domingo, 31 de maio de 2009

A mecânica das bolhas

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Uma nova loteria está tomando conta do mundo e ela não está sendo disputada nos cassinos, casas lotéricas, bancas de jogo do bicho ou guichês de apostas. Ela corre nos salões das imponentes bolsas de valores e nos resultados das suas transações publicados todas as horas e todos os dias, exceto aos domingos. Vermelho ou negro – dilema clássico da roleta – foi substituído pelo frenético questionamento em torno da crise econômica global: acabou a recessão? A angústia em torno do "ser ou não ser" que marcou a história do pensamento ocidental antes mesmo de Shakespeare formulá-la de forma tão compacta, agora se relaciona com uma dúvida concreta, menos sutil, e convenhamos mais banal, no tocante aos presságios que a partir de 2008 marcam o cenário mundial. Por isso cada subidinha das cotações e cada indicador mais róseo nas pesquisas é magnificado como tendência firme de recuperação e cada retrocesso, minimizado como simples reajuste ou "realização de prejuízos". Há uma recusa coletiva, espécie de cegueira solidária, a empurrar todos para um final feliz, imediato, definitivo.

O esquema "e viveram felizes para sempre", herdado das histórias da carochinha, continua confundindo nossa capacidade de assumir plenamente o ceticismo.É equivocada e perniciosa esta inclinação para examinar a crise mundial em termos puramente econômicos. A bolha imobiliária americana, a indústria dos derivativos e a libertinagem dos bônus pagos aos executivos do sistema financeiro não são as causas, são as consequências de um processo civilizatório do qual foi extraída a sua quintessência "civilizada", subjetiva e moral.

Robert Shiller, economista da universidade de Yale, em entrevista a Valor desta sexta insiste numa tecla: as opções das pessoas ao tomar decisões econômicas não são racionais, há uma série de componentes psicológicos comandando as decisões de compra e venda. As "bolhas", portanto, não são construções racionais, lógicas, são apostas intensamente badaladas, geralmente orquestradas e transformadas em impulsos individuais. A crença na substituição contínua dos ciclos de prosperidade é irrealista, mais do que isso, falaciosa. Assim também a ilusão de que uma boina vermelha e um slogan socialista são capazes de aumentar automaticamente a qualidade de vida das massas marginalizadas pelas "bolhas" anteriores. A atual conjuntura econômica só vai acabar quando a crise completar o seu ciclo completo e este ciclo pressupõe transformações em todas as esferas, inclusive no campo social, político e – de novo esta palavra incômoda – moral.

A "exuberância irracional" identificada pela primeira vez por Allan Greenspan quando já era tarde demais para controlá-la inclui a institucionalização do clima de pilantragem graças à falta de regulação e controles, mas também graças à generalizada e consciente submissão das elites de poder à indecência e ao despudor.

Não é casual a simultaneidade dos escândalos parlamentares e políticos na Inglaterra, Brasil, Espanha e Guatemala. Não é fortuita a irrupção das grandes máfias nacionais na América Latina (México), Europa (Itália) e diversos pontos do continente africano e asiático. A concomitância das disputas religiosas nos quatro cantos do mundo decorre da obstinação dos organismos políticos internacionais em incorporar à noção de democracia o conceito de Estado laico e secular.

Não se trata de mero determinismo geográfico a obsessão de grupos populistas sul-americanos para se perpetuarem no poder: as tentativas de emplacar "terceiros mandatos" ou impor a reeleição ilimitada em curso na Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Brasil e Argentina são os remanescentes (ou detritos) das bolhas produzidas nas duas últimas décadas para atrasar as transformações que deveriam ter sido adotadas quando se esgotou a Era das Ideologias e sua vitrine mais conhecida, a Guerra Fria.

O fantasma da recessão dificilmente se dissipará, o cassino das altas e das baixas mantém-se aberto, os acessos de bom e mau-humor dos mercados continuarão distantes do que ocorre nas entranhas e subterrâneos dos grandes processos históricos. Forçar miragens, acelerações, exuberâncias e insistir na invenção de bolhas equivale a eternizar o autoengano.

» Alberto Dine é jornalista

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