Quanto mais os senadores tentam entender e explicar o que está acontecendo no Senado, mais fica exposta a verdadeira bagunça administrativa que domina a burocracia da Casa, facilitando as mais diversas tramoias que, ao que tudo indica, tinham a aceitação de um grupo de senadores. A solução mais simplista, e nem por isso mentirosa, é atribuir ao ex-todo-poderoso diretor-geral Agaciel Maia a culpa por todas as falcatruas efetuadas, e não há dúvida de que ele tem muita culpa no cartório. O senador Demóstenes Torres tem a prova cabal de um crime cometido por ele, a nomeação, sem o seu conhecimento e através de ato secreto, de uma funcionária para seu gabinete.
É muito provável que a burocracia que dominou o Senado nos últimos quinze anos tenha montado esquemas semelhantes em diversos gabinetes, ou mesmo tenha criado, entre os mais de dez mil funcionários, vários "fantasmas" que recebiam como laranjas de altos burocratas, sem que ninguém se desse conta do que estava acontecendo.
Também na Câmara descobriu-se recentemente que havia sido montado pela burocracia, com a conivência de deputados e assessores, um mercado negro de passagens de avião com as cotas mensais, que até agora não foi devidamente esclarecido.
A sindicância acusou o ex-diretor Agaciel Maia de "deliberada falta de publicidade dos atos". Mas entre os 663 supostos atos secretos identificados por uma comissão de sindicância nomeada pela Mesa do Senado para fazer essa varredura, vários foram identificados pelos senadores como perfeitamente legítimos, publicados devidamente nos órgãos oficiais.
Não há explicação para que atos legítimos tenham sido colocados como secretos em uma investigação oficial, a não ser a intenção de atrapalhar as investigações. De qualquer maneira, a demissão do diretor-geral, Alexandre Gazineo, e do diretor de Recursos Humanos, Ralph Siqueira, anunciadas ontem, além de medidas profiláticas com a eliminação de folhas suplementares de pagamento; a realização de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) nos contratos realizados pelo Senado; a revogação de atos e, sobretudo, a aprovação do Portal Transparência, mostram caminhos para um começo de reerguimento do Senado.
Mas nada se conseguirá se não mudarem a mentalidade de certos políticos, que ainda tentam jogar a culpa no mensageiro, no caso os meios de comunicação que denunciam os desmandos, ou em terríveis conspirações contra a instituição do Senado, fingindo não entender que quem desmoraliza o Senado são os atos impróprios cometidos por senadores e burocratas, e não sua denúncia.
Os que tentam se colocar acima dessas "pequenezas", e se recusam a participar de uma necessária faxina na Casa, são os responsáveis pela transferência do controle do poder para os burocratas, que passaram a comandar as ações.
Os que tentam se passar para a opinião pública como grandes estadistas, mais preocupados com os assuntos nobres da política do que com as mazelas administrativas, tentam reduzir a importância dos escândalos aumentando sua própria importância.
Essa visão distorcida da situação não é apenas do presidente do Senado, José Sarney, que se respalda no aval do presidente Lula para tentar ficar acima de qualquer suspeita.
Muitos senadores passaram o dia de ontem a denunciar conspirações, a apelar ao corporativismo, a falar das nobres funções de um senador, fingindo esquecer que as tarefas mais nobres não podem ser exercidas em um ambiente apodrecido.
O mais preocupante é que muitos dos senadores que enfrentam com coragem a onda de desvios da Casa, também eles possuem casos de difícil explicação em seus gabinetes, como o senador Demóstenes Torres, que colocou em seu gabinete um parente do ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zogbhi a pedido de outro senador, o hoje ministro Edison Lobão.
Zogbhi foi demitido do cargo por manipulações com o crédito consignado dos funcionários do Senado.
A situação no Senado está, portanto, longe de ser resolvida, ainda mais depois que foi nomeada para um dos cargos mais importantes, nessa suposta renovação, uma funcionária que já fora chefe de gabinete da senadora Roseana Sarney, o que sugere a continuidade da influência do presidente do Senado sobre quem deverá apurar as irregularidades.
O senador Heráclito Fortes assumiu a responsabilidade pela nomeação, ressaltando que Sarney se opôs a ela. O senador Heráclito Fortes, portanto, assumiu uma nomeação frágil do ponto de vista político aparentemente sem necessidade.
Andei vendo recentemente episódios de um seriado da BBC sobre a dinastia Tudor da Inglaterra, e dia 22 passado foi o Dia de São Thomas Morus, canonizado em 1935 e, desde 2000, por decisão do papa João Paulo II, celebrado como padroeiro dos homens públicos, dos políticos.
No Parlamento inglês, o autor de "Utopia" exerceu vários mandatos a partir de 1504. Advogado, humanista e literato, Morus teve quatro filhos, que educava nos preceitos da solidariedade e do despojamento.
Morus fazia questão de manter hábitos de vida rigorosos e austeros, o que atraía e ao mesmo tempo perturbava Henrique VIII, a quem serviu e com quem rompeu, por questão de princípios.
Recentemente, na Inglaterra, um escândalo sobre uso indevido de verbas parlamentares levou à renúncia do presidente da Câmara dos Lordes, o que não acontecia há mais de 300 anos.
Quantos dos parlamentares do Brasil e da Inglaterra podem ter hoje São Thomas Morus como seu padroeiro e exemplo?
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