O governador José Serra rendeu-se à antecipação da campanha eleitoral. Contribuíram para a mudança de comportamento do tucano a determinação do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, em disputar prévia partidária, os 15% de Ciro Gomes nas pesquisas de opinião, a entrada da senadora verde Marina Silva no jogo eleitoral, sem falar no desempenho da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) nessas sondagens, especialmente na região Nordeste.
Com todos os demais pré-candidatos na pista, Serra insistia em ficar no acostamento e condenar a antecipação da campanha. Até um, dois meses atrás era impensável ver o governador batendo boca com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos termos em que se deu a discussão sobre o Rodoanel.
Lula disse que o governo de São Paulo omitia a participação da União na obra. Serra disse que o presidente estava "mal-informado". E que tudo não passava de "intriga" do PT. "Convidei Lula inúmeras vezes a percorrer o Rodoanel. Se o governo quisesse esconder (a participação da União), eu não estaria insistindo nesse convite, que renovo publicamente", afirmou.
Serra passou a dar mais entrevistas e a explicitar as divergências que tem com o governo federal sobre o pré-sal. É clara sua oposição ao marco regulatório anunciado ontem. Ele prefere o modelo atual de divisão de royalties.
Se for eleito presidente, em 2010, vai mudar as regras que Lula vier a aprovar no Congresso. Na realidade, o tucano acha que a regulamentação não precisa ser feita de forma "atropelada" - considera que há muito tempo ainda para se discutir o pré-sal, realidade esperada para o final da próxima década..
Já Aécio demonstra determinação e que não vai ceder facilmente sua candidatura. Antes de ir a Sergipe para um encontro com a militância tucana, Aécio passou pelo Ceará, onde cumpriu agenda oficial. Até Fortaleza foi em avião do Estado de Minas. De lá a Aracaju, e na volta a Fortaleza, em avião fretado pelo PSDB. Cuidados de quem não quer dar margem para impugnação de candidatura por infração à legislação eleitoral.
É um problema para Serra, que preferia o entendimento de cúpula. Mas a pré-candidatura do tucano mineiro tem um lado positivo para o paulista: serve como escudo de proteção a Serra. Se já houvesse uma opção do PSDB por ele, como parece provável, Serra estaria sujeito ao bombardeio da oposição e com dificuldades para encaminhar a própria sucessão ao Palácio dos Bandeirantes.
Internamente, Serra decidiu fazer uma limonada de alguns dos limões que Aécio lhe deu de presente. As viagens aos Estados, por exemplo, que funcionam como uma espécie de campanha para prévias no PSDB. Na última delas, a Sergipe, o governador paulista aproveitou para demarcar território.
"Eu não estou aqui fazendo pregação de minha campanha presidencial, este é um assunto que a gente vai decidir no ano que vem", tentou disfarçar Serra, antes de traçar o perfil do candidato que considera ideal: "É muito importante que a população veja o histórico de cada candidato", o que fez "de verdade" e qual sua experiência.
O currículo "vale para tudo", segundo Serra. Para o emprego, para o jogador de futebol. Nem é preciso dizer que o tucano, entre os pré-candidatos, é o que exibe currículo mais vistoso: secretário de Planejamento do governo Franco Montoro, ministro do Planejamento e da Saúde, na era FHC, prefeito e governador de São Paulo, além de mandatos legislativos na Câmara e Senado.
Crucial, no discurso de José Serra, é o crescimento da economia e, consequentemente, o do emprego. Ele se declara a favor das políticas de transferência de renda, e gosta de lembrar que é responsável por duas delas: o seguro desemprego e o programa Bolsa Alimentação, hoje incorporado no Bolsa Família. "Eu sou a favor disso tudo. Agora, emprego é a questão fundamental. E isso depende de crescimento da economia".
A declarada intenção do PT e do presidente Lula de fazer da eleição de 2010 um referendo sobre as gestões tucana e petista também tem espaço no discurso de Serra. "Ganhar a eleição significa apontar para o futuro. (...)", diz. "Nessa eleição não vai se votar o passado. Tem gente que quer levar o processo eleitoral para discutir o passado. Eu quero discutir o presente e o futuro. O que é que está faltando hoje, o que precisa ser feito amanhã".
Serra prevê "uma campanha muito, muito dura". E por isso pede unidade ao PSDB. "Unidade de discurso, unidade política. Saber sacrificar, em determinados momentos, não a vida política, (mas) interesses aqui, acolá em função de se constituir uma força unificada e poderosa".
Para quem disputou por um partido despedaçado, em 2002, o tucano sabe muito bem do que fala.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
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