domingo, 31 de maio de 2009

A gripe da Dilma

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

A ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar fatigante campanha eleitoral

ESTE NÃO é um assunto novo mas, a cada dia, ganha novos contornos e exige novas avaliações. Por isso mesmo, em face dos acontecimentos que se sucedem, fica evidente que a candidatura da ministra Dilma Rousself à Presidência da República -que já está abertamente admitida pelo presidente Lula e pelo seu partido- tornou-se uma espécie de bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento; ou, mais precisamente, que tanto pode explodir amanhã como daqui a um mês ou daqui a um ano.

Não tenho nenhuma informação de cocheira a revelar. Tudo o que pretendo é tentar ver clara a situação criada, depois que se soube da doença da ministra. Uma doença grave, que tanto pode ser detida pelo tratamento a que ela se submete, como não, já que se trata de um câncer que surgiu no sistema imunológico e, por isso, não pode ser extirpado: a esperança dos médicos -e de todos nós- é que a quimioterapia o extinga definitivamente.

Isso no plano das possibilidades terapêuticas. No plano político, essa incerteza se transforma em indisfarçável problema, uma vez que o que está em jogo é o poder central do país. Por isso mesmo, a incerteza quanto ao desdobramento desta situação, aumenta na medida em que novos fatos ocorrem. Por exemplo, as dores nas pernas da ministra que a obrigaram a correr para São Paulo, internar-se no hospital e submeter-se a urgentes exames.

Pode-se imaginar o pânico que tal situação provocou em todo o governo e seus aliados. Ninguém sabia a causa daquelas dores, nem os médicos que, no final, afirmaram ter sido efeito da quimioterapia. Será verdade ou não? Se for verdade, isso indica que, de qualquer modo, a ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar uma fatigante campanha eleitoral. Ou terá? Pode ser que tenha, mas, como é impossível afirmá-lo com indiscutível certeza, a insegurança se instala.

Em função disso, surgem as discussões e as divergências. Pelo sim, pelo não, um setor do PMDB decidiu dar curso a um projeto que possibilitaria uma segunda reeleição do presidente Lula. Sim, porque, se a candidatura da Dilma naufragar, só resta a Lula (ao PT e aliados) recandidatar-se. O projeto prevê um plebiscito, no estilo Chávez que, segundo o PSDB, não passaria no Senado.

Mas há uma questão que vem antes disso: a própria apresentação do projeto, que esvaziaria a candidatura da ministra. E por aí se vê o "dilema retrós", em que Lula e sua turma se encontram: os dias se passam, o limite para inscrever candidaturas termina em setembro próximo, dentro de apenas quatro meses, e ninguém pode apostar se a candidata terá condições de se manter candidata e muito menos de enfrentar durante meses uma estafante batalha eleitoral. Mas que fazer? A alternativa seria a candidatura de Lula, que exigiria mudar a Constituição. Vamos admitir que, convencido da inviabilidade da candidatura Dilma, ele aceitasse esta alternativa. Mas, e se a proposta for rechaçada no Congresso? Ficariam ele e sua turma no mato sem cachorro.

Como já dissemos, ninguém tem certeza de nada mas a opinião de Lula, conforme se deduz de suas declarações, é manter a candidatura de Dilma, dê no que der. Pelo menos por enquanto. Por isso, quando surgiu a notícia de sua urgente internação no hospital Sírio-Libanês devido às dores nas pernas, ele garantiu: "A Dilma está curada, ela não tem problema nenhum". E o PT, seguindo a voz do dono, reafirmou seu apoio à candidatura da ministra.

Ela, de fato, não tem problema algum; só um câncer linfático, que exige, para ser tratado, uma quimioterapia muito violenta, a tal ponto que não pode ser administrada senão através de um cateter, nas artérias coronarianas, mais resistentes. Daí os fortes efeitos colaterais após cada aplicação.

Mas Lula não tem muita escolha. Se a cada fato novo, que ameaça a candidatura de Dilma, ele se mantiver calado, estará admitindo a sua inviabilidade. E a coisa chega a tal ponto que, após ter ela declarado que iria reduzir sua participação nos eventos políticos, ele, lá dos quintos da Turquia, imediatamente reagiu: "Quando a gente fica em casa, por doença, a gente fica mais doente. A gente tem que espantar qualquer doença. Nesse negócio, mulher é especialista.

Qualquer homem,quando tem uma gripezinha, já quer ficar deitado. Você nunca viu uma mulher deixar de trabalhar por causa de gripe ou deixar de cuidar do filho por causa de gripe".

Pois é, assim como ele a obrigou a ir para a TV revelar sua doença, quer agora obrigá-la a manter-se no palanque, já que está apenas gripada.

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