sexta-feira, 10 de outubro de 2008

E o Banco Central agiu...


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Felizmente, o BC deixou de lado o tratamento jocoso que Lula tem dado à crise e foi à luta de maneira eficiente

NA COLUNA da semana passada, alertei para os primeiros sinais -ainda de natureza financeira- de que a crise que estamos vivendo nas principais economias do mundo havia chegado forte ao Brasil. Fui ainda mais longe ao pedir uma ação decisiva por parte do Banco Central para evitar problemas de maior gravidade, principalmente no setor produtivo. Posteriormente, o mercado foi informado de que empresas brasileiras haviam realizado volumes incríveis -aparentemente US$ 60 bilhões- de operações especulativas com a taxa de câmbio. Ao contrário do que disse nosso presidente, a especulação não era contra o real, mas a favor da nossa moeda. Imprudentes, algumas empresas apostaram na queda continuada da taxa de câmbio como forma de reduzir os custos de seus empréstimos.

Apanhadas em um movimento mundial de valorização do dólar, acabaram por provocar um desequilíbrio extraordinário no mercado futuro da BM&F, ao tentar cobrir suas posições. Para a especulação passar do dólar futuro para o mercado à vista, foi um passo. Dessa forma, um desequilíbrio de caixa que afetou poucas empresas transformou-se em um choque de oferta importante no lado real da economia. O real chegou a R$ 2,50 por dólar -uma desvalorização de quase 50% em poucas semanas. Se a febre em nossa economia estava na casa dos 38 graus, com o choque do câmbio chegou a atingir, na última quarta-feira, mais de 40 graus. Nessa situação, somente um tratamento de choque -tipo banheira com água gelada- poderia evitar o pior. E, felizmente, o Banco Central deixou de lado o tratamento jocoso que Lula tem dado à crise e foi à luta de maneira eficiente.

Quando escrevo esta coluna, o paciente já dá sinais de melhora, e a taxa de câmbio deve voltar a refletir apenas o realinhamento global das moedas emergentes. Com isso, o governo pode se preocupar com os desdobramentos dos impactos da crise externa. O primeiro ponto é a recomposição da liquidez do sistema bancário, principalmente no segmento dos bancos médios e pequenos. A redução dos depósitos compulsórios, principalmente no segmento mais atingido pela crise, é uma decisão correta e eficiente. Agora será preciso monitorar a forma como esses recursos serão reciclados para a economia. Já temos sinais claros de que os bancos estão evitando expandir seus empréstimos por conta dos riscos -reais ou imaginários- que vão aparecer em uma economia submetida a uma parada brusca em sua liquidez. A eficiência da medida tomada está diretamente ligada à forma como os bancos vão tratar a questão do crédito daqui para a frente.

Nesse aspecto, os elevados prejuízos criados pela especulação com a taxa de câmbio vieram reforçar o comportamento cauteloso, medroso até, do sistema financeiro. Não posso deixar de citar outra questão que me preocupa hoje. A brusca interrupção das operações de ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio) já está criando uma queda importante da disponibilidade de dólares no mercado. Afinal, entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões em adiantamentos de câmbio vinham irrigando o mercado.

Isso é importante porque, nos últimos anos, o câmbio comercial foi o amortecedor natural do mercado, permitindo estabilidade mesmo em momentos de fortes remessas de capital financeiro para o exterior. Caso persistam as saídas de capital de curto prazo -ações e títulos de renda fixa-, poderemos viver uma nova fase de desvalorização do real.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 65, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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