Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Na manhã em que os resultados eleitorais foram oficializados, a Bolsa de Valores de São Paulo fechou duas vezes seguidas. Naquela manhã em que o se-mexer-piora se oficializava nas urnas de 5.562 municípios brasileiros, a negociação doméstica de valores, seguindo o inaudito desmonte do sistema financeiro internacional, parecia não deixar pedra sobre pedra.
Enquanto no mercado financeiro as análises iam pelo tom do "se houver amanhã", os prognósticos eleitorais se esmeravam em pautar o futuro pelos resultados já colhidos. Apesar da hecatombe, o mundo ainda não acabou. E, malgrados os vaticínios, os rumos da política nacional não estão escritos nas cartas municipais. O que as urnas do domingo têm a colher das bolsas da segunda-feira é se haverá outra eleição da continuidade.
Se as urnas resultaram em inéditos 66% de reeleição aos prefeitos, como calcula a Confederação Nacional de Municípios, é porque suas gestões, em geral, têm tido saúde financeira para fazer investimentos e melhorar os serviços públicos municipais. Nada disso seria possível num ambiente de retração econômica dizimando a arrecadação tributária própria dos municípios e as transferências da União e dos Estados.
São outras as cobranças do eleitor sobre o presidente da República, mas todas estão igualmente relacionadas aos indicadores da produção nacional. As cinco eleições presidenciais desde a ditadura já foram suficientes para se conhecer o impacto da atividade econômica sobre as expectativas eleitorais. A estabilidade da moeda deu duas eleições a Fernando Henrique Cardoso. A pressão por mudança na letargia econômica que se seguiu elegeu Luiz Inácio Lula da Silva e o crescimento o reelegeu.
A paralisação dos negócios da Bovespa duas vezes seguidas num único dia só havia acontecido antes uma única vez, em 1998, às vésperas da reeleição de FHC, desencadeando a crise cambial que explodiria antes da posse e minaria as chances de o presidente fazer seu sucessor.
Muita coisa mudou na economia brasileira mas não a ponto de se considerar que as chances de o governador José Serra eleger-se presidente estejam mais relacionadas à eleição paulistana do que à contaminação da vida real pela crise financeira.
Uma provável vitória de Gilberto Kassab em São Paulo, combinada às dificuldades de Márcio Lacerda em BH, guarda mais relação com as expectativas políticas em relação às chances da oposição em 2010 do que com o mercado de votos, como sói acontecer com essas disputas que intermedeiam eleições gerais.
Presidente da República nunca definiu eleição municipal nem teve sucessão definida por ela. Se os partidos governistas são vencedores é porque a conservação do poder foi a tônica numa eleição em que eles já ocupavam a maioria das prefeituras do país. Só se deseja a continuidade do que vai bem. E não há prefeituras saudáveis num país que vai mal. Mas transferência de voto de presidente para prefeito ou vice-versa é outra coisa. Se é que existe.
Só para ficar no decantado exemplo de São Paulo. Fernando Henrique Cardoso elegeu-se presidente da República depois de ter perdido uma eleição paulistana. A única eleição que Lula venceu em São Paulo foi a de 2002, contra Serra, e ainda assim, por uma diferença de 2% dos votos, quando o resultado nacional lhe deu uma vantagem geral de 22%. Marta era prefeita à época. Mas é quase um desvario imaginar que sua gestão à frente da Prefeitura, por melhor que fosse, tenha sido mais decisiva para a votação de Lula na capital do que a crise do final do governo FHC.
Não há sinais visíveis de que o governo Lula venha a sofrer semelhante desgaste. Nos seus dois mandatos, o governo FHC não chegou a crescer, em média, 2,5%. A média anual do governo Lula é de 3,8%. Nenhum análise séria derruba a previsão para este ano para aquém dos 5%. O baque viria em 2009, entre os 2,5% dos economistas brasileiros e os 3,5% do FMI. Nada parecido aos dois anos de crescimento zero de 98/98.
Os analistas vinculam a recuperação em 2010 às cotações internacionais dos produtos agrícolas e à oferta de crédito para financiar as exportações. Lula conheceu, em 2006, os danos eleitorais de uma agricultura em retração. Perdeu, no primeiro turno, em quase todos os Estados que têm nas commodities agrícolas o esteio de sua economia. Recuperou-se no segundo turno graças à conversão e mobilização política de governadores desses Estados eleitos no primeiro.
O impacto dessa turbulência financeira sobre as chances de Serra e Dilma Rousseff na sucessão presidencial é que pode tornar visível o embate entre a pressão por mudança e a força política da conservação do poder. Vem daí que o fortalecimento do PMDB como balizador da polarização da política nacional seja o resultado mais consequente das urnas de domingo - uma eleição conservadora num país que pode estar mudando.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Na manhã em que os resultados eleitorais foram oficializados, a Bolsa de Valores de São Paulo fechou duas vezes seguidas. Naquela manhã em que o se-mexer-piora se oficializava nas urnas de 5.562 municípios brasileiros, a negociação doméstica de valores, seguindo o inaudito desmonte do sistema financeiro internacional, parecia não deixar pedra sobre pedra.
Enquanto no mercado financeiro as análises iam pelo tom do "se houver amanhã", os prognósticos eleitorais se esmeravam em pautar o futuro pelos resultados já colhidos. Apesar da hecatombe, o mundo ainda não acabou. E, malgrados os vaticínios, os rumos da política nacional não estão escritos nas cartas municipais. O que as urnas do domingo têm a colher das bolsas da segunda-feira é se haverá outra eleição da continuidade.
Se as urnas resultaram em inéditos 66% de reeleição aos prefeitos, como calcula a Confederação Nacional de Municípios, é porque suas gestões, em geral, têm tido saúde financeira para fazer investimentos e melhorar os serviços públicos municipais. Nada disso seria possível num ambiente de retração econômica dizimando a arrecadação tributária própria dos municípios e as transferências da União e dos Estados.
São outras as cobranças do eleitor sobre o presidente da República, mas todas estão igualmente relacionadas aos indicadores da produção nacional. As cinco eleições presidenciais desde a ditadura já foram suficientes para se conhecer o impacto da atividade econômica sobre as expectativas eleitorais. A estabilidade da moeda deu duas eleições a Fernando Henrique Cardoso. A pressão por mudança na letargia econômica que se seguiu elegeu Luiz Inácio Lula da Silva e o crescimento o reelegeu.
A paralisação dos negócios da Bovespa duas vezes seguidas num único dia só havia acontecido antes uma única vez, em 1998, às vésperas da reeleição de FHC, desencadeando a crise cambial que explodiria antes da posse e minaria as chances de o presidente fazer seu sucessor.
Muita coisa mudou na economia brasileira mas não a ponto de se considerar que as chances de o governador José Serra eleger-se presidente estejam mais relacionadas à eleição paulistana do que à contaminação da vida real pela crise financeira.
Uma provável vitória de Gilberto Kassab em São Paulo, combinada às dificuldades de Márcio Lacerda em BH, guarda mais relação com as expectativas políticas em relação às chances da oposição em 2010 do que com o mercado de votos, como sói acontecer com essas disputas que intermedeiam eleições gerais.
Presidente da República nunca definiu eleição municipal nem teve sucessão definida por ela. Se os partidos governistas são vencedores é porque a conservação do poder foi a tônica numa eleição em que eles já ocupavam a maioria das prefeituras do país. Só se deseja a continuidade do que vai bem. E não há prefeituras saudáveis num país que vai mal. Mas transferência de voto de presidente para prefeito ou vice-versa é outra coisa. Se é que existe.
Só para ficar no decantado exemplo de São Paulo. Fernando Henrique Cardoso elegeu-se presidente da República depois de ter perdido uma eleição paulistana. A única eleição que Lula venceu em São Paulo foi a de 2002, contra Serra, e ainda assim, por uma diferença de 2% dos votos, quando o resultado nacional lhe deu uma vantagem geral de 22%. Marta era prefeita à época. Mas é quase um desvario imaginar que sua gestão à frente da Prefeitura, por melhor que fosse, tenha sido mais decisiva para a votação de Lula na capital do que a crise do final do governo FHC.
Não há sinais visíveis de que o governo Lula venha a sofrer semelhante desgaste. Nos seus dois mandatos, o governo FHC não chegou a crescer, em média, 2,5%. A média anual do governo Lula é de 3,8%. Nenhum análise séria derruba a previsão para este ano para aquém dos 5%. O baque viria em 2009, entre os 2,5% dos economistas brasileiros e os 3,5% do FMI. Nada parecido aos dois anos de crescimento zero de 98/98.
Os analistas vinculam a recuperação em 2010 às cotações internacionais dos produtos agrícolas e à oferta de crédito para financiar as exportações. Lula conheceu, em 2006, os danos eleitorais de uma agricultura em retração. Perdeu, no primeiro turno, em quase todos os Estados que têm nas commodities agrícolas o esteio de sua economia. Recuperou-se no segundo turno graças à conversão e mobilização política de governadores desses Estados eleitos no primeiro.
O impacto dessa turbulência financeira sobre as chances de Serra e Dilma Rousseff na sucessão presidencial é que pode tornar visível o embate entre a pressão por mudança e a força política da conservação do poder. Vem daí que o fortalecimento do PMDB como balizador da polarização da política nacional seja o resultado mais consequente das urnas de domingo - uma eleição conservadora num país que pode estar mudando.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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