Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A reforma política é necessária? A pergunta posta assim, de chofre, seria respondida afirmativamente pela maioria. Mudar "tudo isso que está aí" é necessário e urgente. Os fatos comprovam e, sobretudo, aconselham uma reformulação completa de regras e procedimentos.
Examinando a questão com mais frieza, porém, se impõe a seguinte preliminar: qual reforma? Pois é, depende.
De vários fatores: do que se pretende com ela, da forma como é encaminhada, de quais mudanças exatamente se fala e principalmente do que pensa a respeito o eleitorado.
A promessa do Congresso de começar a discutir a reforma política na semana que vem seria uma boa notícia, caso a intenção fosse fazer uma reforma para valer.
Voltada para o interesse do cidadão votante e com o objetivo de modernizar o sistema político-partidário-eleitoral ultrapassado, cheio de vícios inaceitáveis pelos padrões da sociedade atual, exclusivamente referido no interesse dos profissionais da área.
Pois aí é que está o pecado de origem da proposta a ser examinada e votada até setembro próximo, segundo as intenções dos nobres legisladores.
Os pontos escolhidos para debate não levam em conta nada que guarde a mais pálida proximidade com o interesse do eleitorado. E qual o interesse do eleitorado? Imagina-se genericamente, mas, no detalhe, não se sabe.
O Congresso desta vez - como já fez em outras ocasiões - simplesmente escolheu alguns itens para introduzir ou modificar na legislação e deu ao conjunto deles o nome de reforma política.
São eles: o financiamento público de campanhas eleitorais, voto em lista fechada nas eleições proporcionais (deputados e vereadores) e abertura de uma brecha na regra da fidelidade partidária para permitir o troca-troca durante um mês a cada quatro anos.
Pergunta-se: e o que tem mesmo o eleitor a ver com isso? O que muda na distante relação entre representantes e representados? Qual o ganho, onde a modernização?
Mil perdões pela insistência, mas numa situação de interdependência natural seria que fossem levadas em conta todas as partes. Suas excelências não parecem pensar assim.
Falam em plebiscito para as propostas mais estapafúrdias, como a da possibilidade de mais de uma reeleição para os governantes, mas nem sequer aventam a hipótese de uma consulta para saber se tais e quais modificações no sistema político agradariam ou não à população.
Não seria preciso levar todas as questões ao exame popular. Apenas aquelas que tocam diretamente às pessoas. A obrigatoriedade do voto, por exemplo. Os políticos resolveram que o "povo ainda não está suficientemente educado no Brasil" para escolher se vai ou não às urnas. Mas e quem vota não tem o direito de decidir isso, ou de expressar sua opinião?
Inclusive porque, pela proposta em debate, o voto além de obrigatório passará também a ser pago. Ao preço de R$ 9 por eleitor, segundo os cálculos do custo do financiamento público de campanhas, levando em conta os dois turnos de votação.
Recursos esses que seriam acrescentados às verbas já destinadas a alimentar o fundo partidário e ao sustento do horário eleitoral, dito gratuito, nas emissoras de rádio e televisão, concessões públicas.
Convencionou-se considerar que a destinação de uma parcela do Orçamento da União para as campanhas vai moralizar o ambiente, igualar as condições dos candidatos com maior e menor acesso a recursos privados e, além de tudo, acabar com a prática do caixa 2.
Na versão do ministro da Justiça, Tarso Genro, contribuirá até para a redução dos custos de obras do governo porque aí os doadores deixariam de "embutir" esse gasto nos preços apresentados nas licitações.
Esse ponto requer um desdobramento. Primeiro: não se demonstrou - o que na abertura do debate, mediante audiências públicas no Congresso, por exemplo, seria possível - como e por que o financiamento público acabaria com o financiamento ilegal.
Segundo: seria bem mais prático, e moralmente saudável, o Estado investir na mobilização de seus instrumentos para coibir os abusos, no lugar de conformar-se com eles.
Além disso, e até por causa do acima exposto, está mais do que demonstrado o tipo de zelo que é dedicado aos recursos de origem pública. Não mudando as cabeças e, por consequência os procedimentos, preponderando a impunidade, o mais provável é que o financiamento se transforme em mais uma fonte de escândalos.
Até agora o Congresso só disse que pretende começar a reforma política, mas não explicou claramente aonde quer chegar, uma vez que tem plena consciência da sua carência de autoridade junto à população para propor qualquer coisa que não desperte alguma desconfiança.
Um projeto sério de financiamento público e lista fechada obviamente não poderia prescindir de outros mecanismos existentes em sistemas mais modernos, como os votos distrital e facultativo. Quando faz as coisas pela metade, ou não pretende fazer nada ou planeja outros, por ora inconfessáveis, experimentos.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A reforma política é necessária? A pergunta posta assim, de chofre, seria respondida afirmativamente pela maioria. Mudar "tudo isso que está aí" é necessário e urgente. Os fatos comprovam e, sobretudo, aconselham uma reformulação completa de regras e procedimentos.
Examinando a questão com mais frieza, porém, se impõe a seguinte preliminar: qual reforma? Pois é, depende.
De vários fatores: do que se pretende com ela, da forma como é encaminhada, de quais mudanças exatamente se fala e principalmente do que pensa a respeito o eleitorado.
A promessa do Congresso de começar a discutir a reforma política na semana que vem seria uma boa notícia, caso a intenção fosse fazer uma reforma para valer.
Voltada para o interesse do cidadão votante e com o objetivo de modernizar o sistema político-partidário-eleitoral ultrapassado, cheio de vícios inaceitáveis pelos padrões da sociedade atual, exclusivamente referido no interesse dos profissionais da área.
Pois aí é que está o pecado de origem da proposta a ser examinada e votada até setembro próximo, segundo as intenções dos nobres legisladores.
Os pontos escolhidos para debate não levam em conta nada que guarde a mais pálida proximidade com o interesse do eleitorado. E qual o interesse do eleitorado? Imagina-se genericamente, mas, no detalhe, não se sabe.
O Congresso desta vez - como já fez em outras ocasiões - simplesmente escolheu alguns itens para introduzir ou modificar na legislação e deu ao conjunto deles o nome de reforma política.
São eles: o financiamento público de campanhas eleitorais, voto em lista fechada nas eleições proporcionais (deputados e vereadores) e abertura de uma brecha na regra da fidelidade partidária para permitir o troca-troca durante um mês a cada quatro anos.
Pergunta-se: e o que tem mesmo o eleitor a ver com isso? O que muda na distante relação entre representantes e representados? Qual o ganho, onde a modernização?
Mil perdões pela insistência, mas numa situação de interdependência natural seria que fossem levadas em conta todas as partes. Suas excelências não parecem pensar assim.
Falam em plebiscito para as propostas mais estapafúrdias, como a da possibilidade de mais de uma reeleição para os governantes, mas nem sequer aventam a hipótese de uma consulta para saber se tais e quais modificações no sistema político agradariam ou não à população.
Não seria preciso levar todas as questões ao exame popular. Apenas aquelas que tocam diretamente às pessoas. A obrigatoriedade do voto, por exemplo. Os políticos resolveram que o "povo ainda não está suficientemente educado no Brasil" para escolher se vai ou não às urnas. Mas e quem vota não tem o direito de decidir isso, ou de expressar sua opinião?
Inclusive porque, pela proposta em debate, o voto além de obrigatório passará também a ser pago. Ao preço de R$ 9 por eleitor, segundo os cálculos do custo do financiamento público de campanhas, levando em conta os dois turnos de votação.
Recursos esses que seriam acrescentados às verbas já destinadas a alimentar o fundo partidário e ao sustento do horário eleitoral, dito gratuito, nas emissoras de rádio e televisão, concessões públicas.
Convencionou-se considerar que a destinação de uma parcela do Orçamento da União para as campanhas vai moralizar o ambiente, igualar as condições dos candidatos com maior e menor acesso a recursos privados e, além de tudo, acabar com a prática do caixa 2.
Na versão do ministro da Justiça, Tarso Genro, contribuirá até para a redução dos custos de obras do governo porque aí os doadores deixariam de "embutir" esse gasto nos preços apresentados nas licitações.
Esse ponto requer um desdobramento. Primeiro: não se demonstrou - o que na abertura do debate, mediante audiências públicas no Congresso, por exemplo, seria possível - como e por que o financiamento público acabaria com o financiamento ilegal.
Segundo: seria bem mais prático, e moralmente saudável, o Estado investir na mobilização de seus instrumentos para coibir os abusos, no lugar de conformar-se com eles.
Além disso, e até por causa do acima exposto, está mais do que demonstrado o tipo de zelo que é dedicado aos recursos de origem pública. Não mudando as cabeças e, por consequência os procedimentos, preponderando a impunidade, o mais provável é que o financiamento se transforme em mais uma fonte de escândalos.
Até agora o Congresso só disse que pretende começar a reforma política, mas não explicou claramente aonde quer chegar, uma vez que tem plena consciência da sua carência de autoridade junto à população para propor qualquer coisa que não desperte alguma desconfiança.
Um projeto sério de financiamento público e lista fechada obviamente não poderia prescindir de outros mecanismos existentes em sistemas mais modernos, como os votos distrital e facultativo. Quando faz as coisas pela metade, ou não pretende fazer nada ou planeja outros, por ora inconfessáveis, experimentos.
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