sexta-feira, 24 de julho de 2009

Caravana de Zelaya dá a partida

Tegucigalpa
DEU EM O GLOBO

Retorno de presidente deposto a Honduras agrava tensão com bloqueio de estradas e confrontos

A tensão se agravou ontem em Honduras depois que o presidente deposto José Manuel Zelaya, ignorando as ameaças do governo interino, iniciou sua volta ao país pela Nicarágua, numa caravana prevista para chegar à fronteira entre amanhã e domingo.

Zelaya, que conta com o apoio da comunidade internacional, convocou a população a recebê-lo na fronteira com a Nicarágua, país onde se encontra exilado, e partiu de Manágua dirigindo um jipe branco, depois de declarar fracassadas as três rodadas de negociações diplomáticas mediadas pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias.

— No sábado ou no domingo devemos chegar à fronteira, pois vamos devagar para chegar com um forte contingente de hondurenhos — disse Zelaya, de chapéu e botas de vaqueiro, ao lado do chanceler venezuelano, Nicolás Maduro.

Mesmo sem saber exatamente por onde Zelaya entraria no país, seguidores se concentraram em vários pontos da fronteira, bloqueando ruas e queimando pneus. Em alguns locais, enfrentaram bloqueios do Exército, que apoia o governo golpista. Na estrada que leva ao posto fronteiriço de Las Manos, cerca de 50 militares, portando armas de combate, formaram um triplo cordão de isolamento, impedindo a passagem dos manifestantes. Numa estrada ao norte de Tegucigalpa, cerca de mil pessoas protestaram e queimaram pneus sob o olhar atento de uma centena de soldados e policiais antimotim. Também ontem, centrais sindicais anunciaram uma greve de dois dias para pressionar o governo interino. Simpatizantes do presidente deposto disseram que vão mobilizar dezenas de milhares de pessoas na fronteira.

— Vamos estar lá e não vamos permitir que o detenham — disse Azucena Flores, uma professora de história de 48 anos.

Toque de recolher é ampliado

Já o governo interino de Roberto Micheletti pôs o Exército em alerta máximo e ampliou o toque de recolher das 18h de ontem às 6h de hoje.

— Se Zelaya insistir nisso (no retorno), acredito que não devesse envolver o povo hondurenho numa aventura bélica que poderia significar o derramamento de sangue inocente — disse o delegado do governo interino Mauricio Villeda.

Antes de partir, Zelaya revelou seu trajeto: de Manágua, passaria por Estelí e, de lá, faria planos para avançar, hoje, até Somoto ou Ocotal (municípios na fronteira com a Nicarágua), chegando à divisa não antes de sábado.

O presidente deposto reconheceu que há riscos, mas negou ter medo e, acompanhado pela família, por jornalistas e por sua comitiva, responsabilizou o presidente interino por sua segurança.

— Temor pela minha vida não tenho, mas responsabilizo Micheletti por qualquer dano que sofra — afirmou.

O secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza — que anteontem apresentara uma proposta que contemplava a restituição de Zelaya — classificou o retorno como apressado.

Na noite de anteontem, o governo formado depois do golpe militar de 28 de junho aceitou consultar o Congresso e a Suprema Corte sobre uma nova proposta que foi apresentada pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias, e que inclui a restituição de Zelaya à Presidência. A iniciativa de destituí-lo partiu inicialmente da Suprema Corte, com aval do Congresso, sob a acusação de que ele ameaçou a Constituição ao tentar uma reforma da Carta para disputar a reeleição.

— Não acho que a Suprema Corte ou a Procuradoria Geral ou o Congresso vão alterar seus critérios — disse Mauricio Villeda.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, defendeu ontem que a comunidade internacional adote medidas mais rigorosas contra o governo golpista de Honduras.

— O Brasil fez o que poderia fazer, mas não é o país que tem nas mãos a capacidade de fazer mais pressão. Os EUA têm meios, assim como a União Europeia. Os países latino-americanos fizeram o que puderam — afirmou.

Segundo Amorim, os golpistas estão “se autocolocando contra a parede, numa situação insustentável, e quem sofrerá com isto é o povo de Honduras”. O ministro advertiu que a comunidade internacional não será leniente com o novo governo hondurenho, caso aconteça alguma coisa a Zelaya — que já avisou que tentará entrar de novo no país.

— Os golpistas não têm futuro. Não estou falando das pessoas individualmente, porque não sei o que vai ser resolvido em termos de anistias. Mas, como instituição, como regime, eles não têm futuro. A questão é que eles compreendam isso logo, para evitar uma situação mais grave — afirmou Amorim.

Colaborou Eliane Oliveira

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