conquistassem 5% dos votos para deputado federal em todo o país e, ao mesmo tempo, 2% dos votos para deputado federal em pelo menos nove unidades da Federação teriam direito a uma série de benefícios. Entre eles, um programa semestral em rede nacional de rádio e televisão, com duração de 20 minutos, e participação garantida no rateio de 99% dos recursos do fundo partidário, orçado em R$ 135 milhões neste ano. Em 2002, só PMDB, PT, PSDB, DEM, PSB, PDT e PP cumpriram tais exigências.

Pela legislação, as siglas com desempenho eleitoral abaixo do fixado dividiriam o 1% restante do fundo partidário e teriam dois minutos por semestre em rede nacional de rádio e TV. Contrariadas com o modelo, legendas de médio e pequeno portes recorreram ao Supremo. Venceram a disputa numa decisão unânime. Ao seguir o voto do relator, ministro Marco Aurélio de Mello, o plenário do tribunal disse que a cláusula impede a pluralidade partidária e a difusão de diferentes correntes de pensamento. Alguns ministros, como Cármem Lúcia, tacharam-na de “cláusula de exclusão”.

A derrota esmagadora no precedente não mudará os planos do governo. A área técnica alega que o STF não terá como derrubar uma emenda constitucional, juridicamente mais forte do que uma lei ordinária. Já os operadores políticos afirmam que o poder público não pode mais alimentar a sobrevivência de siglas sem representatividade, as quais, muitas vezes, vivem apenas para alugar seu espaço na mídia a políticos e legendas de maior expressão. O Planalto reconhece que PCdoB, PV e PPS, por exemplo, não fazem parte do grupo que se pretende expurgar.

Por isso, promete empenho para preservá-los. Para tanto, é possível que seja reeditada a idéia da federação de partidos. Ela abre a possibilidade de agremiações associadas, e não apenas siglas de forma isolada, superarem o número mínimo de votos exigidos pela cláusula de barreira.

Entrevista - José Múcio Monteiro


Fidelidade também na pauta do Planalto

Além da cláusula de barreira, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, informa ser prioridade para o governo a regulamentação da fidelidade partidária. A meta é assegurar a possibilidade de o político trocar de partido, respeitadas determinadas regras, sem correr o risco de perder o mandato. Múcio não diz qual receita será adotada. Se prevalecer a proposta em tramitação na Câmara, detentores de cargos eletivos terão direito de mudar de legenda nos meses de setembro do ano anterior ao da realização de eleições.


Por que o governo decidiu apresentar uma proposta de reforma política ao Congresso?

Na realidade, o governo não decidiu apresentar uma proposta de reforma política ao Congresso. O governo resolveu ajudar na discussão. Por isso, juntará todas as propostas que estão aí, a do Congresso, que já foi discutida, a da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Na primeira vez que apresentaram a proposta de reforma política, o governo não participou. Desta vez, o Executivo quer colaborar.


Há uma década esse assunto está no Congresso e não avança. Por que o senhor acha que agora será diferente?

Nós não podemos, por conta das dificuldades que enfrentamos há uma década, perder o estímulo, porque a cada dia que passa todo mundo acha que é necessário fazermos alguns aprimoramentos. Evoluímos em alguns pontos. Na questão de mudança partidária, no passado se podia sair de qualquer maneira (a qualquer hora). Agora, não pode sair de maneira nenhuma, com essa interpretação da Justiça de que o mandato é do partido, e não do parlamentar. Qual é a janela para alguém não ficar a vida toda vinculado a um partido? Precisamos avançar na questão da cláusula de barreira. Já avançamos no passado, mas não cuidamos de colocá-la na Constituição e ela caiu. Isso tudo é para discussão. A novidade é que o Executivo quer participar da discussão.


Além da fidelidade partidária e da cláusula de barreira, quais outras medidas são fundamentais?

Acho que esses dois pontos são os mais maduros e de mais curto prazo. Os outros são discussões mais profundas. Tem uma pesquisa que diz que nenhum país está satisfeito com o seu modelo. Quem tem voto em lista quer mudar, quem tem voto distrital quer deixar de ser distrital. De maneira que nós temos de adaptar à realidade brasileira.


Qual é o objetivo da reforma política?

É adaptar as condições eleitorais, os partidos, ao próprio tempo. A questão do suplente de senador, a questão dos vices, o número de senadores e deputados… O mundo ficou menor, as distâncias se encurtaram. Com a comunicação, as pessoas se aproximaram mais. Todos os países estão procurando se aprimorar.


A reforma também tornaria mais fácil a negociação com o Congresso, hoje feita com dezenas de partidos e num cenário de infidelidade?

Não é nem para negociar, é para saber o pensamento do partido. Qual é a bandeira dos partidos? O deputado mudou de um partido por conveniências pessoais e eleitorais ou por algum viés ideológico que o partido tem? Eu acho os partidos hoje muito parecidos, e o eleitor não se vincula a eles. Eu comparo sempre com um clube de futebol. O clube de futebol, por ter bandeira, hino, camisa, forma de jogar, quando o jogar sai a torcida lamenta, mas fica. O partido é como se fosse uma torcida por jogadores isolados. O resultado não é do conjunto. No partido, quando o jogador sai, a torcida vai atrás. O que precisamos é fortalecer os partidos.


Quer dizer, os partidos são parecidos por não ter identidade?

Exatamente.

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