LIMITES DO CARISMA
Rosângela Bittar
Ciente da importância da economia para a sua popularidade, o presidente da República e seus assessores políticos não devem se deixar ludibriar, e há sinais de que estão atentos à realidade, pelos dados favoráveis da pesquisa CNI-IBOPE, divulgada ontem, que ainda apontam a ausência de influência da volta da inflação sobre a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Caiu o índice dos que acham que o governo agirá certo no combate à inflação e, um dado pouco comentado na ocasião, a pesquisa mostrou também que, pela primeira vez, a desaprovação na forma de combate à inflação ultrapassou a aprovação, e no patamar mais baixo de escolaridade, até a quarta série do ensino fundamental.
O fato de a popularidade não registrar a oscilação da economia não quer dizer que está dela livre. A dimensão econômica é a mais associada à avaliação de governos e aprovação de presidentes. Com Lula, apesar do grande carisma, não deve ser diferente. "Nada pune mais governos, no sentido de deprimir a avaliação positiva, do que a inflação. A inflação tem uma capacidade erosiva maior do que o desemprego sobre a imagem dos governos, porque ela atinge a todos e ao mesmo tempo", afirma o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, da MCI, que analisou os dados do Ibope. No entanto, assinala, isto não ocorre imediatamente, nem quando se inicia a crise, nem quando ela termina.
Um exemplo clássico deste espaço de tempo, segundo Lavareda, foi o período em que Bill Clinton disputou, e venceu, a eleição contra George Bush. As pesquisas no momento da eleição mostravam que, para a maioria da população, a economia estava mal e, na verdade, havia cerca de dez meses que os Estados Unidos já se recuperavam objetivamente da recessão. "Quando vem a crise econômica, a população não percebe de imediato, não faz vinculação direta entre o estado da economia e o desempenho do governo e, também, ao final da crise, não gratifica o governo instantaneamente".
Quanto tempo leva para haver a relação de causa e efeito não dá para calcular, "não é madracaria", diz o professor. "A população aprova o governo, espera sua ação. Está indo ao supermercado, lê jornal. Seis meses depois começa a associar a situação de inflação à incúria ou omissão do governo responsável, aos seus olhos, por enfrentar o problema. Aí, sim, pune o governo com a avaliação negativa quando não aparecem respostas efetivas".
Mantega, mesmo desnudo, não pediu o boné
O presidente Lula não está esperando quieto e vem acionando alarmes. Sinal de que está atento ao cronograma é o teor da entrevista do chefe de gabinete do Presidente da República, Gilberto Carvalho, à revista "Veja" desta semana, em que desnuda o ministro da Fazenda, Guido Mantega, no menosprezo com que o presidente recebe a colaboração de tão importante auxiliar na execução da política econômica.
Assessor mais próximo de Lula, que com ele está o dia todo, e todos os dias, Gilberto Carvalho reconhece como axioma no governo que a razão do sucesso popular do presidente é 90%, a economia, sendo os 10% restantes advindos do carisma. Ele afirmou que Lula não suportará a volta da inflação e aproveitou para contar que o ministro da Fazenda, há alguns dias, disse ao presidente que não era preciso ficar tão preocupado com a inflação porque ela estaria "restrita aos alimentos". Lula, revelou Carvalho, irritou-se e reagiu de forma ríspida.
Sabendo-se da tensão do presidente com esta questão, dá até para imaginar a extensão da rispidez - que, de resto, não parece ter tido efeitos sobre o ministro que não esboçou a menor intenção de pedir o boné. No Palácio do Planalto informa-se que o presidente Lula vinha tratando de maneira especial a inflação. Lula tinha feito saber ao próprio Mantega, ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e ao senador Aluisio Mercadante, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que era crescente sua preocupação com o problema. Em encontros setoriais que promoveu fora do governo, alertava que, diariamente, estava olhando os dados para ver se precisava intervir de forma mais incisiva.
Lula está agora advertindo seus interlocutores, também informa-se na Presidência , que não tem campanha eleitoral que o faça evitar medidas amargas se a inflação estiver rondando. Portanto, apesar de, "para fora", como se diz na assessoria do presidente, o governo mostrar-se eufórico com as descobertas na área do petróleo e outros feitos da economia, "para dentro" o alerta é vermelho e o clima de atenção e cuidados.
Fantasias eleitorais
Os sorrisos e discursos produzidos no encontro de palanque entre o presidente Lula, o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel, celebrando algo que não aconteceu, exalam combinação para disfarçar perdas. Um faz de conta que tenta esconder o fracasso da aliança do PT e do PSDB em Belo Horizonte em torno da candidatura de Márcio Lacerda, do PSB, a prefeito do município.
O apoio de Lula à união não estava em questão, há muito se dizia que ele dera sinal verde ao prefeito Pimentel para levar adiante a conversa com o governador. E teria também recomendado à Executiva Nacional do PT aprovação às decisões regionais. Por que foi tão explícito, agora, quando condenou a direção do PT que não aceitou as decisões a favor da formal aliança, não se sabe. A posição real do presidente, neste caso, pode ser medida pelo diálogo que teve com seu ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência. Luiz Dulci, o mais resistente petista ao acordo de Minas, soube que Lula apoiava a aliança e foi cobrar definição do presidente: "Se forem razões de Estado, pode me substituir, se não, vou resolver no partido", teria dito o ministro, segundo informações do PT. Lula foi tranquilizador: "É problema do partido". O governador Aécio Neves teve que engolir a "coligação informal", que tem ônus sem direito a bônus. O governador terá que pedir votos para o PT e ficar fora da TV.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Rosângela Bittar
Ciente da importância da economia para a sua popularidade, o presidente da República e seus assessores políticos não devem se deixar ludibriar, e há sinais de que estão atentos à realidade, pelos dados favoráveis da pesquisa CNI-IBOPE, divulgada ontem, que ainda apontam a ausência de influência da volta da inflação sobre a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Caiu o índice dos que acham que o governo agirá certo no combate à inflação e, um dado pouco comentado na ocasião, a pesquisa mostrou também que, pela primeira vez, a desaprovação na forma de combate à inflação ultrapassou a aprovação, e no patamar mais baixo de escolaridade, até a quarta série do ensino fundamental.
O fato de a popularidade não registrar a oscilação da economia não quer dizer que está dela livre. A dimensão econômica é a mais associada à avaliação de governos e aprovação de presidentes. Com Lula, apesar do grande carisma, não deve ser diferente. "Nada pune mais governos, no sentido de deprimir a avaliação positiva, do que a inflação. A inflação tem uma capacidade erosiva maior do que o desemprego sobre a imagem dos governos, porque ela atinge a todos e ao mesmo tempo", afirma o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, da MCI, que analisou os dados do Ibope. No entanto, assinala, isto não ocorre imediatamente, nem quando se inicia a crise, nem quando ela termina.
Um exemplo clássico deste espaço de tempo, segundo Lavareda, foi o período em que Bill Clinton disputou, e venceu, a eleição contra George Bush. As pesquisas no momento da eleição mostravam que, para a maioria da população, a economia estava mal e, na verdade, havia cerca de dez meses que os Estados Unidos já se recuperavam objetivamente da recessão. "Quando vem a crise econômica, a população não percebe de imediato, não faz vinculação direta entre o estado da economia e o desempenho do governo e, também, ao final da crise, não gratifica o governo instantaneamente".
Quanto tempo leva para haver a relação de causa e efeito não dá para calcular, "não é madracaria", diz o professor. "A população aprova o governo, espera sua ação. Está indo ao supermercado, lê jornal. Seis meses depois começa a associar a situação de inflação à incúria ou omissão do governo responsável, aos seus olhos, por enfrentar o problema. Aí, sim, pune o governo com a avaliação negativa quando não aparecem respostas efetivas".
Mantega, mesmo desnudo, não pediu o boné
O presidente Lula não está esperando quieto e vem acionando alarmes. Sinal de que está atento ao cronograma é o teor da entrevista do chefe de gabinete do Presidente da República, Gilberto Carvalho, à revista "Veja" desta semana, em que desnuda o ministro da Fazenda, Guido Mantega, no menosprezo com que o presidente recebe a colaboração de tão importante auxiliar na execução da política econômica.
Assessor mais próximo de Lula, que com ele está o dia todo, e todos os dias, Gilberto Carvalho reconhece como axioma no governo que a razão do sucesso popular do presidente é 90%, a economia, sendo os 10% restantes advindos do carisma. Ele afirmou que Lula não suportará a volta da inflação e aproveitou para contar que o ministro da Fazenda, há alguns dias, disse ao presidente que não era preciso ficar tão preocupado com a inflação porque ela estaria "restrita aos alimentos". Lula, revelou Carvalho, irritou-se e reagiu de forma ríspida.
Sabendo-se da tensão do presidente com esta questão, dá até para imaginar a extensão da rispidez - que, de resto, não parece ter tido efeitos sobre o ministro que não esboçou a menor intenção de pedir o boné. No Palácio do Planalto informa-se que o presidente Lula vinha tratando de maneira especial a inflação. Lula tinha feito saber ao próprio Mantega, ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e ao senador Aluisio Mercadante, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que era crescente sua preocupação com o problema. Em encontros setoriais que promoveu fora do governo, alertava que, diariamente, estava olhando os dados para ver se precisava intervir de forma mais incisiva.
Lula está agora advertindo seus interlocutores, também informa-se na Presidência , que não tem campanha eleitoral que o faça evitar medidas amargas se a inflação estiver rondando. Portanto, apesar de, "para fora", como se diz na assessoria do presidente, o governo mostrar-se eufórico com as descobertas na área do petróleo e outros feitos da economia, "para dentro" o alerta é vermelho e o clima de atenção e cuidados.
Fantasias eleitorais
Os sorrisos e discursos produzidos no encontro de palanque entre o presidente Lula, o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel, celebrando algo que não aconteceu, exalam combinação para disfarçar perdas. Um faz de conta que tenta esconder o fracasso da aliança do PT e do PSDB em Belo Horizonte em torno da candidatura de Márcio Lacerda, do PSB, a prefeito do município.
O apoio de Lula à união não estava em questão, há muito se dizia que ele dera sinal verde ao prefeito Pimentel para levar adiante a conversa com o governador. E teria também recomendado à Executiva Nacional do PT aprovação às decisões regionais. Por que foi tão explícito, agora, quando condenou a direção do PT que não aceitou as decisões a favor da formal aliança, não se sabe. A posição real do presidente, neste caso, pode ser medida pelo diálogo que teve com seu ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência. Luiz Dulci, o mais resistente petista ao acordo de Minas, soube que Lula apoiava a aliança e foi cobrar definição do presidente: "Se forem razões de Estado, pode me substituir, se não, vou resolver no partido", teria dito o ministro, segundo informações do PT. Lula foi tranquilizador: "É problema do partido". O governador Aécio Neves teve que engolir a "coligação informal", que tem ônus sem direito a bônus. O governador terá que pedir votos para o PT e ficar fora da TV.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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