Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Toda crise financeira envolve uma fase de contração de crédito. Ela é precedida por uma fase inicial de expansão seguida de euforia; quando acontecem os excessos, temos a crise. O Fed e outros bancos centrais responderam rapidamente reduzindo a taxa de juros ou provendo liquidez abundante, de forma que não vamos assistir a uma sucessão de quebras de bancos como na crise de 1930. Entretanto, dada a magnitude dos prejuízos dos grandes bancos, é provável que, nesta crise, a contração de crédito seja profunda e prolongada.
A era de crédito abundante e de euforia, com a captação farta de recursos baratos via IPOs e emissões de dívida, chegou ao final. A contração de crédito e elevação da taxa de juros chegou também ao Brasil. Não por acaso, as empresas estrangeiras remeteram mais de US$ 18 bilhões para suas matrizes no primeiro semestre deste ano e a saída de recursos da Bolsa de Valores atingiu US$ 15 bilhões no mesmo período. Está havendo uma realocação de ativos de renda variável para renda fixa e depósitos bancários, além de mudança de atitude dos investidores estrangeiros. Busca-se liquidez - e a época de forte valorização de ativos e real superapreciado parece ter chegado ao fim.
Para se ter uma idéia da magnitude da contração de liquidez, basta lembrar que o FMI estima que os bancos e instituições de crédito terão um perda de capital próprio de cerca de US$ 1 trilhão. Isto implica uma contração da oferta de crédito da ordem de US$ 8 trilhões a US$ 10 trilhões. O que é possível também é que o Congresso americano venha a impor uma regulação mais restritiva e os órgãos oficiais, que supostamente deveriam ter supervisionado as instituições criadoras de crédito, venham a ter controle mais rigoroso. Desta forma, o início do novo ciclo de crescimento econômico, pós-crise, que demanda crédito abundante e novas formas de expansão, poderá ser mais demorado do que se imagina. Podemos esperar mudanças na forma de operação dos bancos e dos bancos de investimento, e tudo indica também que os fundos soberanos dos países emergentes e exportadores de petróleo, que detêm hoje recursos de mais de US$ 2,5 trilhões, terão uma papel importante no sistema financeiro internacional.
O superávit em transações correntes se reduz na China e, em contrapartida, o déficit em transações correntes nos Estados Unidos se contrai
O longo ciclo de forte expansão de liquidez global que agora chega ao final tinha três dimensões: forte expansão da liquidez do sistema financeiro (medido pela capacidade do sistema converter em liquidez imediata a riqueza nacional, isto é, a produção futura); expansão da liquidez monetária; e excesso de poupança dos países em rápido crescimento. Agora o ciclo se inverte e nas três dimensões a liquidez se contrai.
A primeira dimensão da liquidez do sistema financeiro teve profundo aumento em função dos socorros pelos governos às instituições em dificuldade/crise, introduzindo incentivo assimétrico à expansão de crédito (risco moral). Esta liquidez aumentou também em função da retração das autoridades reguladoras, das inovações financeiras e pela integração global dos mercados. Como vimos acima, este sistema entrou em profunda contração e deverá sofrer grande reestruturação.
A segunda dimensão da liquidez, a monetária, pode ser medida pela expansão dos diversos agregados monetários e de crédito, que aumentaram muito mais rapidamente do que o PIB nominal nos últimos 15 anos. Isto ocorreu em função da adoção da política de meta de inflação, que controla a taxa de juros, e não os agregados - estes passaram a ser determinados endogenamente. Com a crise financeira e o novo contexto inflacionário, os BCs estão ampliando o seu campo de preocupações e de ação e certamente controlarão com mais rigor o grau de alavancagem das instituições criadoras de crédito. Além disso, é importante lembrar que a fase de pressão deflacionária global parece ter chegado ao fim. Hoje existem pressões inflacionárias oriundas do excesso de demanda global de commodities. Há indicações de que o ajuste competitivo de preços dos manufaturados no mercado internacional começa a ser feito mais pela elevação de salários na China do que pela redução nos seus preços. Se isto for verdade, as atuais regras de política monetária de controle dos juros e expansão livre e endógena dos agregados monetários e de crédito terão que ser adaptadas para este novo contexto. Isto significa que a longa fase de expansão dos agregados monetários e de crédito acima do PIB nominal poderão chegar ao seu fim.
Finalmente, a terceira dimensão é o grande excesso de poupança, ou seja, de grandes superávits em transações correntes de alguns países emergentes. Este excesso de poupança em países de rápido crescimento ocorria porque as exportações cresciam muito mais do que o consumo doméstico. Nestes países, dado o subdesenvolvimento e o reduzido tamanho e profundidade do sistema financeiro, havia uma escassez de ativos financeiros com credibilidade e aceitação pelo mercado para os quais a poupança pudesse ser canalizada. Com a integração dos mercados financeiros, o excesso de poupança destes países foram canalizados para os mercados financeiros desenvolvidos e o excesso de liquidez local se transformou num excesso de liquidez global, com fortes pressões sobre os preço de ativos em escala global. Do lado real da economia, este fenômeno se traduziu na forte expansão econômica baseada no aumento do consumo e de investimento em novas residências pela economia americana e de alguns outros países, como a Espanha e Inglaterra. Este excesso de consumo destes países era a contrapartida do superávit de países com excesso de poupança como China.
Com o fim do "boom" imobiliário, a situação se reverteu. Nos Estados Unidos, o dólar se deprecia fortemente, as exportações começam a crescer - cerca de 23% nos últimos 12 meses -, enquanto a consumo tende a contrair. O contrário está ocorrendo na China. As suas exportações desaceleram 17% em dólar nos últimos 12 meses e 12% em yuan nos últimos três meses. Com isso, a expansão do consumo doméstico, agora, mantém o seu ritmo de crescimento. O excesso de poupança cai, isto é, o superávit em transações correntes se reduz na China e, em contrapartida, o déficit em transações correntes nos Estados Unidos se contrai.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Toda crise financeira envolve uma fase de contração de crédito. Ela é precedida por uma fase inicial de expansão seguida de euforia; quando acontecem os excessos, temos a crise. O Fed e outros bancos centrais responderam rapidamente reduzindo a taxa de juros ou provendo liquidez abundante, de forma que não vamos assistir a uma sucessão de quebras de bancos como na crise de 1930. Entretanto, dada a magnitude dos prejuízos dos grandes bancos, é provável que, nesta crise, a contração de crédito seja profunda e prolongada.
A era de crédito abundante e de euforia, com a captação farta de recursos baratos via IPOs e emissões de dívida, chegou ao final. A contração de crédito e elevação da taxa de juros chegou também ao Brasil. Não por acaso, as empresas estrangeiras remeteram mais de US$ 18 bilhões para suas matrizes no primeiro semestre deste ano e a saída de recursos da Bolsa de Valores atingiu US$ 15 bilhões no mesmo período. Está havendo uma realocação de ativos de renda variável para renda fixa e depósitos bancários, além de mudança de atitude dos investidores estrangeiros. Busca-se liquidez - e a época de forte valorização de ativos e real superapreciado parece ter chegado ao fim.
Para se ter uma idéia da magnitude da contração de liquidez, basta lembrar que o FMI estima que os bancos e instituições de crédito terão um perda de capital próprio de cerca de US$ 1 trilhão. Isto implica uma contração da oferta de crédito da ordem de US$ 8 trilhões a US$ 10 trilhões. O que é possível também é que o Congresso americano venha a impor uma regulação mais restritiva e os órgãos oficiais, que supostamente deveriam ter supervisionado as instituições criadoras de crédito, venham a ter controle mais rigoroso. Desta forma, o início do novo ciclo de crescimento econômico, pós-crise, que demanda crédito abundante e novas formas de expansão, poderá ser mais demorado do que se imagina. Podemos esperar mudanças na forma de operação dos bancos e dos bancos de investimento, e tudo indica também que os fundos soberanos dos países emergentes e exportadores de petróleo, que detêm hoje recursos de mais de US$ 2,5 trilhões, terão uma papel importante no sistema financeiro internacional.
O superávit em transações correntes se reduz na China e, em contrapartida, o déficit em transações correntes nos Estados Unidos se contrai
O longo ciclo de forte expansão de liquidez global que agora chega ao final tinha três dimensões: forte expansão da liquidez do sistema financeiro (medido pela capacidade do sistema converter em liquidez imediata a riqueza nacional, isto é, a produção futura); expansão da liquidez monetária; e excesso de poupança dos países em rápido crescimento. Agora o ciclo se inverte e nas três dimensões a liquidez se contrai.
A primeira dimensão da liquidez do sistema financeiro teve profundo aumento em função dos socorros pelos governos às instituições em dificuldade/crise, introduzindo incentivo assimétrico à expansão de crédito (risco moral). Esta liquidez aumentou também em função da retração das autoridades reguladoras, das inovações financeiras e pela integração global dos mercados. Como vimos acima, este sistema entrou em profunda contração e deverá sofrer grande reestruturação.
A segunda dimensão da liquidez, a monetária, pode ser medida pela expansão dos diversos agregados monetários e de crédito, que aumentaram muito mais rapidamente do que o PIB nominal nos últimos 15 anos. Isto ocorreu em função da adoção da política de meta de inflação, que controla a taxa de juros, e não os agregados - estes passaram a ser determinados endogenamente. Com a crise financeira e o novo contexto inflacionário, os BCs estão ampliando o seu campo de preocupações e de ação e certamente controlarão com mais rigor o grau de alavancagem das instituições criadoras de crédito. Além disso, é importante lembrar que a fase de pressão deflacionária global parece ter chegado ao fim. Hoje existem pressões inflacionárias oriundas do excesso de demanda global de commodities. Há indicações de que o ajuste competitivo de preços dos manufaturados no mercado internacional começa a ser feito mais pela elevação de salários na China do que pela redução nos seus preços. Se isto for verdade, as atuais regras de política monetária de controle dos juros e expansão livre e endógena dos agregados monetários e de crédito terão que ser adaptadas para este novo contexto. Isto significa que a longa fase de expansão dos agregados monetários e de crédito acima do PIB nominal poderão chegar ao seu fim.
Finalmente, a terceira dimensão é o grande excesso de poupança, ou seja, de grandes superávits em transações correntes de alguns países emergentes. Este excesso de poupança em países de rápido crescimento ocorria porque as exportações cresciam muito mais do que o consumo doméstico. Nestes países, dado o subdesenvolvimento e o reduzido tamanho e profundidade do sistema financeiro, havia uma escassez de ativos financeiros com credibilidade e aceitação pelo mercado para os quais a poupança pudesse ser canalizada. Com a integração dos mercados financeiros, o excesso de poupança destes países foram canalizados para os mercados financeiros desenvolvidos e o excesso de liquidez local se transformou num excesso de liquidez global, com fortes pressões sobre os preço de ativos em escala global. Do lado real da economia, este fenômeno se traduziu na forte expansão econômica baseada no aumento do consumo e de investimento em novas residências pela economia americana e de alguns outros países, como a Espanha e Inglaterra. Este excesso de consumo destes países era a contrapartida do superávit de países com excesso de poupança como China.
Com o fim do "boom" imobiliário, a situação se reverteu. Nos Estados Unidos, o dólar se deprecia fortemente, as exportações começam a crescer - cerca de 23% nos últimos 12 meses -, enquanto a consumo tende a contrair. O contrário está ocorrendo na China. As suas exportações desaceleram 17% em dólar nos últimos 12 meses e 12% em yuan nos últimos três meses. Com isso, a expansão do consumo doméstico, agora, mantém o seu ritmo de crescimento. O excesso de poupança cai, isto é, o superávit em transações correntes se reduz na China e, em contrapartida, o déficit em transações correntes nos Estados Unidos se contrai.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras
Nenhum comentário:
Postar um comentário