Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Com boa vontade, a decisão da Câmara e do Senado de estabelecer duas ou três limitações para o uso da verba indenizatória pode ser vista como uma tentativa de corrigir o malfeito.
Mas, analisando friamente, o ato não quer dizer coisa alguma em matéria de moralização dos costumes congressuais, muito menos reflete apreço pleno por critérios mais rígidos de comportamento.
Só o fato de ser necessário proibir parlamentares de usar o dinheiro para contratação de empresas das respectivas famílias já evidencia a lassidão.
O que deveria ser óbvio, pelo gritante caráter transgressor, precisa ser expressamente proibido aos homens e mulheres eleitos para fazer leis, balizar o bom andamento da República, debater e encaminhar as questões nacionais.
Fica-se sabendo que durante os últimos oito anos, desde a criação da tal verba, senadores e outros deputados além de Edmar Moreira podem ter usado do expediente para desviar o dinheiro para suas pessoas jurídicas.
Certeza mesmo, ninguém terá, pois o Congresso só divulga as notas fiscais referentes aos gastos com os R$ 15 mil mensais a partir deste mês. O passivo fica protegido, sob a argumentação de que seria "muito difícil" revirar a documentação em busca de irregularidades.
Portanto, tampouco será possível saber se houve apresentação de notas frias relativas a despesas com alimentação, contratação de assessorias, pesquisas ou trabalhos técnicos, itens também proibidos a partir de agora.
Veto este, imposto não por convicção, mas pela necessidade de se reduzir a pressão sobre o Congresso e tentar amenizar os danos dos vexames em série. Fosse genuína a disposição de fazer o certo, as regras para o uso do dinheiro teriam vindo junto com a instituição desse instrumento dito indenizatório e que nada mais é que um adicional de salário.
A primeira restrição, contudo, só apareceu - também por imposição de "fora"- em 2006, quando se descobriu que havia parlamentares apresentando notas fiscais de compra de combustíveis no valor total da "indenização" permitida. Um artifício contábil, claro.
Sinal evidente de que algo andava errado naquele setor. Mas, no lugar de se fazer uma revisão nos procedimentos, uma análise por amostragem da autenticidade das notas, limitaram-se os gastos com combustíveis a 30% da verba.
Uma providência cosmética, tal como as medidas adotadas agora.
A resistência em suprimir mesmo a possibilidade de fraude pode até impressionar, mas tem uma explicação: raros são os parlamentares que encaram a dita verba como de uso restrito ao ressarcimento de despesas relativas ao exercício do mandato.
A maioria vê os R$ 15 mil como complementação salarial. E, aí, ninguém quer abrir mão do manejo o mais livre possível do dinheiro nem considera que a prestação de contas correta e transparente seja um imperativo.
A verba é um truque, foi inventada para o Congresso fugir das pressões contra aumentos de salários e, na letra fria da Constituição, nem poderia existir.
Por força da Emenda 19, de 1998, o artigo 39 da Constituição diz o seguinte: "O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os ministros de Estado, os secretários estaduais e municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou qualquer outra espécie remuneratória."
Claríssimo. Em 2007, a juíza federal de Brasília Monica Sifuentes concedeu liminar a uma ação popular e suspendeu o pagamento da verba, baseada naquele dispositivo. A Câmara recorreu e uma semana depois o Tribunal Regional Federal refez a decisão.
A alegação é a de que a verba extra não caracteriza remuneração. Tecnicamente pode ser que não, mas é utilizada como tal. Além do que a proibição constitucional alcança recursos para "representação".
Mesmo que fosse legal, essa destinação é questionável. Parlamentares federais são eleitos para exercer seus mandatos em Brasília, onde já dispõem de moradia, assessorias, estrutura de correio, telefone, gráfica, serviço médico e mais o corpo técnico legislativo para auxiliar o trabalho.
Alegam necessidade de recursos para sustentar as estruturas nos Estados onde, nos fins de semana, fazem trabalho junto às bases. Ora, trabalho com vistas a manter azeitadas as intenções de voto das bases para as eleições seguintes.
Sendo um interesse do parlamentar, não é o Congresso que deve financiar ao longo dos quatro anos de exercício do mandato para o qual foi eleito, a pré-campanha da reeleição.
Para cuidar dos interesses da população nos municípios há os vereadores, bem como os deputados estaduais existem para se desincumbir do serviço estadual.
Logo, não há outro sentido para o uso na verba a não ser o do patrocínio da promoção pessoal, tarefa que está, constitucional, moral, social e politicamente falando, fora da alçada do Congresso.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Com boa vontade, a decisão da Câmara e do Senado de estabelecer duas ou três limitações para o uso da verba indenizatória pode ser vista como uma tentativa de corrigir o malfeito.
Mas, analisando friamente, o ato não quer dizer coisa alguma em matéria de moralização dos costumes congressuais, muito menos reflete apreço pleno por critérios mais rígidos de comportamento.
Só o fato de ser necessário proibir parlamentares de usar o dinheiro para contratação de empresas das respectivas famílias já evidencia a lassidão.
O que deveria ser óbvio, pelo gritante caráter transgressor, precisa ser expressamente proibido aos homens e mulheres eleitos para fazer leis, balizar o bom andamento da República, debater e encaminhar as questões nacionais.
Fica-se sabendo que durante os últimos oito anos, desde a criação da tal verba, senadores e outros deputados além de Edmar Moreira podem ter usado do expediente para desviar o dinheiro para suas pessoas jurídicas.
Certeza mesmo, ninguém terá, pois o Congresso só divulga as notas fiscais referentes aos gastos com os R$ 15 mil mensais a partir deste mês. O passivo fica protegido, sob a argumentação de que seria "muito difícil" revirar a documentação em busca de irregularidades.
Portanto, tampouco será possível saber se houve apresentação de notas frias relativas a despesas com alimentação, contratação de assessorias, pesquisas ou trabalhos técnicos, itens também proibidos a partir de agora.
Veto este, imposto não por convicção, mas pela necessidade de se reduzir a pressão sobre o Congresso e tentar amenizar os danos dos vexames em série. Fosse genuína a disposição de fazer o certo, as regras para o uso do dinheiro teriam vindo junto com a instituição desse instrumento dito indenizatório e que nada mais é que um adicional de salário.
A primeira restrição, contudo, só apareceu - também por imposição de "fora"- em 2006, quando se descobriu que havia parlamentares apresentando notas fiscais de compra de combustíveis no valor total da "indenização" permitida. Um artifício contábil, claro.
Sinal evidente de que algo andava errado naquele setor. Mas, no lugar de se fazer uma revisão nos procedimentos, uma análise por amostragem da autenticidade das notas, limitaram-se os gastos com combustíveis a 30% da verba.
Uma providência cosmética, tal como as medidas adotadas agora.
A resistência em suprimir mesmo a possibilidade de fraude pode até impressionar, mas tem uma explicação: raros são os parlamentares que encaram a dita verba como de uso restrito ao ressarcimento de despesas relativas ao exercício do mandato.
A maioria vê os R$ 15 mil como complementação salarial. E, aí, ninguém quer abrir mão do manejo o mais livre possível do dinheiro nem considera que a prestação de contas correta e transparente seja um imperativo.
A verba é um truque, foi inventada para o Congresso fugir das pressões contra aumentos de salários e, na letra fria da Constituição, nem poderia existir.
Por força da Emenda 19, de 1998, o artigo 39 da Constituição diz o seguinte: "O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os ministros de Estado, os secretários estaduais e municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou qualquer outra espécie remuneratória."
Claríssimo. Em 2007, a juíza federal de Brasília Monica Sifuentes concedeu liminar a uma ação popular e suspendeu o pagamento da verba, baseada naquele dispositivo. A Câmara recorreu e uma semana depois o Tribunal Regional Federal refez a decisão.
A alegação é a de que a verba extra não caracteriza remuneração. Tecnicamente pode ser que não, mas é utilizada como tal. Além do que a proibição constitucional alcança recursos para "representação".
Mesmo que fosse legal, essa destinação é questionável. Parlamentares federais são eleitos para exercer seus mandatos em Brasília, onde já dispõem de moradia, assessorias, estrutura de correio, telefone, gráfica, serviço médico e mais o corpo técnico legislativo para auxiliar o trabalho.
Alegam necessidade de recursos para sustentar as estruturas nos Estados onde, nos fins de semana, fazem trabalho junto às bases. Ora, trabalho com vistas a manter azeitadas as intenções de voto das bases para as eleições seguintes.
Sendo um interesse do parlamentar, não é o Congresso que deve financiar ao longo dos quatro anos de exercício do mandato para o qual foi eleito, a pré-campanha da reeleição.
Para cuidar dos interesses da população nos municípios há os vereadores, bem como os deputados estaduais existem para se desincumbir do serviço estadual.
Logo, não há outro sentido para o uso na verba a não ser o do patrocínio da promoção pessoal, tarefa que está, constitucional, moral, social e politicamente falando, fora da alçada do Congresso.
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