Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
As medidas provisórias se tornaram uma espécie de panaceia obsessiva do Congresso. Servem para simular independência em relação ao governo, para robustecer discursos eleitorais, são usadas como instrumento de pressão ou mesmo de afirmação individual e coletiva quando se faz necessário.
Legítimos paus para toda obra, prestam também um excelente serviço ao voluntário exercício de miopia galopante de senadores e deputados que fixam o foco de suas reclamações no excesso de MPs editadas pelo Palácio do Planalto e desviam o olhar da profundidade do buraco onde está no Poder Legislativo.
Fiéis à regra, os senadores Tião Viana e Garibaldi Alves, candidatos a presidir o Senado no biênio 2009/2010, fazem delas a principal peça de suas campanhas.
Viana voltou-se, em carta divulgada no início da semana, contra a “gana legiferante do Executivo” e Garibaldi convoca - também em carta, distribuída ontem - o Parlamento a dar uma resposta à altura da “exorbitância” do Planalto, que, segundo ele, “teima em confrontar a Constituição”.
Com todo o respeito que o Congresso Nacional não confere a si, a instituição não anda moralmente autorizada a falar em confrontos de natureza legal.
Quando pode, subverte preceitos constitucionais. Seja resistindo ao cumprimento de decisões judiciais referidas no texto da Carta (e não tiradas das cabeças dos magistrados como quer fazer crer a tola tese da “judicialização” da política), seja ignorando princípios como o da impessoalidade no serviço público ou da probidade para exercício de mandato eletivo.
Aniquila o que diz a Constituição principalmente quando insiste em ignorar - para ficar no tema da predileção do Parlamento - o trecho que dá aos congressistas a prerrogativa de devolver quaisquer medidas provisórias ilegais ou que não se enquadrem nas exigências de relevância e urgência.
A abordagem desse tema é recorrente. Mas justifica-se, porque recorrente também é a insistência do Congresso em fazer das medidas provisórias uma tradução exclusiva e equivocada de todos os seus problemas.
Ainda que fosse o único foco de infecção, a queixa permanente continuaria sendo injustificada. O Parlamento não é uma agremiação indefesa, presa à sanha do Executivo - nem do Judiciário. É um poder que, quando quer, faz valer os seus poderes.
Impõe à sociedade absolvições ao arrepio dos fatos, ameaça criar leis vingativas, inventa regras para derrubar correções de rumo, patrocina acertos os mais escandalosos possíveis, pinta, borda, usa e abusa do poder de legislar.
Fala em confronto da Constituição num assunto que o próprio Congresso resolveria não confrontasse ele mesmo a Constituição para atender ao Executivo em troca de senhas de acesso a cobiçados nichos da máquina pública.
Desvio
Durante os (muitos) anos em que se debateu a reforma do Judiciário, o ponto principal foi a necessidade da existência de uma instância de controle do Poder.
O chamado controle externo ficou a cargo do Conselho Nacional de Justiça, saudado quando da aprovação da reforma como um instrumento de fiscalização da sociedade. Não sobre as sentenças, mas sobre os procedimentos do Judiciário.
A realidade, contudo, mostrou que essa expectativa era ilusória. Prova está na recente decisão do CNJ de permitir aos servidores da Justiça acumular cargos públicos cuja soma de salários ultrapasse o teto de R$ 24, 5 mil.
Pode vir a ser um atalho para futuras reivindicações de isonomia nos outros Poderes.
Esmola muita
Por uma questão tática, o governo pode até dar a entender que apoia duas candidaturas simultâneas do PMDB às presidências da Câmara e do Senado, sustentando os nomes de Michel Temer e de José Sarney, este em função das dificuldades que o petista Tião Viana teria de se eleger.
Estrategicamente, porém, tal atitude fere a lógica. Ao patrocinar dois grupos antagônicos para o comando do Congresso Nacional, o governo estaria promovendo a entrega ao PMDB de um naco amazônico de poder, muito mais importante que os cinco ministérios ocupados pelo partido e mais os cargos administração federal afora.
Presidentes de casas legislativas não são - como ministros e presidentes de estatais - demissíveis.
A boa vontade do Planalto com o PMDB parece excessiva. Mais ainda porque desde o início o governo identificou a insistência do partido em presidir o Senado como fruto das disputas internas entre o grupo que ficou com Lula já na campanha eleitoral de 2002 e o outro que aderiu após a reeleição, em 2006.
Convém desconfiar de que o jogo pode não ser exatamente aquele exposto nas cartas já baixadas à mesa. Há um aroma de blefe no ar: ou no Senado a história de Sarney não é para valer, ou na Câmara o acerto com Temer pode subir no telhado.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
As medidas provisórias se tornaram uma espécie de panaceia obsessiva do Congresso. Servem para simular independência em relação ao governo, para robustecer discursos eleitorais, são usadas como instrumento de pressão ou mesmo de afirmação individual e coletiva quando se faz necessário.
Legítimos paus para toda obra, prestam também um excelente serviço ao voluntário exercício de miopia galopante de senadores e deputados que fixam o foco de suas reclamações no excesso de MPs editadas pelo Palácio do Planalto e desviam o olhar da profundidade do buraco onde está no Poder Legislativo.
Fiéis à regra, os senadores Tião Viana e Garibaldi Alves, candidatos a presidir o Senado no biênio 2009/2010, fazem delas a principal peça de suas campanhas.
Viana voltou-se, em carta divulgada no início da semana, contra a “gana legiferante do Executivo” e Garibaldi convoca - também em carta, distribuída ontem - o Parlamento a dar uma resposta à altura da “exorbitância” do Planalto, que, segundo ele, “teima em confrontar a Constituição”.
Com todo o respeito que o Congresso Nacional não confere a si, a instituição não anda moralmente autorizada a falar em confrontos de natureza legal.
Quando pode, subverte preceitos constitucionais. Seja resistindo ao cumprimento de decisões judiciais referidas no texto da Carta (e não tiradas das cabeças dos magistrados como quer fazer crer a tola tese da “judicialização” da política), seja ignorando princípios como o da impessoalidade no serviço público ou da probidade para exercício de mandato eletivo.
Aniquila o que diz a Constituição principalmente quando insiste em ignorar - para ficar no tema da predileção do Parlamento - o trecho que dá aos congressistas a prerrogativa de devolver quaisquer medidas provisórias ilegais ou que não se enquadrem nas exigências de relevância e urgência.
A abordagem desse tema é recorrente. Mas justifica-se, porque recorrente também é a insistência do Congresso em fazer das medidas provisórias uma tradução exclusiva e equivocada de todos os seus problemas.
Ainda que fosse o único foco de infecção, a queixa permanente continuaria sendo injustificada. O Parlamento não é uma agremiação indefesa, presa à sanha do Executivo - nem do Judiciário. É um poder que, quando quer, faz valer os seus poderes.
Impõe à sociedade absolvições ao arrepio dos fatos, ameaça criar leis vingativas, inventa regras para derrubar correções de rumo, patrocina acertos os mais escandalosos possíveis, pinta, borda, usa e abusa do poder de legislar.
Fala em confronto da Constituição num assunto que o próprio Congresso resolveria não confrontasse ele mesmo a Constituição para atender ao Executivo em troca de senhas de acesso a cobiçados nichos da máquina pública.
Desvio
Durante os (muitos) anos em que se debateu a reforma do Judiciário, o ponto principal foi a necessidade da existência de uma instância de controle do Poder.
O chamado controle externo ficou a cargo do Conselho Nacional de Justiça, saudado quando da aprovação da reforma como um instrumento de fiscalização da sociedade. Não sobre as sentenças, mas sobre os procedimentos do Judiciário.
A realidade, contudo, mostrou que essa expectativa era ilusória. Prova está na recente decisão do CNJ de permitir aos servidores da Justiça acumular cargos públicos cuja soma de salários ultrapasse o teto de R$ 24, 5 mil.
Pode vir a ser um atalho para futuras reivindicações de isonomia nos outros Poderes.
Esmola muita
Por uma questão tática, o governo pode até dar a entender que apoia duas candidaturas simultâneas do PMDB às presidências da Câmara e do Senado, sustentando os nomes de Michel Temer e de José Sarney, este em função das dificuldades que o petista Tião Viana teria de se eleger.
Estrategicamente, porém, tal atitude fere a lógica. Ao patrocinar dois grupos antagônicos para o comando do Congresso Nacional, o governo estaria promovendo a entrega ao PMDB de um naco amazônico de poder, muito mais importante que os cinco ministérios ocupados pelo partido e mais os cargos administração federal afora.
Presidentes de casas legislativas não são - como ministros e presidentes de estatais - demissíveis.
A boa vontade do Planalto com o PMDB parece excessiva. Mais ainda porque desde o início o governo identificou a insistência do partido em presidir o Senado como fruto das disputas internas entre o grupo que ficou com Lula já na campanha eleitoral de 2002 e o outro que aderiu após a reeleição, em 2006.
Convém desconfiar de que o jogo pode não ser exatamente aquele exposto nas cartas já baixadas à mesa. Há um aroma de blefe no ar: ou no Senado a história de Sarney não é para valer, ou na Câmara o acerto com Temer pode subir no telhado.
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