É assim, com a precisão aguda que lhe é própria, que o senador Jarbas Vasconcelos define aquilo que o seu partido, o PMDB, perpetrou na noite passada: um "expediente" . Que acabou consumado, é verdade, mas pode se concretizar efetivamente só na campanha eleitoral de 2010... ou não. O expediente foi um jantar com a ministra Dilma Rousseff, candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, destinado a sacramentar, informalmente, uma aliança do PMDB com o PT. Este é o compromisso possível de ser firmado agora, a um ano da disputa e a oito meses das convenções partidárias, o foro adequado a estas decisões para que tenham validade.
O que houve ontem não tem valor legal mas não se pode negar que é um laço forte. Tão forte que incomoda os dissidentes. "É uma coisa que deixa todo mundo espantado", diz Jarbas Vasconcelos, por telefone, da Suíça, onde se encontra em missão do Congresso.
O senador do PMDB pernambucano vê no comportamento da cúpula do PMDB, hoje representando a maioria governista do partido, mais que um rolo compressor - um "golpe" mesmo. Ele argumenta que só a convenção, em junho de 2010, pode decidir formalmente a aliança. "É uma precipitação".
A iniciativa transgride, a seu ver, uma característica do PMDB que, embora a repudie, não tem como negá-la: "O PMDB é um partido com característica de frente, tem adotado esta conduta nos últimos 10 anos; não sou defensor dessa conduta, preferia que o partido fosse mais coerente, menos pragmático, mas isto é o que prevalece há uma década, são as regras do jogo". O que o espanta é o seguinte: "Como, de repente, o partido que não fez isso nas duas eleições de Fernando Henrique Cardoso, não fez isto nas duas eleições do Lula, quando respeitou as divisões, quer fazer agora?"
Jarbas identifica no Palácio do Planalto a autoria dessa operação de mudança. "É uma escalada do Palácio do Planalto, do Lula, que não tem fim".
Como exemplo do excesso, do exagero, do desmedido, cita a viagem do presidente com a candidata às margens do São Francisco, evento que o senador viu como uma "coluna" (uma fila de soldados), "um verdadeiro deboche em cima do Ministério Público e da Justiça Eleitoral".
Reconhece que tudo isto pressiona o PMDB governista a ter uma definição e sabe, também, que se a convenção fosse hoje e não em junho de 2010 os dissidentes perderiam a parada. Uma saída, comenta, é tentar protelar tudo isto. "Até porque o PMDB pode tentar aquela coisa vulgar de vender uma mercadoria que não tem, não se sabe se mais à frente esta mercadoria vai desaparecer".
Profundo conhecedor do PMDB, de cada um dos grupos que compõem a frente ao longo de toda a sua história, a mercadoria a que Jarbas Vasconcelos se refere é a seguinte: "Basta José Serra (governador de São Paulo, um dos pré-candidatos do PSDB à Presidência, que Jarbas apoia) se firmar nas pesquisas, subir um pouco mais, para que o nosso grupo (os dissidentes) aumente; infelizmente, mas a tradição do PMDB é esta, não vou lutar contra um dado da realidade".
O PMDB se transformou, por maioria, em partido governista no início do segundo mandato do presidente Lula, quando o chefe do governo sacudia a poeira do mensalão. Na análise do senador, Lula viu a precariedade de sua base de apoio, a adesão do PMDB, dado o perfil do partido, não deixava de ser também precária mas, pelo tamanho, dava ao presidente condições de navegar em mar mais tranquilo. Ofereceu ministérios importantes, conteve a gula do partido. Isto, porém, segundo Jarbas, não faz com que o PMDB fique bem comportado como governista, para sempre.
"É um pessoal pragmático, se percebe que Dilma sobe pouco, tem dificuldades de se firmar, entra em outro caminho com a maior naturalidade". O que está acontecendo "é um expediente a ser consumado que degrada ainda mais o processo político, eleitoral e partidário do país".
Há uma questão que aproxima o senador Jarbas, que apoia José Serra, da cúpula do DEM que não quer a candidatura do governador de São Paulo, e até do governo Lula e seus aliados: todos gostariam que houvesse a antecipação da definição do candidato de oposição às eleições presidenciais. Para o governo, por razões óbvias, faria agora a campanha polarizada que já preparou para vencer no primeiro turno. Para o DEM, porque o presidente do partido prefere a candidatura do governador de Minas, Aécio Neves, à de Serra. E para os dissidentes do PMDB porque facilitaria a negociação interna no partido.
Jarbas assinala que se houvesse definição de candidatura o assunto transitaria internamente dentro do PMDB em um caminho de contornos mais fáceis. "Esse aspecto, dado o pragmatismo do PMDB, não nos favorece, não ajuda os dissidentes, pois fica limitado ao nosso campo de investir, conversar". Porém, ao contrário do governo e seus aliados e da cúpula do DEM, Jarbas Vasconcelos concorda que uma definição agora prejudicaria o candidato do PSDB. "Concordo que o Serra não deve antecipar a campanha, não deve percorrer o caminho que Lula e Dilma traçaram. Mas não faz mal reconhecer que isto, internamente, para o PMDB, não nos ajuda".
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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